sábado, 3 de novembro de 2018

O Novo Contencioso Pré - Contratual Urgente

O Novo Contencioso Pré – Contratual Urgente


Neste post, iremos abordar a temática do contencioso pré – contratual, tomando consciência do seu regime, altamente marcado pela influência do Direito da União Europeia, e de algumas questões por ele são suscitadas e debatidas, tanto ao nível doutrinário, como jurisprudencial. 

Introdução ao Contencioso Pré – Contratual

O contencioso Pré – Contratual inclui – se, desde 2002, entre as ações administrativas urgentes, consagradas no Título III do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Como sabemos, em 2015, através do Decreto – Lei nº 214 - G/2015, foi operada uma reforma ao regime do contencioso administrativo, destacando – se, evidentemente, as alterações ocorridas em sede de contencioso pré – contratual, previsto entre os artigos 100º e 103º B do CPTA. Tal como supracitado, é de notar que estas alterações foram levadas a cabo devido a exigências do Direito da União Europeia, nomeadamente, da Diretiva 2007/66/CE do Parlamento Europeu e do Conselho.

Antes de procedermos a uma esquematização das principais alterações, considero importante sublinhar que a previsão de um processo autónomo e urgente tem que ver com a necessidade de assegurar interesses públicos e privados, promovendo, nas palavras de Vieira de Andrade, a transparência e a concorrência, através de uma proteção adequada e em tempo útil aos interesses dos candidatos à celebração de contratos com as entidades públicas e garantir o inicio rápido da execução dos contratos administrativos e a respetiva estabilidade depois de celebrados[1].

Principais alterações

Ora, as principais alterações operaram ao nível dos seguintes aspetos: âmbito de aplicação objetivo, pretensões, prazo, eliminação da remissão para a tramitação da ação administrativa especial, atribuição de efeito suspensivo à ação de contencioso pré – contratual e impugnação das peças procedimentais.
Em seguida, iremos examinar cada uma delas de forma aprofundada.

Âmbito de aplicação objetivo

Tendo em conta o artigo 100º nº1 CPTA, o âmbito objetivo do contencioso pré - contratual passou a incluir não só os contratos de empreitada de obras públicas, mas também, os contratos de concessão de serviços públicos, ao contrário do que se verificava com o regime anteriormente vigente. Todavia, apesar deste alargamento, o âmbito deste meio processual ainda não coincide, de forma total, com o âmbito de aplicação do Código de Contratos Públicos, uma vez que continua ausente o contrato de sociedade, cuja formação é regulada pelo CCP, nos termos dos artigos 16º nº2 f) e 31º nº1 e 3, mas os seus litígios não se inserem no escopo do contencioso pré – contratual, assim como, outros contratos relevantes no contexto da atividade da Administração Pública, dizendo – se, a título de exemplo, os contratos de alienação e aquisição de bens imóveis[2]

Pretensões

Nesta sede, as alterações levadas a cabo prenderam – se mais com uma consagração expressa e formal do que resultava de uma interpretação conjugada do regime, verificando – se mais um esclarecimento ou elucidação em relação ao regime anterior do que propriamente uma novidade. Assim sendo, passou a ser claro que o contencioso pré – contratual abarca não só as ações de impugnação de atos administrativos, como também, as ações de condenação à prática de atos administrativos, sendo que o legislador clarificou, igualmente, que, sem prejuízo da sua natureza urgente, é admitida a cumulação de pedidos, mesmo que aos demais pedidos cumulados, se isoladamente deduzidos, não corresponda um processo urgente. Esta admissibilidade encontra – se disposta nos artigos 4º (termos gerais) e 103º nº2 CPTA.

Prazo

Após a leitura do artigo 101º CPTA, seria expectável concluir que não teriam existido quaisquer alterações, na medida em que se continua a prever o prazo de um mês, mas, efetivamente, revelam – se duas diferenças com algum relevo.
Primeiramente, ao contrário do que se processava no regime anterior[3], o prazo supracitado não se aplica à impugnação das peças procedimentais.
Em relação a esta aparente inalterabilidade[4],Marco Caldeira considera que o legislador abdicou de esclarecer se o prazo em causa é igualmente aplicável à impugnação de atos, com fundamento em nulidade, destacando a necessidade de uma tomada de decisão no que diz respeito a esta matéria. Por outro lado, existindo silêncio, atesta que este deve ser entendido no sentido de assentimento à orientação da jurisprudência, indo ao encontro da opinião de Vieira de Andrade.[5]
Em segundo lugar, houve uma alteração das regras gerais de contagem dos prazos de impugnação, para as quais o artigo 101º do CPTA remete. Logo, e segundo Marco Caldeira, estas alterações são indiretas, visto que, em termos formais, a contagem dos prazos de impugnação no contencioso pré – contratual mantém – se inalterada.
Uma breve nota de que o prazo de um mês previsto no artigo 101º CPTA é um prazo de caducidade substantivo e não processual adjetivo[6].

Eliminação da remissão para a tramitação da ação administrativa especial

Como sabemos, tanto a remissão como a forma de processo deixaram de existir, já que a ação administrativa comum e a ação administrativa especial se fundiram numa única forma de processo, que é a atual ação administrativa, caracterizada por ter uma tramitação comum, mesmo que com certas especificidades. Desta forma, a tramitação da ação contenciosa pré – contratual deixa de seguir a tramitação da ação administrativa especial passando a seguir o disposto no artigo 102º nº1 CPTA.
Quanto à tramitação, importa, ainda, sublinhar que a possibilidade de realização de audiência pública se mantém, nas situações previstas no artigo 102º nº5 CPTA, mas abandonou – se a exigência de que as partes profiram nesse momento as suas alegações de forma oral e de que o Tribunal dite de imediato a sentença. Com esta modificação, a doutrina espera que o novo regime do artigo supracitado dê uma resposta mais adequada a outras situações, como, por exemplo, permitir a realização de audiências com a intervenção de peritos[7].
Em contrapartida, a modificação do objeto do processo deixou de ter uma regulamentação própria dentro do regime do contencioso pré – contratual, remetendo o artigo 102º nº6 para o regime geral, disposto nos artigos 45º e 45º A. Assim sendo, este regime aplica – se tanto às situações em que se verifica impossibilidade absoluta de satisfação das pretensões do autor ou verificação antecipada de um prejuízo excecional para o interesse público, como às situações previstas no artigo 102º nº7 CPTA.

Atribuição de efeito suspensivo, ope legis, à ação de contencioso pré – contratual

Esta é, indubitavelmente, a maior inovação da revisão do CPTA.
Encontra – se consagrado no artigo 103º A nº1 e a sua disposição permite, nas palavras de Marco Caldeira, ultrapassar o défice de tutela jurisdicional resultante da postura agudamente conservadora da jurisprudência administrativa, que dificultava o preenchimento dos pressupostos legais e, consequentemente, originava um indeferimento constante deste tipo de providências, levando, no limite, a um esvaziamento total da utilidade prática da sentença a proferir na ação principal[8]. Isto conduzia à criação de situações de facto consumado e irreversível que desterrava os interessados para a simples tutela indemnizatória.

Antes de procedermos a uma análise do artigo 103º A CPTA, considero importante atentar que, primeiramente, existem algumas semelhanças face à suspensão automática, prevista no artigo 128º nº1, mas também algumas diferenças relevantes e, em segundo lugar, que é fulcral a discussão sobre a ponderação de prejuízos, no âmbito cautelar.

Análise do artigo 103º A CPTA

ARTIGO 103º A
Efeito suspensivo automático
1 – A impugnação de atos de adjudicação[9]no âmbito do contencioso pré – contratual urgente faz suspender automaticamente os efeitos do ato impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado[10].
2 – No caso previsto no número anterior, a entidade demandada e os contrainteressados[11]podem requerer ao juiz o levantamento do efeito suspensivo[12], alegando que o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos[13], havendo lugar, na decisão, à aplicação do critério previsto no nº2 do artigo 120º.
3 – No caso previsto no número anterior, o demandante dispõe do prazo de sete dias para responder, findo o que o juiz decide no prazo máximo de 10 dias, contado da data da última pronúncia apresentada ou do termo do prazo para a sua apresentação[14].
4 – O efeito suspensivo é levantado quando, ponderados os interesses suscetíveis de serem lesados, os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostrem ser superiores aos que podem resultar do seu levantamento.

Em jeito de conclusão, apesar dos progressos feitos em sede desta matéria, é unanime na doutrina que esta não era a única solução, sendo a mesma criticada por alguns autores, principalmente, Rodrigo Esteves de Oliveira e Mário Aroso de Almeida. O primeiro defende que o legislador poderia ter proibido a celebração do contrato e, simultaneamente, permitir que a entidade adjudicante, em caso de impugnação da adjudicação, pudesse avançar com o procedimento pós – adjudicatório. O segundo atesta a existência de uma transposição minimalista da Diretiva 2007/66/CE e sustenta a criação de uma instituição de entidades para - - jurisdicionais próprias, para a resolução célere dos litígios[15].
Marco Caldeira subscreve os elogios e louvores, mas fala em utilização abusiva por parte dos interessados e, por consequência, em sobrecarga dos Tribunais Administrativos, devido a ações infundadas, salientando, por outro lado, a necessidade de celeridade[16]
Em adição, efetivamente, o legislador absteve – se de introduzir a previsão de consequências resultantes da violação da suspensão associada à instauração da ação. Não se encontrando resposta legal, vários autores propõem que o interessado recorra a um incidente de execução indevida, tomando como exemplo o artigo 128º nº4 CPTA, [17]sem contar com a evidente responsabilidade que recai sobre as entidades violadoras e a ilegalidade que irá inquinar os atos, formalidades e trâmites praticados de maneira desobediente. Isto não irá acontecer nas situações em que os resultados não poderiam ter sido obtidos de outra forma, se se demonstrar que se estava perante um estado de necessidade administrativa[18], prevista no artigo 3º nº2 CPTA.

Análise do artigo 103º B CPTA

ARTIGO 103º B
Adoção de medidas provisórias

1 – Nos processos que não tenham por objeto a impugnação de atos de adjudicação[19], pode ser requerida ao juiz a adoção de medidas provisórias, dirigidas a prevenir o risco de, no momento em que a sentença venha a ser produzida, se ter constituído uma situação de facto consumado ou já não ser possível retomar o procedimento pré – contratual para determinar quem nele seria escolhido como adjudicatário[20].
2 – No caso previsto no número anterior, o pedido da adoção de medidas provisórias é tramitado como incidente[21], que corre termos nos autos do próprio processo declarativo, devendo a respetiva tramitação ser determinada, no respeito pelo contraditório, em função da complexidade e urgência do caso[22].
3 – Nas situações previstas nos números anteriores, a medida provisória é recusada quando os danos que resultariam da sua adoção se mostrem superiores aos que podem resultar da sua não adoção, sem que tal lesão possa ser evitada ou atenuada pela adoção de outras medidas[23].

Impugnação de peças procedimentais

É inegável que o legislador sentiu necessidade de inovar neste domínio, posto que este era insuficiente, e procurou dar – lhe maior margem de aplicação, cindindo – o em relação à impugnação dos atos administrativos e dedicando – lhe o artigo 103º CPTA.

Análise do artigo 103º CPTA

ARTIGO 103º 
Impugnação dos documentos conformadores do procedimento

1 – Regem – se pelo disposto no presente artigo e no artigo anterior, os processos dirigidos à declaração de ilegalidade de disposições contidas no programa do concurso, no caderno de encargos, em qualquer outro documento conformador do procedimento de formação de contrato, designadamente com fundamento na ilegalidade das especificações técnicas, económicas ou financeiras que constem desses documentos.
2 – O pedido de declaração de ilegalidade pode ser deduzido por quem participe ou tenha interesse em participar no procedimento em causa[24], podendo ser cumulado com o pedido de impugnação de ato administrativo de aplicação das determinações contidas nos referidos documentos.
3 – O pedido de declaração de ilegalidade pode ser deduzido durante a pendência do procedimento a que os documentos em causa se referem[25]sem prejuízo do ónus da impugnação autónoma dos respetivos atos de aplicação[26].
4 – O disposto no presente artigo não prejudica a possibilidade da impugnação, nos termos gerais, dos regulamentos que tenham por objeto conformar mais do que um procedimento de formação de contratos[27].

Sentença e recurso

Finalmente, a decisão final do processo traduz – se numa sentença, sendo que esta última pode ser impugnada para os Tribunais superiores, através de um recurso jurisdicional, cuja sede legal se encontra entre os artigos 140º e seguintes CPTA. 
O recurso deve ser interposto no prazo de 15 dias, nos termos do artigo 147º nº1 CPTA e, estando perante tramitação urgente, os prazos são reduzidos para metade, tendo o julgamento prioridade sobre os outros, tal como resulta do nº2 do artigo anterior.
Quanto ao regime dos recursos, em termos de efeitos, apura – se a existência de uma divergência na doutrina, sendo que uma parcela invoca o efeito suspensivo e outra o efeito devolutivo[28]. Neste campo, não nos podemos suportar muito na jurisprudência administrativa, para tentar encontrar uma solução, na medida em que as suas posições e decisões não são unânimes, chegando a ser antagónicas[29]
Transitada a sentença em julgado, a Administração deve cumpri – la no prazo previsto na lei, no artigo 175º nº1 CPTA, sendo que o interessado pode recorrer a um processo executivo na falta de cumprimento espontâneo da mesma.
Marco Caldeira sugere que seria conveniente a previsão, no texto legal, de um meio processual urgente, com, porventura, prazos encurtados, através do qual se iria proceder à execução de sentenças proferidas no âmbito de processos urgentes, conduzindo, no limite, a uma simplificação da tramitação processual[30].

Conclusão

Tendo em conta os pensamentos e opiniões expostos, creio que o regime do contencioso pré – contratual urgente, embora reduzido em número de artigos, já que apenas goza de 6 artigos, é complexo, rodeado de certas especificidades e remete para os outros que se apresentam como mais gerais, como, por exemplo, os artigos 128º e 132º CPTA. Todavia, e, reconhecendo o esforço do legislador, concordo com a opinião dos autores supracitados e considero que é crucial uma lima de arestas e uma melhor organização sistemática, de modo a evitar repetições e, por conseguinte, confusões e equívocos, e, de forma, a obter uma maior transparência do ponto de vista do entendimento.

Bibliografia

·       ANDRADE, Viera, A Justiça Administrativa, Lições, 15ª edição, Coimbra, Almedina, 2016.
·       ALMEIDA, Mário Aroso, Manual de Processo Administrativo, 2ª edição, Almedina, 2016.
·       CALDEIRA, Marco, “Novidades no domínio do contencioso pré – contratual”, o Anteprojeto de revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais em debate, AAFDL, 2014.
·       CALDEIRA, Marco, “O novo contencioso pré – contratual”, in Contencioso pré – contratual, CEJ, Fevereiro 2017.


[1]VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa, 15ª edição, Almedina, 2016, página 240.
[2]VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa, 15ª edição, Almedina, 2016, página 240, nota 564.
[3]No regime anterior, a jurisprudência entendia que o prazo de um mês era aplicável tanto à impugnação de atos administrativos como à impugnação de atos normativos, isto é, das peças procedimentais, se bem que era um entendimento criticado pela doutrina, onde se destacou André Salgado Matos, bem como, dúbio em relação à questão de saber se decorrido o prazo de um mês para a impugnação autónoma das peças, os interessados poderiam vir a invocar em juízo as ilegalidades das mesmas, mas agora a titulo indireto e incidental.
[4]MARCO CALDEIRA, “Novidades no domínio do contencioso pré – contratual”, o Anteprojeto de revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais em debate, AAFDL, 2014, páginas 157 e 158.
[5]VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa, 15ª edição, Almedina, 2016, página 244, nota 583.
[6]Acórdão do TCA Sul, processo nº 13349/16, de 16 de Junho.
[7]MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, 2ª edição, Almedina, 2016, página 389.
[8]MARCO CALDEIRA, “O novo contencioso pré – contratual”, in Contencioso pré – contratual, CEJ, Fevereiro 2017, página 25.
[9]Se o processo tiver por objeto a impugnação da adjudicação, a própria ação principal já conduz à suspensão de eficácia que normalmente se visaria obter com o processo cautelar, ou seja, verifica – se uma suspensão automática, de acordo com o disposto no artigo 103º A. Caso, o processo vise satisfazer outras pretensões, a eventual suspensão de eficácia terá de ser requerida por força do instrumento das medidas provisórias, previstas no artigo 103º B CPTA, valendo como argumento a letra da lei.
Em ambos os casos, será sempre no âmbito da ação principal que se irá proceder à discussão sobre a manutenção ou levantamento dessa suspensão.
Por outro lado, aos litígios emergentes de procedimentos de formação de contratos não previstos entre os artigos 100 nº1 a 103º B CPTA, aplicam – se as providencias cautelares pré – contratuais do artigo 132º nº1 do mesmo código.
Contudo, não era esta a solução do Anteprojeto, que iria originar, nas palavras de Marco Caldeira, sobreposições injustificadas e algumas dificuldades entre os regimes da ação principal e do processo cautelar pré – contratuais (cf. MARCO CALDEIRA “As providências cautelares pré – contratuais no projeto de revisão do CPTA”, Epública, ICJP, nº2, Junho de 2014, página 22).
Em síntese, a suspensão automática, só opera nas situações em que o processo tenha por objeto a impugnação de um ato de adjudicação e, uma vez que os processos de contencioso pré – contratual têm, maioritariamente, na sua génese, a impugnação da adjudicação, esta matéria e, consequentemente, o artigo 103º A têm uma grande importância prática e campo de aplicação colossal.
[10]  O facto de o efeito suspensivo abranger, igualmente, a execução do próprio contrato, se este já tiver sido celebrado, tem uma origem puramente nacional, no sentido que foi uma ideia exclusiva do legislador (cf. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, 2ª edição, Almedina, 2016, página 134) e não foi incitada pela “Diretiva Recursos”, se bem que o seu objetivo é evitar ou reduzir a tendência das entidades adjudicantes se lançarem nas “corridas à assinatura do contrato”, já que a celebração e início da execução do contrato podem ser bloqueadas mais facilmente pelos interessados que pretendam discutir as ilegalidades deste procedimento, repercutidas na sua decisão final, o que se traduz numa preocupação expressa no considerando 4 da Diretiva 2007/66/CE.
Através desta especificidade, o mecanismo do efeito suspensivo automático, previsto no artigo 103º A nº1, diferencia – se do artigo 128º nº1, na medida em que apenas suspende os efeitos do ato de adjudicação, mas não a execução do contrato, caso este tivesse sido celebrado antes da citação da entidade requerida. Posto isto, o primeiro regime é mais efetivo e garantístico do que o segundo, mas esta previsão legal é criticada por alguns autores, designadamente, Cláudia Viana, e, segundo Rodrigo Esteves de Oliveira, a vertente garatística foi levada ao extremo, na medida em que a lei não impõe ao autor que invoque quaisquer prejuízos para efeitos da concessão da suspensão (cf. RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, “A tutela cautelar ou provisória associada à impugnação da adjudicação de contratos públicos”, Cadernos da Justiça Administrativa, nº115, Janeiro/Fevereiro, 2016, página 19), sendo a mesma atribuída sem o que autor nada diga e não se verifiquem quaisquer danos na esfera jurídica do autor. Ora, isto pode conduzir, certamente, a “situações injustas e premiação de intuitos ocultos meramente dilatórios” (DUARTE RODRIGUES DA SILVA, “O levantamento do efeito suspensivo no contencioso pré – contratual no quadro da proposta de alteração ao CPTA”, in Cadernos Sérvulo, 2016, página 11).
Ora, uma vez rodeado de críticas, são vários os autores que propõem soluções ou alternativas, entre eles, Rodrigo Esteves de Oliveira, que afirma que o legislador poderia ter optado por uma suspensão determinada pelo autor, reconhecendo – lhe um direito potestativo de requerer a suspensão, já que é, de facto, o autor que sabe que tutela necessita, ao invés, da suspensão automática.
Relativamente ao efeito suspensivo automático, existe, ainda, um aspeto que tem que ver com a questão de saber a partir de que momento é que os efeitos do ato ou contrato se devem considerar suspensos. A letra da lei pode originar alguns equívocos e dúvidas, dando até a entender que seria imediata, mas pensa - se que o elemento literal deve ser tido em conta com um certo peso e medida, visto que é desprovido de sentido que os efeitos de um ato administrativo sejam suspensos sem que o seu autor tenha conhecimento. Marco Caldeira defende, assim, que o momento relevante para determinar a suspensão dos efeitos será o da citação do réu da propositura da ação, tal como se verifica em sede cautelar, no artigo 128º nº1 CPTA, e feita em conformidade com o artigo 246º do CPC (cf. MARCO CALDEIRA, “O novo contencioso pré – contratual”, in Contencioso pré – contratual, CEJ, Fevereiro 2017, páginas 30 e 31). De referir que essa citação é, obviamente, promovida pelo Tribunal no qual a ação foi intentada.
[11]  Neste caso, as partes legitimas não são apenas o réu, mas também os contrainteressados. Todavia, esta expressão pode ser considerada um conceito indeterminado, sendo essencial uma delimitação do mesmo, de modo a que seja afastada a inconstitucionalidade desta norma, que é invocada pela doutrina. Efetivamente, o STA tentou delimitar o conceito, esclarecendo que nas ações de contencioso pré – contratual que tenham por objeto a impugnação da adjudicação, só o adjudicatário reveste a qualidade de contrainteressado (cf. Acórdão do STA, sumário, processo nº 01018/15, de 12 de Novembro de 2015).
[12]  Segundo Mário Aroso de Almeida, apesar de a lei não o referir, este levantamento deve ser tramitado como um incidente processual (cf. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, 2ª edição, Almedina, 2016, página 389). Logo, cabe ao réu e contrainteressado o ónus da alegação de prejuízos e prova dos factos invocados, como será explicado infra.
Cogita – se, com alguma intensidade, se existe um prazo dentro do qual as partes podem suscitar o levantamento de suspensão de eficácia. Como sabemos, a lei não o prevê e emergem 3 opções, pela via doutrinária: (i) o prazo de 5 dias, previsto no artigo 102º nº3 c), como prazo supletivo geral no âmbito do contencioso pré – contratual – posição defendida por Pedro Melo e Maria Ataíde Cordeiro; (ii) o prazo de 20 dias previsto no artigo 102º nº3 a), para a apresentação da contestação – orientação seguida por Rodrigo Esteves de Oliveira; e, finalmente, (iii) a todo o tempo, uma vez que a lei não fixa um limite temporal – pensamento de Duarte Rodrigues da Silva, Vieira de Andrade e Mário Aroso de Almeida. Estes últimos convergem na ideia de que não faz sentido que os interessados abram mão deste mecanismo num momento em que não seja estritamente necessário, ao invés, de utilizarem mais tardiamente, quando se revele imperioso.
[13]Do preceito resulta, inequivocamente, que cabe ao réu e contrainteressados a invocação e demonstração dos prejuízos e consequências. 
Aqui, destaca – se o facto de a regra ser a suspensão, sendo que só excecionalmente e nas condições previstas neste artigo, se admite o levantamento do efeito suspensivo.
Neste campo de ação, é crucial uma elucidação dos pressupostos incluídos no artigo, que são pressupostos qualificados, não bastando o mero prejuízo para o interesse público, sendo necessário a desproporcionalidade clara e grave do interesse público e das consequências lesivas. Obviamente, este nível de gravidade e qualificação de prejuízo é altamente difícil em termos de prova para a entidade adjudicante e contrainteressado, bem como, para efeitos de ponderação, por parte do juiz. Por isso, a jurisprudência administrativa ocupou – se do assunto, atestando o seguinte: o critério decisório, ou melhor, a metodologia decisória do juiz passa pela ponderação racional e expressa, num juízo de prognose, de todos os interesses em presença e de todos os danos respetivos à luz da máxima metódica da proporcionalidade (com os seus três testes: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito); os dois pratos da balança do juiz, para ponderação ou sopesamento, são constituídos, (i) num lado, pelo prejuízos causar pela continuação do efeito suspensivo automático e, (ii) por outro lado, pelos prejuízos a causar pela retoma do prosseguimento do procedimento pré – contratual na fase pós – adjudicatória; por ultimo, o juiz decidirá levantar o efeito suspensivo da interposição da ação se concluir que os prejuízos que resultarão da manutenção do efeito suspensivo se mostram claramente superiores aos prejuízos que possam resultar da retoma do prosseguimento do procedimento pré – contratual na fase pós – adjudicatória (cf. Acórdão do TCA Sul, processo nº 919/16.7 BELSB, de 24 de Novembro de 2016). 
Esta não é uma posição unânime, dado que o TCA Norte adota um sentido menos restritivo e observa que a mera superioridade, desde que clara, é suficiente, para levantar o efeito suspensivo automático (cf. Acórdão TCA Norte, processo nº 01237/16. 6BEPRT – A, de 18 de Novembro de 2016).  
Destaque – se que o a jurisprudência administrativa refere, ainda, que a ponderação a efetuar deve ser feita entre os prejuízos ou danos e não entre os interesses em presença. 
Fazendo uma leitura atenta ao artigo 103º A nº2 e nº4, averiguamos que estamos perante uma repetição de regimes, principalmente, no que diz respeito à parte da remissão para o artigo 120º nº2 CPTA. 
Segundo Vieira de Andrade, estamos perante um lapso (cf. VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa, 15ª edição, Almedina, 2016, página 246) e, de acordo com Rodrigo Esteves de Oliveira, é uma remissão sem sentido útil (cf. RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, A tutela cautelar ou provisória associada à impugnação da adjudicação de contratos públicos”, Cadernos da Justiça Administrativa, nº115, Janeiro/Fevereiro, 2016, página 24 e 25).
No fundo, esta repetição e mistura de conceitos absolutos, como a gravidade dos prejuízos, com conceitos relativos, como a comparação entre os danos sofridos pelas partes, origina um regime confuso e complexo, dificultando, por conseguinte, a sua aplicação prática.
[14]Este preceito é confuso, não explicitando se as pronúncias, a partir das quais se inicia a contagem do prazo, se referem ao réu, ao autor, aos contrainteressados ou a qualquer um deles.
[15]MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, 2ª edição, Almedina, 2016, página 9.
[16]MARCO CALDEIRA, “O novo contencioso pré – contratual”, in Contencioso pré – contratual, CEJ, Fevereiro 2017, página 39.
[17]ANA GOUVEIA MARTINS, “Os processos urgentes no Anteprojeto de Revisão do CPTA”, in Julgar, nº23, Maio/Agosto, 2014.
[18]RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, A tutela cautelar ou provisória associada à impugnação da adjudicação de contratos públicos”, Cadernos da Justiça Administrativa, nº115, Janeiro/Fevereiro, 2016, página 19.
[19]Como supracitado, nas situações em que o processo pré – contratual não tenha por objeto a impugnação da adjudicação, mas sim a impugnação de peças procedimentais, a suspensão não tem eficácia imediata ou automática, devendo ser requerida e decretada, dependendo, assim, de iniciativa e decisão judicial.
[20]Marco Caldeira, numa posição minoritária, suporta a substituição desta expressão, uma vez que lhe parece suscitar equívocos (cf. MARCO CALDEIRA, “O novo contencioso pré – contratual”, in Contencioso pré – contratual, CEJ, Fevereiro 2017, página 41, nota 97.
[21]Neste artigo, a lei prevê expressamente que o pedido de adoção de medias provisórias é tramitado como um incidente processual, ao contrário do que acontece com o pedido de efeito suspensivo automático. Todavia, apesar da lei ter consagrado os termos em que corre, esta tramitação não é concreta e completa, denotando – se uma ausência dos prazos a observar.
[22]Aqui manifesta – se um apelo ao dever de gestão processual, disposto nos artigos 6º Código de Processo Civil e 7º CPTA, remetendo para o juiz o contorno deste incidente, tendo sempre em consideração o respeito pelo contraditório e a urgência do caso. Por esta razão se pode perceber a ausência de prazos, quer máximos, quer mínimos, por tudo isto estar sujeito ao caso concreto e à capacidade de resposta da “máquina judiciária”. 
[23]Este preceito confere habilitação ao Tribunal para decretar uma medida provisória distinta da que foi requerida, tendo como intenção o evitamento ou atenuação dos danos dessa última. Aqui opera, de acordo com o ponto 5.2 do preâmbulo do Decreto – Lei nº 214 – G/2015, o critério da pura ponderação de interesses, não se recorrendo a uma gradação dos prejuízos invocados de parte a parte, diferentemente do que sucede relativamente à impugnação da adjudicação.
[24]Esta formulação é tida como extremamente restritiva, dado que, como resulta do Direito da União Europeia, o que está subjacente não é só o interesse na participação de um determinado procedimento, mas, principalmente, o interesse na disputa do contrato, deixando de fora interessados como o Ministério Público. Neste sentido, Mário Aroso de Almeida fala em limitação (cf. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, 2ª edição, Almedina, 2016, página 241.
[25]Esta é a maior inovação do artigo 103º CPTA. Parece resultar que a impugnação das peças procedimentos deixou de estar submetida a um prazo, para passar a sujeitar – se a um termo final, passando o exercício do direito de ação a depender da verificação de um evento futuro e não mais de um lapso temporal, após um termo inicial. Em virtude deste facto, coloca – se a questão de saber a partir de que momento ou ato é que, efetivamente, se considera que o procedimento deixa de estar pendente, para efeitos de preclusão do direito de ação. No que concerne a este tema, é importante considerar a existência de uma divergência na doutrina, na qual, uma orientação defende o procedimento pré – contratual e a outra a escolha do cocontratante. Marco Caldeira adere à primeira orientação, pensando que as peças procedimentais poderão ser impugnadas até à data da notificação da celebração do contrato e atribui mérito a esta nova solução legal, dado que permite evitar ou reduzir os problemas sentidos (cf. MARCO CALDEIRA, “Novidades no domínio do contencioso pré – contratual”, o Anteprojeto de revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais em debate, AAFDL, 2014, página 159 e MARCO CALDEIRA, “O novo contencioso pré – contratual”, in Contencioso pré – contratual, CEJ, Fevereiro 2017, página 44).
[26]Portanto, este artigo consagra um regime idêntico ao que se aplicava relativamente à impugnação de regulamentos e de atos que os apliquem, convindo referir que o ónus é o da impugnação dos atos e não das peças. Este último encontra – se previsto no artigo 52º nº2 CPTA.
[27]Este artigo, que é fruto de uma adição do legislador, prevê que as peças que conformem mais do que um procedimento pré – contratual possam ser impugnadas nos termos do regime geral de impugnação de regulamentos (artigos 72º a 77º CPTA). Este preceito esclarece uma dúvida já antiga que assolava a mente de alguns autores, como, por exemplo, Rodrigo Esteves de Oliveira.
Outra dúvida suscitada pela doutrina prende – se com o facto de compreender se este regime se aplica apenas aos procedimentos pré – contratuais para a formação dos contratos mencionados no artigo 100º nº1 CPTA ou, se, pelo contrário, se aplica a peças de todos os procedimentos pré – contratuais, vislumbrando – se um regime geral. Ora, não obstante o elemento sistemático apontar para o primeiro sentido, Pedro Costa Gonçalves crê que a letra da lei possa permitir uma interpretação mais ampla, de iure condendo (cf. MARCO CALDEIRA, “O novo contencioso pré – contratual”, inContencioso pré – contratual, CEJ, Fevereiro 2017, página 45, nota 122).
[28]Todavia, optamos por não aprofundar mais o tema, deixando – o, possivelmente, para outro post.
[29]Acórdão TCA Sul, processo nº 13747/16, de 24 de Novembro de 2016.
[30]MARCO CALDEIRA, “O novo contencioso pré – contratual”, in Contencioso pré – contratual, CEJ, Fevereiro 2017, página 50.

Carolina Pimenta
Subturma 10
Nº de aluno: 28135

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