domingo, 4 de novembro de 2018

Caracterização da Ação Popular no Contencioso Administrativo


1) Contexto Histórico



A ação popular presente no Código de Processo nos Tribunais Administrativos é uma figura de elevada importância no nosso atual ordenamento jurídico. A sua origem encontra-se no direito Romano a «actio popularis». No entanto a sua introdução efectiva no nosso ordenamento jurídico deu-se com a Carta Constitucional de 1826,  no seu artigo 124º. De seguida surge com o Código Administrativo de 1842, apesar de se restringir apenas a ações populares inerentemente correctivas e em 1878 a estas acrescem ações populares supletivas, que possibilitam a supressão de eventuais faltas nos órgãos do poder local na tutela de direitos e deveres da administração. Somente com actual constituição é que a mesma é reconhecida como uma integrante dos direitos, liberdades e garantias previstas na constituição, prevista no artigo 52º/3 da mesma (originalmente no artigo 49ª mas alterado para o artigo 52º após a primeira revisão Constitucional, a Lei Constitucional 1/82 de 30 de Setembro de 1982).


2) Concretização


Consagrada no número 2 do artigo 9º e no número 2 do artigo 55º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e na Lei do Direito da Participação Procedimental e da Ação Popular (Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto), a sua importância deriva da sua função de expansão da legitimidade activa no contencioso administrativo, conferindo legitimidade activa para propor a acção a quem não seja titular das posições jurídico-substantivas das situações previstas número 2 do artigo 9º e no número 2 do artigo 55º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e que tenham interesses difusos (1*) (interesses que podem ser individualizados a cada pessoa mas cujo titular não é determinado) coletivos (interesses partilhados por várias pessoas sobre um mesmo bem ou direito) . Ou seja é concedida uma permissão aos sujeitos, se houver interesse público, para protegerem os seus interesses e bens em nome da administração pública,  quando estes estejam em perigo ou já estejam a ser violados devido à inactividade e falhas da administração pública. Esta permissão é, segundo o Professor Paulo Otero, uma forma de controlo da administração pública e da legalidade dos seus atos pelos cidadãos (2*). De tal forma é importante esta garantia constitucional que até nas custas processuais de tais ações à isenções previstas no artigo 20º da Lei do Direito da Participação Procedimental e da Ação Popular.


3) Forma das ações populares


Visto que esta não é um mecanismo autónomo das ações administrativas regulares e meramente um mecanismo de alargamentos da legitimidade activa, a sua forma de processo será a mesma que a das outras ações, aliás, a própria Lei do Direito da Participação Procedimental e da Ação Popular prevê isto no número 1 do seu artigo 12º.


4) Ações Populares Supletivas


A ação popular divide-se em duas modalidades primárias, as ações populares supletivas e as ações populares correctivas.
As ações populares supletivas caracterizam-se, segundo os professores Vasco Pereira da Silva e Robin de Andrade (o autor da seguinte fórmula), por serem dirigidas à protecção e defesa dos direitos da Administração pública contra quaisquer atos que a prejudiquem (3*), estando previstas no número 2 do artigo 9º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. O número 2 do artigo 9º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos também prevê que mesmo que o indivíduo tenha um interesse pessoal na ação esta poderá ser intentada. Quanto a este aspecto a doutrina divide-se entre aqueles que defendem que é possível intentar a acção com o interesse pessoal, na medida em que sejam homogéneos os interesses pessoais no colectivo e a posição oposta à outra orientação, pois existem outras formas de ações que tutelam os interesses pessoais sendo o contrário uma descaracterização da função da ação popular. Na minha opinião, a segunda posição é a que mais se aproxima da natureza da norma, sendo que na minha acepção a expressão «Independentemente de ter interesse pessoal na demanda,» foi aí posta para que independentemente dos indivíduos terem um interesse pessoal, se houver um outro interesse coletivo comunitário, pluralista e impessoal perante os bens tutelados no número 2 do artigo 9º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos estes ainda detivessem legitimidade activa para interporem uma ação popular supletiva.


5) Ações Populares Correctivas


Já as ações populares correctivas caracterizam-se, nos termos do número 2 do artigo 55º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, por apenas os cidadãos eleitores terem a legitimidade activa, para «impugnar as decisões e deliberações adotadas por órgãos das autarquias locais sediadas na circunscrição onde se encontre recenseado, assim como das «entidades instituídas por autarquias locais ou que destas dependam.» (5*). Logo nesta modalidade não tem legitimidade activa as associações e fundações previstas no artigo 3º da Lei do Direito da Participação Procedimental e da Ação Popular, nem qualquer pessoa que não seja cidadão eleitor recenseado na autarquia local. Convém aqui mencionar a posição do professor Vasco Pereira da Silva (6*), o qual defende que a classificação nesta forma de duas modalidades é desnecessária, inclusive nomeando a ação popular supletiva de ação popular genérica,  visto que a ação popular genérica tem uma amplitude que, no seu entender, engloba a ação popular correctiva, ou seja, o número 2 do artigo 9º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos abrange o «o eleitor» previsto no número 2 do artigo 55º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Oponho-me a este entendimento devido ao facto de que à um elemento diferenciador entre as duas modalidades na característica essencial da ação popular, a extensão da legitimidade ativa. No meu entender, em comparação com a ação popular supletiva, à uma grande restrição a quem pode ter legitimidade activa no processo na ação popular correctiva que exige a autonomização da mesma visto que há uma miríade de sujeitos que têm legitimidade activa na ação popular supletiva e não a têm na ação popular correctiva, e logo, por força do princípio da tutela da confiança, são distintas das restantes.


4) A sua Raridade


Apesar de ser um instrumento importante e muito útil, sobretudo no ordenamento jurídico português, onde a Administração Pública ocupa um lugar de primazia o que valoriza ainda mais qualquer mecanismo e forma de controlar a mesma pelos indivíduos sob a sua alçada, a ação popular é um mecanismo de rara utilização apesar dos incentivos, como os previstos no artigo 20º da Lei do Direito da Participação Procedimental e da Ação Popular. A sua raridade deriva do facto de a grande maioria das situações jurídicas do Contencioso Administrativo já estarem ao abrigo das ações regulares e de uma inexistência de consciencialização social para com o mecanismo.


6) Conclusão:


Em suma, mesmo que a ação popular em contencioso administrativo seja raramente usada esta garantia constitucional é um bastião dos sujeitos perante a Administração Pública digna da sua autonomização e prevalência apesar da sua crescente raridade pois é uma forma de intervirem em nome da administração pública para protegerem os seus legítimos interesses, daí a sua utilidade.



Notas de Rodapé:

1* Cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo 12174/15 de 19-12-2017
2* Cf. Otero, Paulo, A acção popular: configuração e valor no actual Direito Português, Revista da Ordem dos Advogados, ano 59, Dezembro de 19993*  Cf. Andrade, José  Robin de, A Acção Popular no Direito Administrativo Português, Coimbra, 1967, páginas 115 e seguintes.
5* Conforme o número 2 do artigo 55º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos


6* Cf. Silva, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no divã da Psicanálise, 2ª edição, Almedina, 2009, páginas 262 e seguintes


Bibliografia:
Silva, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no divã da Psicanálise, 2ª edição, Almedina, 2009
Otero, Paulo, A acção popular: configuração e valor no actual Direito Português, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 59, Dezembro de 1999
Andrade, José  Robin de, A Acção Popular no Direito Administrativo Português, Coimbra, 1967
Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo 12174/15 de 19-12-2017
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo 01362/12 de 28-01-2016


                    Publicação de Blogue feita por:
                    Francisco José de Andrade Santos Pereira de Figueiredo

                    Aluno número 24491 da subturma 10 da Turma A do 4º ano



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