domingo, 4 de novembro de 2018

A concessão das providências cautelares nos procedimentos de formação de contratos

Jéssica Costa, 267455, 4º ano, subturma 10

As providências cautelares estão funcionalmente dirigidas a neutralizar os prejuízos a suportar pelo particular, prejuízos esses derivados da morosidade inerente à tramitação processual. Segundo o professor Vieira de Andrade, é um processo que tem como finalidade própria assegurar a utilidade de uma lide principal, de um processo que é demoroso, como acima referi. Devido a isto, para que uma ação principal não fique sem utilidade, a providência garante esse tempo considerado necessário para se julgar bem, para se fazer justiça1. Assim também afirma o professor Mário Aroso de Almeida, quando o autor pede a adoção de uma providência, esta é destinada a impedir que uma situação se torne irreversível ou se produzam danos demasiado gravosos, que ponham em perigo a utilidade da ação que ele pretende obter com o processo. Os processos não possuem autonomia, funcionando como momento preliminar ou como um incidente do processo principal2.
As providências têm características específicas. Em primeiro lugar, relativamente à instrumentalidade, o processo cautelar só pode ser intentado por quem tenha legitimidade para intentar um processo principal, em ordem a assegurar a utilidade da sentença final, 112º1 CPTA3. A sua função não é a declaração de direito, a resolução do mérito da causa, mas tão simplesmente obstar ao periculum in mora, e dessa forma, garantir que a definição do litígio, a ter lugar no processo principal, possa revestir utilidade e efetividade prática. A finalidade da tutela cautelar é a preservação de um determinado e concreto bem da vida ameaçado pelo periculum in mora. A tutela está estruturalmente construída em termos de acessoriedade de um processo principal, ao qual visa garantir a utilidade prática. Não existe, nem subsiste, sem um processo principal4. O facto que serve de fundamento ao requerimento de adoção de uma providência integra a causa de pedir da ação principal. Daqui decorre a fixação de um limite ao seu conteúdo e alcance, que se traduz na impossibilidade de alcançar com a tutela, utilidades e resultados mais amplos que os da tutela definitiva comporta. As providências cautelares são então inidóneas a conceder resultados diversos e não homogéneos relativamente àqueles que a sentença final pode dar, sob pena de exorbitar das funções que lhe são cometidas5. Assim como também nota o professor Vieira de Andrade, o art.113º CPTA, determina que o processo cautelar, apesar de ser tramitado autonomamente como processo urgente, depende da causa que tem por objeto a decisão sobre o mérito, podendo ser instaurado como preliminar dele ou então como incidente, seja juntamente com a petição inicial, seja na sua pendência6.
                                                         
 1 Vieira de Andrade, José Carlos, A Justiça Administrativa, 2014, 13º Edição, pag.307; 2 Almeida, Mário Aroso, Manual de Processo Administrativo, 2012, pag.437;  3 Almeida, Mário Aroso, Manual de Processo Administrativo, 2012, pag.437;  4 Martins Cunha, Ana Gouveia Freitas, A Tutela Cautelar no Contencioso Administrativo em especial, nos procedimentos de formação de contratos, Dissertação de mestrado, 2002, pag.29; 5 Martins Cunha, Ana Gouveia Freitas, A Tutela Cautelar no Contencioso Administrativo em especial, nos procedimentos de formação de contratos, Dissertação de mestrado, 2002, pag.30-31; 6 Vieira de Andrade, José Carlos, A Justiça Administrativa, 2014, 13º Edição, pag.324.
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Em segundo, quando provisoriedade, as providências cautelares estão funcionalmente ligadas a garantir a utilidade da tutela conferida pela via principal, tem uma eficácia limitada no tempo, subordinada à prolação de uma decisão definitiva no processo principal. Quando esta é proferida, a providência perde a sua eficácia. A sentença final constitui, o termo final máximo de produção de efeitos de uma providência cautelar, sendo que este pode ter lugar num momento anterior, seja por caducidade legalmente prevista, por verificação da condição ou termo aposto à providência, por revogação ou interposição de recurso que implique a cessação dos seus efeitos7. As providências cautelares nascem para morrer, independentemente do sentido da sentença proferida no processo principal. A decisão cautelar, mesmo que seja antecipatória, será sempre, pela sua função, provisória relativamente à principal, na medida em que não a pode substituir e em que caduca necessariamente com a execução desta8. A lei prevê expressamente no 124º1, a possibilidade de o tribunal, na pendência da causa principal, oficiosamente ou a requerimento da parte, perante uma alteração das circunstâncias, haver a revisão de uma decisão de recusa, admitindo-se a concessão de uma providência anteriormente rejeitada, com base em factos supervenientes9.
Em terceiro, e último, quanto à sumariedade, esta está associada à urgência10. O juízo a efetuar pelo tribunal em sede de apreciação dos requisitos para a concessão de providências cautelares é um juízo qualitativamente diverso daquele que caracteriza o juízo ordinário11. O que justifica a decretação das providências é a urgência. Só a urgência na tutela do direito, a necessidade de assegurar os resultados práticos da sentença, justifica a criação de mecanismos expeditos e céleres, assentes em juízos de mera verossimilhança e probabilidade, em detrimento da certeza e segurança jurídica. A natureza urgente e a finalidade das providências não se compadecem, deste modo, com uma indagação pormenorizada e complexa sobre o fundo da causa. O tribunal limita-se a exercer uma summario cognitio, sem aspirar um juízo de certeza, a uma convicção absoluta ou assente num elevado grau de probabilidade da procedência do meio principal, revelando-se suficiente um juízo de verossimilhança sobre a existência do direito invocado (fumus boni iuris)12. Contudo, a antecipação do juízo definitivo sobre o mérito da causa é excecionalmente admitida quando se preencham os requisitos do art.121º CPTA. E mesmo neste caso, o professor Mário Aroso de Almeida, considera que o que se assiste é a um fenómeno de convolação do processo cautelar num processo principal, porque se trata de substituir o juízo sumário por um juízo definitivo, assente
                                                         
 7 Vieira de Andrade, José Carlos, A Justiça Administrativa, 2014, 13º Edição, pag.321; 8 Martins Cunha, Ana Gouveia Freitas, A Tutela Cautelar no Contencioso Administrativo em especial, nos procedimentos de formação de contratos, Dissertação de mestrado, 2002, pag.31; 9 Vieira de Andrade, José Carlos, A Justiça Administrativa, 2014, 13º Edição, pag.321; 10 Vieira de Andrade, José Carlos, A Justiça Administrativa, 2014, 13º Edição, pag.322; 11 Martins Cunha, Ana Gouveia Freitas, A Tutela Cautelar no Contencioso Administrativo em especial, nos procedimentos de formação de contratos, Dissertação de mestrado, 2002, pag.33; 12 Martins Cunha, Ana Gouveia Freitas, A Tutela Cautelar no Contencioso Administrativo em especial, nos procedimentos de formação de contratos, Dissertação de mestrado, 2002, pag.33.

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numa apreciação  global dos elementos de que depende a tomada de decisão sobre o mérito da causa13.
As providências relativas a procedimentos de formação de contratos, são providências destinadas a corrigir a ilegalidade ou a impedir que sejam causados outros danos aos interesses em presença na fase pré-contratual, incluindo a suspensão do procedimento de formação do contrato14. O art.132º1 CPTA, opera uma remissão para as regras constantes do regime comum das providências cautelares, como ressalva do disposto dos números seguintes, pelo que aparentemente não há lugar à aplicação do regime geral constante do art.120º em prol da consagração do requisito único da ponderação de interesses. Houve uma “colagem” da diretiva nº. 89/665/CEE15 e da diretiva nº. 92/13/CEE16, tendo o legislador interpretado o disposto no art.2º4 das diretivas, que consagra o critério da ponderação de interesses, como impondo a sujeição do decretamento das providências. Resta saber se não há lugar à apreciação do periculum in mora e do fumus boni iuris17.
Os critérios fixados na jurisprudência comunitária dos acórdãos Zuckerfabrik18 e Atlanta19 são bastante importantes. Nestes acórdãos, o TJCE enunciou as condições que devem estar preenchidas para que uma providência possa ser concedida. Segundo esta jurisprudência comunitária, é necessário que se suscitem graves dúvidas sobre a legalidade do ato comunitário em causa no processo principal, que exista urgência na adoção das providências cautelares, isto é, que se verifique o perigo de produção de danos graves e irreparáveis, que se tenha em conta o interesse da comunidade em não privar o ato comunitário em causa de todo o efeito útil, e por fim, que se tenha em consideração as questões que já foram suscitadas e decididas pelo tribunal noutros processos20. A doutrina estrangeira, apoia-se naquilo que foi dito no acórdão Atlanta, em que refere expressamente que “… na ausência de uma harmonização comunitária, cabe à ordem jurídica de cada Estado, disciplinar as modalidades processuais e as condições de proteção cautelar dos direitos atribuídos aos particulares pelas normas comunitárias diretamente aplicáveis, sob condição que estas modalidades e condições não tornem impossível o exercício provisório dos direitos invocados e não sejam menos favoráveis que as previstas para proteger direitos atribuídos pelo Direito nacional”, para
                                                         
 13 Almeida, Mário Aroso, Manual de Processo Administrativo, 2012, pag.443; 14 Vieira de Andrade, José Carlos, A Justiça Administrativa, 2014, 13º Edição, pag.332; 15 Diretiva 89/665/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1989, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos processos de recurso em matéria de adjudicação dos contratos de direito público de obras de fornecimentos; 16 Diretiva 92/13/CEE do Conselho, de 25 de fevereiro de 1992, relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes à aplicação das regras comunitárias em matéria de procedimentos de celebração de contratos de direito público pelas entidades que operam nos sectores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações; 17 Martins Cunha, Ana Gouveia Freitas, A Tutela Cautelar no Contencioso Administrativo em especial, nos procedimentos de formação de contratos, Dissertação de mestrado, 2002, pag.444; 18 Acórdão 21 de Fevereiro de 1991; 19 Acórdão 14 de Outubro de 1999; 20 Martins Cunha, Ana Gouveia Freitas, A Tutela Cautelar no Contencioso Administrativo em especial, nos procedimentos de formação de contratos, Dissertação de mestrado, 2002, pag.444.
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afirmar que as diretivas não pretenderam instituir uma uniformização absoluta das condições de outorga das providências, estabelecendo apenas o nível mínimo de tutela que deve ser garantido aos particulares para fazer frente à extrema divergência dos sistemas nacionais nesta matéria, designadamente, no que respeita à admissibilidade de providências antecipatórias positivas21. Mas quais são então os critérios de decisão que devem ser tidos em conta? 
Começando pelo critério do periculum in mora: o art.132º4 CPTA estabelece critérios distintos de decisão da concessão de providências cautelares relativas aos procedimentos pré-contratuais. Este artigo vem reproduzir o disposto no art.5º4 do DL 134/98 de 15/522, que faz assentar a atribuição das providências exclusivamente numa ponderação de interesses semelhante àquela que se encontra prevista no art.120º223. Este diploma constitui, assim, um precioso auxiliar interpretativo na determinação do conteúdo, alcance e sentido deste preceito. Na ausência de qualquer disposição deste diploma que concretize a condição do periculum in mora, poder-se-ia ainda que não fazendo aplicação do critério do dano grave e irreparável estabelecido nos acórdãos Zuckerfabrik e Atlanta, chegar a uma solução semelhante por aplicação subsidiária do art.362º CPC. O art.362º CPC (art.º 381.º CPC 1961), exige como pressuposto do decretamento de providências cautelares não especificadas, a demonstração de fundado receio de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável ao direito em causa24. Alguns acórdãos parecem ir neste sentido, designadamente, o acórdão do STA de 15 de outubro de 199825, que indeferiu o pedido de suspensão de eficácia de um contrato, entre outras razões, por entender que os interesses prosseguidos pelo requerente eram “meramente económicos, sendo passíveis de ulterior reparação no caso do recurso proceder”. Subjacente a esta afirmação parece estar a exigência da produção de danos graves e irreparáveis para o decretamento da suspensão e a assimilação da reparabilidade do dano à sua ressarcibilidade, em ação de responsabilidade intentada pra o efeito. Outra orientação, é porém, a que consta do acórdão do STA 22 de Abril de 199826:”(…) o proveito a obter pelo requerente deverá ser considerável, em termos tais que a não concessão da medida provisória implique um prejuízo sério da sua posição no procedimento adjudicatório, não se exigindo todavia, ao contrário do que sucede no âmbito do regime geral de suspensão da eficácia dos atos, que os prejuízos invocados sejam de difícil ou impossível reparação”27. 
                                                         
 21 Martins Cunha, Ana Gouveia Freitas, A Tutela Cautelar no Contencioso Administrativo em especial, nos procedimentos de formação de contratos, Dissertação de mestrado, 2002, pag.445; 22 Transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 89/665/CEE, do Conselho, de 21 de Dezembro, que respeita a procedimentos a adotar em matéria de recursos no âmbito da celebração dos contratos de direito público de obras e de fornecimento; 23 Almeida, Mário Aroso, Manual de Processo Administrativo, 2012, pag.491; 24 Martins Cunha, Ana Gouveia Freitas, A Tutela Cautelar no Contencioso Administrativo em especial, nos procedimentos de formação de contratos, Dissertação de mestrado, 2002, pag.446; 25 Acórdão STA, 15/10/98, processo n.º 44171-A, pag.59-60; 26 Acórdão do STA, 22 de abril de 1998, processo n.º 44.670-A, pag.61; 27 Martins Cunha, Ana Gouveia Freitas, A Tutela Cautelar no Contencioso Administrativo em especial, nos procedimentos de formação de contratos, Dissertação de mestrado, 2002, pag.446-447;
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Autores há, que partindo da constatação da diretiva 89/665/CEE não subordina o exercício do poder cautelar ao requisito da existência de dano grave e irreparável, vão ainda mais longe, defendendo que aquela nem sequer autoriza que o direito nacional o faça- acórdão STA 22/4/98. Nas ações de incumprimento movidas pela Comissão contra os Estados membros, com fundameno na violação do direito comunitário, a jurisprudência comunitária considera que não é necessário demonstrar a existência de perigo de produção de dano grave e irreparável ao interesse comunitário na abertura do mercado da contratação pública ou aos interesses das empresas interessadas em determinada adjudicação. O TJCE basta-se, com efeito, com a alegação de uma violação do direito comunitário suscetível de se tornar irreversível, caso a providencia cautelar não seja concedida28. Contra esta argumentação tem sido evidenciado que a verificação de um prejuízo grave e irreparável ou de difícil reparação constitui um princípio geral da tutela cautelar acolhido não apenas no modelo comunitário, mas em todos os ordenamentos dos Estados membros. 
A solução na nossa ordem jurídica passa pela interpretação da lei. Há uma omissão de qualquer referência ao prejuízo de difícil reparação do art.132º4 CPTA. O periculum in mora, art.120º CPTA, estabelece este requisito de perigo de inutilidade29. Existem dois tipos principais do periculum in mora: o perigo de infrutuosidade e de retardamento. O primeiro tem lugar quando no decurso do processo possam verificar-se eventos tais que tornem impossível ou extremamente difícil a atuação concreta da futura sentença definitiva. A urgência decorre não da permanência em satisfazer o direito, mas da necessidade de assegurar preventivamente os meios idóneos a garantir que a sentença final seja útil e eficaz. Já o perigo de retardamento prende-se com o facto da simples duração do processo poder causar diretamente um prejuízo ao lesado em virtude da não satisfação do seu direito no período que decorre ate à prolação da sentença final. Para a primeira seria uma providência conservatória e para a segunda uma antecipatória30. Vem então mencionado no art.132º4 CPTA de forma genérica na expressão “ponderados os interesses suscetíveis de ser lesados”, e em termos mais precisos, quando se determina que há que apurar se os danos que resultariam da adoção da providência são superiores aos “prejuízos que podem resultar da sua não adoção”31. É patente que a lei se basta com um prejuízo, uma lesão de direitos ou interesses dos particulares, sem que lhe acrescente qualquer qualificativo ou faça depender a sua relevância da sua gravidade e difícil reparação. Na realidade, o que está em causa é uma opção legítima do legislador quanto ao critério de avaliação do dano merecedor de tutela cautelar que deve presidir ao decretamento das providências. São configuráveis três grandes orientações nesta matéria: o critério da suscetibilidade de avaliação económica dos danos e de reparação ou indemnização pecuniária à posteriori; critério da irreversibilidade e da restauração in natura e o critério da ponderação de interesses.
                                                         
 28 Martins Cunha, Ana Gouveia Freitas, A Tutela Cautelar no Contencioso Administrativo em especial, nos procedimentos de formação de contratos, Dissertação de mestrado, 2002, pag.447; 29 Andrade, José Vieira, A Justiça Administrativa, 2014, 13º Edição, pag.310; 30 Andrade, José Vieira, A Justiça Administrativa, 2014, 13º Edição, pag.311; 31 Martins Cunha, Ana Gouveia Freitas, A Tutela Cautelar no Contencioso Administrativo em especial, nos procedimentos de formação de contratos, Dissertação de mestrado, 2002, pag.449.
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O critério da ponderação de interesses não estabelece critérios rígidos e não faz depender a adoção de uma providência da gravidade e difícil reparabilidade dos danos, devendo antes proceder-se a uma ponderação dos interesses em confronto. Por as razões mencionadas acima, seguindo a interpretação da lei, do art.134º4 CPTA, o legislador optou pela adoção deste último critério de ponderação de interesses, pelo que se impõe determinar em concreto, atendendo às particularidades de cada caso, se o prejuízo é ou não de natureza a justificar o decretamento da providência requerida32. O requisito do periculum in mora basta-se assim com a ocorrência de um prejuízo sério, sem que seja necessário alegar e demonstrar a sua difícil reparabilidade ou o justo receio da constituição de uma situação de facto consumada. Aliás, só este critério se adequa ao sistema de tutela dos particulares nos procedimentos de formação dos contratos. O STA no acórdão 8/5/0233 pronunciou-se no sentido de que, para efeitos de demonstração da produção de prejuízos advenientes da não suspensão do ato de adjudicação, não é suficiente invocar a falta de seleção da proposta apresentada pelo requerente, por a mera qualidade abstrata de vencido o concurso constituir um risco inerente a todos os atos de adjudicação. Os interesses suscetíveis de ser lesados corresponderiam antes aos interesses que seriam satisfeitos com a vitória do concurso e que seriam afetados com a celebração do contrato com o adjudicatário e subsequente execução, ao dificultarem ou impossibilitarem que o requerente venha mais tarde a ser escolhido como adjudicatório, traduzindo-se, portanto, os prejuízos sofridos na perda das vantagens ligas à celebração e execução do contrato34.
O art.132º4 CPTA não prevê a invocação de um fundado receio, referindo-se exclusivamente aos “interesses suscetíveis de ser lesados, os danos que resultariam da adoção da providência (…) prejuízos que podem resultar da sua não adoção”. Tratandose de ponderar os diversos interesses em presença, não se estabelece qualquer grau ou critério de apreciação dos factos integradores do periculum in mora, tudo dependendo do caso concreto. A referência à suscetibilidade de lesão desempenha uma função de delimitação negativa, afastando a invocação de ocorrências que não sejam idóneas e aptas, no caso concreto, a produzir uma lesão nos interesses em causa. O interesse suscetível de ser lesado é efetivamente o interesse material em vir a ser escolhido adjudicatário, que constitui o bem concreto da vida que a tutela cautelar está predisposta a proteger, mas tal não significa que para efeitos de concessão de uma providência só releve uma lesão desse interesse se o requerente demonstrar que, não fora a atuação ilegal, seria ele provavelmente escolhido35. Então, não existe uma presunção de iure e de iure da verificação do periculum in mora nos procedimentos de formação de contratos, mas impõe-se reconhecer que existe uma forte presunção da verificação de uma situação de urgência por a iminência da celebração e execução do
                                                         
 32 Martins Cunha, Ana Gouveia Freitas, A Tutela Cautelar no Contencioso Administrativo em especial, nos procedimentos de formação de contratos, Dissertação de mestrado, 2002, pag.450; 33 Acórdão STA, 8 de maio de 2002, processo n.º 551/0; 34 Martins Cunha, Ana Gouveia Freitas, A Tutela Cautelar no Contencioso Administrativo em especial, nos procedimentos de formação de contratos, Dissertação de mestrado, 2002, pag.450; 35 Martins Cunha, Ana Gouveia Freitas, A Tutela Cautelar no Contencioso Administrativo em especial, nos procedimentos de formação de contratos, Dissertação de mestrado, 2002, pag.453.
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contrato ameaçarem a efetividade da sentença final, colocando entraves sérios ou prejudicando a repetição do procedimento e a reapreciação da pretensão do requerente.
Quanto ao requisito do fumus boni iuris, a apreciação deste requer não apenas a emissão de um juízo sobre a aparência da existência de um direito ou interesse do particular a merecer tutela como também da probabilidade da ilegalidade da atuação lesiva do mesmo o legislador não faz depender o decretamento das providências nos procedimentos de formação de contratos a este36. Mas tal não pode significar que o tribunal esteja adstrito a conceder a providência, ainda que seja notório a improcedência da pretensão formulada no processo principal, caso se verifiquem os outros requisitos. Para além de razões de economia processual, não faz sentido suspender um ato ou o procedimento adjudicatório quando não há a mínima verossimilhança da existência do direito ou interesse invocado ou seja manifesto que o processo principal nunca terá êxito37. 
Quanto ao critério de ponderação de interesses, trata-se de ter em devida consideração todos os interesses conexos com o litígio aquando da adoção de uma providência cautelar, velando para que a sua concessão, dirigida a tutelar os interesses do requerente, não se altere num instrumento de injustiça por dela resultarem prejuízos desproporcionados e inexigíveis a outros interesses igualmente merecedores de tutela. Nos procedimentos pré-contratuais, importa apurar a razão pela qual o legislador não remeteu para o regime comum (art.120º1 CPTA) e optou por estabelecer uma regra particular. O critério da ponderação de interesses é formulado nos mesmos termos. A distinção fundamental reside, antes, no requisito periculum in mora, visto que não se exige que o dano consubstancie um prejuízo de difícil reparação ou que haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumada, considerando-se que a urgência, se encontra, à partida estabelecida, sendo suficiente, o perigo de produção de um prejuízo sério38, como acima está explicado quando é referido o requisito do periculum in mora. A ratio que preside à dispensa do juízo de ponderação de interesses, em caso de manifesta procedência de pretensão formulada no processo principal, mantém plena razão de ser em sede de decretamento de providências cautelares relativamente aos procedimentos pré-contratuais. Não se afigura sustentável que esta matéria comporte a indispensabilidade de uma ponderação de interesses por confronto com todas as outras. É certo que alguns contratos envolvem vultosos interesses económicos e que o retardamento da sua celebração e execução podem afetar valores constitucionalmente relevantes, como a saúde e a vida. Mas tal não é privativo dos procedimentos de formação de contratos, colocando-se exatamente os mesmo problemas em toda a restante atuação da administração. Basta pensar no procedimento
                                                         
 36 Martins Cunha, Ana Gouveia Freitas, A Tutela Cautelar no Contencioso Administrativo em especial, nos procedimentos de formação de contratos, Dissertação de mestrado, 2002, pag.456. 37 Martins Cunha, Ana Gouveia Freitas, A Tutela Cautelar no Contencioso Administrativo em especial, nos procedimentos de formação de contratos, Dissertação de mestrado, 2002, pag.456; 38 Martins Cunha, Ana Gouveia Freitas, A Tutela Cautelar no Contencioso Administrativo em especial, nos procedimentos de formação de contratos, Dissertação de mestrado, 2002, pag.458.
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expropriatório que precede a construção de um hospital, no licenciamento de unidades industriais cujo funcionamento é indispensável para relançar uma política de emprego numa determinada zona, por exemplo39. A especialidade de tratamento dos requisitos de concessão de providencias funda-se no intuito de consagrar um regime mais favorável ao seu decretamento. Não parece justificar-se, deste modo, um regime mais exigente ao nível de ponderação de interesses. É também este o sentido do art.132º4 CPTA que o professor Mário Aroso de Almeida considera mais adequado. O critério do art.132º4 CPTA, não prescinde de modo nenhum do periculum in mora, com efeito, para que possam resultar prejuízos da não adoção da providência, é necessário que exista uma situação de risco, associada à morosidade do processo principal, a que a adoção da providência dê resposta. O que o preceito não exige é um periculum in mora com a exata configuração que lhe atribui o 120º1, pelo que não circunscreve o âmbito dos prejuízos atendíveis para o requerente podem resultar da não adoção da providência as hipóteses de dano qualificado40. Em contrapartida, como o preceito optou por afastar, de modo claro e deliberado o critério do fumus boni iuris, entende, que o juiz cautelar não pode, neste domínio, formular qualquer juízo sobre a aparência do bom direito do requerente, designadamente para o efeito de lhe recusar a providência, com fundamento numa pretensa evidência da improcedência do processo principal41. Se assim não fosse, o juiz atribuiria a providência em situações em que considerasse evidente a improcedência do processo principal. Considero que estas são as posições mais adequadas relativamente aos critérios que são exigidos (ou não) para a concessão de providências cautelares em relação a procedimentos de formação de contratos. Se há uma norma específica, art.132º4 CPTA, que não configura o periculum in mora como na concessão de providências no regime comum, art.120º1 CPTA “(…) fundado receio ou produção de prejuízos de difícil reparação (…)”, não estaríamos a respeitar a ressalva da parte final do art.132º1. Não faz sentido sujeitar a concessão de providências nestes casos de procedimentos de formação de contratos a critérios mais exigentes do que aqueles que constam na lei. Todavia, tem de existir uma situação de risco, uma situação de perigo, senão a decretação da providência era descabida, mas não no sentido de um “prejuízo de difícil reparação”, isto é, não há graus exigidos de difícil reparabilidade para se conceder a providência, dependendo dos interesses em causa em cada situação “suscetíveis de serem lesados”, e esse é um juízo que cabe ao tribunal fazer. Como referi no início, as providências estão ligadas à urgência, ou seja, à sumariedade. E neste caso, não deixa de se exigir essa urgência, o risco do dano que poderia resultar se não houvesse a concessão da providência, mas sendo suficiente, o perigo de produção de um prejuízo sério e não de difícil reparação. Assim, como refere o professor Vieira de Andrade, vale basicamente o critério da ponderação42.

                                                         
 39 Martins Cunha, Ana Gouveia Freitas, A Tutela Cautelar no Contencioso Administrativo em especial, nos procedimentos de formação de contratos, Dissertação de mestrado, 2002, pag.459; 40 Almeida, Mário Aroso, Manual de Processo Administrativo, 2012, pag.492; 41 Almeida, Mário Aroso, Manual de Processo Administrativo, 2012, pag.493; 42 Vieira de Andrade, José Carlos, A Justiça Administrativa, 2014, 13º Edição, pag.341.
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