sábado, 3 de novembro de 2018

O Objeto do Processo nas Ações de Impugnação de Atos Administrativos


O Objeto do Processo

  O objeto do processo é a pretensão do autor, formulada perante o Tribunal. Este contém um Pedido e uma Causa de Pedir.
  A orientação processualista do Contencioso Administrativo fazia uma distinção entre o pedido imediato e pedido mediato. O pedido imediato é aquilo que o particular pede, o pedido mediato é o direito que o particular pretende fazer valer em ação. No entanto tal distinção começou a ser esquecida pela orientação tradicional do Contencioso Administrativo que apenas se preocupava com a vertente imediata do pedido (Vasco Pereira da Silva) .
  A Causa de Pedir são os factos que fundamentam o pedido formulado. É ainda discutida na doutrina tanto administrativa como civilista se a causa de pedir deve conter todos os factos que fundamentam o pedido ou se apenas é obrigatório que contenha o facto que individualiza aquele pedido. Isto terá especial relevância nas ações de impugnação pelo previsto no artigo 95º nº3 do CPTA quanto a dever entender-se se a causa de pedir deve conter todas as causas de invalidade do ato impugnado ou se pelo contrário basta que contenha apenas a causa de invalidade que afetou a esfera jurídica do autor. Adiantamos já que com a solução proposta o autor não terá um ónus de alegação, tendo em vista que o tribunal conhecerá das invalidades que o ato padece.

A Impugnação de Atos Administrativos

  A impugnação de atos administrativos está prevista nos artigos 50º e ss. do CPTA. O artigo 50º nº1 diz-nos “A impugnação de um ato administrativo tem por objeto a anulação ou a declaração de nulidade desse ato.”. Sabemos já distinguir entre aquilo que é o objeto do processo e aquilo que é o pedido da ação pelo que cabe ler este artigo substituindo a palavra “objeto” pela palavra “pedido”. A impugnação de atos administrativos é então uma ação em que o particular pede a anulação ou a declaração de nulidade de um ato administrativo.
  A impugnação de atos administrativos segue hoje em dia a forma de ação administrativa pelo exposto no artigo 37º nº1 al. a) do CPTA. Antes da reforma de 2015 a ação administrativa era separada em Ação Administrativa Especial e Ação Administrativa Comum, hoje em dia uma e a mesma ação. O Professor Vasco Pereira da Silva criticou muito esta anterior visão da ação administrativa pelo facto de a maioria dos processos administrativos acabarem por seguir a antiga forma de processo de ação especial, quando na verdade e por isto mesmo era a forma de processo ‘mais comum’. Isto é: a maioria dos processos que chegavam aos tribunais administrativos eram ações de impugnação de atos administrativos  pelo que não deveriam ser consideradas ações especiais.
  Como já disse a impugnação de um ato administrativo pode consistir na anulação de um ato administrativo, isto é, uma ação constitutiva (artigo 10º nº3 al. c) do CPC). Sabemos já do Direito Administrativo que a anulabilidade tem um prazo próprio para ser invocada e tem como efeitos a destruição do ato em causa. Mas a impugnação de um ato administrativo pode também consistir na declaração de nulidade de um ato administrativo, isto é, uma ação de simples apreciação (artigo 10º nº3 al. a) do CPC). São apenas atos nulos os previstos na lei (artigo 161º do CPA) e os mesmos são ineficazes ab initio. A nulidade é invocável a todo o tempo, revelação de uma violação do ato administrativo mais grave.

Apreciação do Objeto nas Ações de Impugnação

  Refere o Professor Mário Aroso de Almeida que “Embora tradicionalmente se diga que o objeto do processo de impugnação de um acto administrativo é o acto administrativo impugnado, com essa fórmula não se pretende fazer apelo ao conceito técnico de objecto do processo (Streitgegenstand), tal como ele foi configurado pela ciência jurídica (…)”  e não se pretende fazer apelo ao objeto do processo porque tal como visto atrás ele é composto por um Pedido e uma Causa de pedir. No entanto não será já difícil estabelecer um verdadeiro objeto para as ações de impugnação de ato administrativo. Assim numa ação de impugnação temos como objeto o pedido (visto artigo 50º nº1 do CPTA) que é a própria anulação ou declaração de nulidade do ato administrativo e a causa de pedir que diria ser a emissão do ato que se pretende impugnar configurado com o próprio vício de que o mesmo padece.
  No entanto continua dividida a doutrina entre a corrente Objetivista e Subjetivista do Contencioso Administrativo. A primeira entendendo que a causa de pedir é o vício do ato impugnado e a segunda entendendo que a causa de pedir não só é o vício que o ato padece como a sua conexão com a vida do particular mais precisamente com a lesão que o mesmo sofreu com a invalidade daquele ato .
  Entendo ser uma discussão bastante teórica, mas que toma maior dimensão quando atinge o artigo 95º nº3 do CPTA.

O artigo 95º nº3  

  O artigo 95º nº3 tem sido objeto de diversas discussões doutrinárias e tem como enunciado o seguinte: “Nos processos impugnatórios, o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas contra o ato impugnado, exceto quando não possa dispor dos elementos indispensáveis para o efeito, assim como deve identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas, ouvidas as partes para alegações complementares pelo prazo comum de 10 dias, quando o exija o respeito pelo princípio do contraditório.”
  Mas o que pode efetivamente ser conhecido pelo juiz? Não será a própria causa de pedir que está em jogo, mas aquilo que o tribunal pode conhecer da mesma, visto que o particular invocará os factos que o lesaram. O Professor Vasco Pereira da Silva  entende que quando neste artigo 95º nº3 estabelece que “[o tribunal] deve identificar a existência de causas de invalidade” o pode fazer identificando causas de invalidade distintas das alegadas tendo como limite os factos alegados pelas partes à luz do princípio já por nós conhecido de que o tribunal conhece das questões de direito.
  Este Professor critica ainda o Professor Mário Aroso de Almeida quanto à existência de um Direito Subjetivo à anulação , no entanto, não entendo que sendo possível uma distinção linear entre as perspetivas objetivistas e subjetivistas, esta ideia de Direito Subjetivo à anulação não está longe da visão do Professor Vasco Pereira da Silva quanto àquele elemento subjetivo que propõe com a conexão com a vida do particular.
  Penso que de ambas as visões é possível concluir que o Tribunal, de acordo com o princípio que este conhece do direito deverá ao abrigo do artigo 95º nº3 conhecer de todas as invalidades que detete naquele ato a partir da petição do autor mesmo tendo em conta a eficácia do caso julgado, por uma questão de utilidade processual. E mesmo que não se entenda ser o ato o objeto de apreciação do processo, mas a relação entre a Administração e o Particular naquela situação concreta.