sábado, 3 de novembro de 2018

Acção Popular - A defesa dos interesses difusos



Acção Popular – A defesa dos interesses difusos


1.     1- Introdução histórica


A acção popular teve a sua primeira manifestação no Direito Romano, quer a nível penal, quer a nível civil.

Mais tarde, a Carta Constitucional de 1826 consagrou expressamente a acção popular, no seu artigo 124º, ainda que fosse aplicada apenas a alguns crimes praticados no âmbito do exercício da função jurisdicional.

O Código Administrativo de 1878 estabeleceu a acção popular de aplicação subjectiva, que tinha como finalidade suprir as omissões de órgãos públicos na defesa de bens e direitos da Administração.

Hoje, não só a Constituição Portuguesa estabelece um direito fundamental de acção popular no âmbito dos Direitos, Liberdades e Garantias, no seu artigo 52º/3, como temos também a Lei da Acção Popular, a Lei 83/95, de 31 de agosto, que vem densificar o regime, em especial no que toca à legitimidade.

Mas o que é a acção popular? Qual o seu objectivo, o que defende? Quais os seus titulares? De seguida responderei a cada uma destas questões, sempre em confronto com o seu regime jurídico.


2.       2- O que é a acção popular?


Prevista no artigo 52º/3 da Constituição, no artigo 9º/2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e também na Lei nº83/95, de 31 de agosto, a acção popular é uma acção judicial que tem como fim a defesa de interesses difusos, sendo um direito fundamental de participação política[1]. É, segundo o Professor Paulo Otero, uma forma de tutela jurisdicional de posições jurídicas materiais que, sendo pertença de todos os membros de uma certa comunidade, não são, todavia, apropriáveis por nenhum deles em termos individuais[2].

Na acção popular o autor representa por iniciativa própria (excepto casos de mandato ou autorização expressa) todos os restantes titulares dos direitos ou interesses em causa que não tenham efectivado o seu direito de auto-exclusão, com as devidas consequências do artigo 14º da Lei nº83/95.

A acção popular é, nada mais que um meio de extensão da legitimidade processual activa dos cidadãos, independentemente do seu interesse individual ou relação particular com os bens em causa, sendo o objecto da acção a defesa de interesses difusos, cuja explicação farei no ponto 4.

Importa referir as diferentes modalidades de acção popular:

- Acção popular preventiva – tem a finalidade de prevenir infracções contra certos interesses gerais da colectividade;
- Acção popular anulatória - tem como fim determinar a cessação de tais infracções;
- Acção popular repressiva - visa a prossecução judicial de certas infracções, mais especificamente dos seus agentes;
- Acção popular substitutiva – pretende defender bens integrantes do património de entidades públicas.


3.      3- Quem são os titulares do direito de acção popular?


A legitimidade da acção popular é abordada no artigo 9º do CPTA e nos artigos 2º/1, 2º/2, 3º e 16º da Lei nº 83/95, de 31 de agosto.

Os titulares da acção popular são todos os cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos, as associações e fundações defensoras dos interesses previstos no artigo 1º/2 da Lei nº 83/95, independentemente de terem ou não interesse directo na causa, as autarquias locais quando estejam em causa interesses de que sejam titulares residentes na área respectiva e também o Ministério Público, após a alteração do artigo 16º da lei pelo DL. 214-G/2015, de 2 de Outubro.


4.      4- Quais os interesses protegidos pela acção popular?


Os interesses tutelados pela acção popular são descritos no artigo 52º/3 da Constituição, no artigo 9º/2 do CPTA e ainda no artigo 1º/2 da Lei nº 83/95, estes interesses são os chamados interesses difusos e são aqueles que se referem à saúde pública, aos direitos dos consumidores, à qualidade de vida, à preservação do ambiente e ao património cultural.

Os interesses difusos são a refracção, em cada indivíduo, de interesses unitários da comunidade, complexa e globalmente considerada [3].

Como são interesses de todos, é a todos os cidadãos que se deve reconhecer o direito de, individual ou colectivamente, os defenderem.

De acordo com o Professor Miguel Teixeira de Sousa, os interesses difusos encontram-se dispersos ou disseminados por vários titulares de marcada difusão social[4], ou seja, interesses da comunidade em geral, não estando sujeitos a apropriação individual por qualquer um dos titulares, são ‘’interesses que pertencem a todos e a ninguém’’ visto que não são exclusivos de um só sujeito.

Existem 3 tipos de interesses difusos:

- Interesses difusos stricto sensu – é um interesse jurídico reconhecido e tutelado, cuja titularidade pertence a todos e a cada um dos membros de uma comunidade ou grupo, mas não são susceptíveis de apropriação individual por um desses membros[5];

- Interesses colectivos – dizem respeito a um grupo, uma categoria, um conjunto de pessoas ligadas entre si por uma relação jurídica, por exemplo pertença a uma associação, classe ou categoria[6];

- Interesses individuais homogéneos – neste caso, membros de um conjunto são titulares de direitos subjectivos clássicos, perfeitamente cindíveis, cuja agregação resulta apenas da similitude da relação jurídica estabelecida com a outra parte, relação jurídica de conteúdo formalmente idêntico[7] [8], interesses estes que são referidos no artigo 19º da Lei nº83/95.

Importa aqui fazer uma distinção ente interesses difusos, acima tratados, e interesses públicos. Os interesses públicos são interesses gerais da comunidade, enquanto que os difusos são de todos aqueles que vêem as suas necessidades concretamente satisfeitas como partes integrantes de uma colectividade.

O Professor Miguel Teixeira de Sousa faz a distinção explicando que os interesses públicos se aferem pelas necessidades gerais da colectividade, pelo que, ainda que seja apenas o interesse de um único individuo, esta satisfação corresponde a um interesse público se ela for imposta por aquelas necessidades gerais. Em contrapartida, os interesses difusos só são delimitáveis em função das necessidades concretamente satisfeitas aos membros de uma colectividade: como esses interesses se desdobram numa dimensão individual e numa dimensão supra-individual, não há interesses difusos que não satisfaçam efectivamente uma necessidade de todos e de cada um dos membros da colectividade[9].

Na opinião do Professor Vasco Pereira da Silva, nas situações em que está em causa a agressão de um direito fundamental, a defesa concedida pela ordem jurídica traduz-se na atribuição de um direito subjectivo público, que é correlativo do dever que a própria Administração violou, não se tratando apenas de um simples direito de acção judicial, considerando mais correcto reconduzir esses interesses difusos aos direitos subjectivos públicos, enquanto direito de defesa decorrente dos direitos fundamentais[10].


5.      5- A forma da acção popular


Resta apenas abordar o tema da forma da acção popular, exposto no artigo 12º/1 da Lei nº 83/95. De acordo com este, a acção popular administrativa pode revestir qualquer uma das formas previstas no Código de Processo dos Tribunais Administrativos, o que é lógico se tivermos em mente que a acção é sempre administrativa, a abordada acção popular não é uma acção diferente mas sim um meio de extensão da legitimidade processual.

Ficam então claros, todos os aspectos relativos à acção popular, à sua importância, aos interesses que tutela, a legitimidade de quem exerce este direito e ainda a forma como o faz.



Trabalho realizado por:
Marta Nunes da Fonseca
Nº 24261
TA S10 4ºano


Bibliografia

·         Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2017, 3º Edição;

·         Vasco Pereira da Silva, Em busca de um acto administrativo perdido, Almedina, Colecção de teses, 1996;

·         Paulo Otero, A acção popular: configuração e valor no actual direito português, ROA, Vol.III, 1999;

·         Jorge Pegado Liz, Introdução ao direito e à política de consumo, Notícias Editorial, 1999;

·         Carla Amado Gomes, Reflexões breves sobre a acção pública e a acção popular na defesa do ambiente, Temas e problemas de processo administrativo, Lisboa, Instituto de Ciências Jurídico-políticas, 2011;

·         Acção Popular: Manifesta improcedência do pedido – Parecer do Ministério Público, Revista do Ministério Público 148: Outubro: Dezembro 2016, pp.141-149;


·         Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República anotada, 4º edição revista, Almedina, Coimbra, 1º volume;

·         Miguel Teixeira de Sousa, A legitimidade popular na tutela dos interesses difusos, Lex, Lisboa, 2003.


[1] Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2017, 3º Edição, pp.219
[2] Paulo Otero, A acção popular: configuração e valor no actual direito português, ROA, Vol. III, 1999, pp.872
[3] Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República anotada, 4º edição revista, Almedina, Coimbra, 1º volume, pp.696-699.
[4] Miguel Teixeira de Sousa, A legitimidade popular na tutela dos interesses difusos, Lex, Lisboa, 2003, pp.20-23.
[5] Ac. Relação de Lisboa de 2/7/98, proc.0027892.
[6] Jorge Pegado Liz, Introdução ao direito e à política de consumo, Notícias Editorial, 1999, pp.227.
[7] Jorge Pegado Liz, Introdução ao direito e à política de consumo, Notícias Editorial, 1999, pp.228.
[8] Ac. STJ de 8/9/2016, proc.7617/15.7 T8PRT.S1
[9] Miguel Teixeira de Sousa, A legitimidade popular na tutela dos interesses difusos, Lex, Lisboa, 2003, pp.31.
[10] Vasco Pereira da Silva, Em busca de um acto administrativo perdido, Almedina, Colecção de teses, 1996.

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