Acção Popular – A defesa dos interesses difusos
1. 1- Introdução
histórica
A
acção popular teve a sua primeira manifestação no Direito Romano, quer a nível
penal, quer a nível civil.
Mais
tarde, a Carta Constitucional de 1826 consagrou expressamente a acção popular,
no seu artigo 124º, ainda que fosse aplicada apenas a alguns crimes praticados
no âmbito do exercício da função jurisdicional.
O
Código Administrativo de 1878 estabeleceu a acção popular de aplicação
subjectiva, que tinha como finalidade suprir as omissões de órgãos públicos na
defesa de bens e direitos da Administração.
Hoje,
não só a Constituição Portuguesa estabelece um direito fundamental de acção
popular no âmbito dos Direitos, Liberdades e Garantias, no seu artigo 52º/3, como
temos também a Lei da Acção Popular, a Lei 83/95, de 31 de agosto, que vem
densificar o regime, em especial no que toca à legitimidade.
Mas
o que é a acção popular? Qual o seu objectivo, o que defende? Quais os seus
titulares? De seguida responderei a cada uma destas questões, sempre em
confronto com o seu regime jurídico.
2. 2- O que é a acção popular?
Prevista
no artigo 52º/3 da Constituição, no artigo 9º/2 do Código de Processo nos
Tribunais Administrativos (CPTA) e também na Lei nº83/95, de 31 de agosto, a acção
popular é uma acção judicial que tem como fim a defesa de interesses difusos,
sendo um direito fundamental de participação política[1]. É,
segundo o Professor Paulo Otero, uma forma de tutela jurisdicional de posições
jurídicas materiais que, sendo pertença de todos os membros de uma certa
comunidade, não são, todavia, apropriáveis por nenhum deles em termos
individuais[2].
Na
acção popular o autor representa por iniciativa própria (excepto casos de
mandato ou autorização expressa) todos os restantes titulares dos direitos ou
interesses em causa que não tenham efectivado o seu direito de auto-exclusão,
com as devidas consequências do artigo 14º da Lei nº83/95.
A
acção popular é, nada mais que um meio de extensão da legitimidade processual
activa dos cidadãos, independentemente do seu interesse individual ou relação
particular com os bens em causa, sendo o objecto da acção a defesa de
interesses difusos, cuja explicação farei no ponto 4.
Importa
referir as diferentes modalidades de acção popular:
-
Acção popular preventiva – tem a finalidade de prevenir infracções contra
certos interesses gerais da colectividade;
-
Acção popular anulatória - tem como fim determinar a cessação de tais
infracções;
-
Acção popular repressiva - visa a prossecução judicial de certas infracções, mais
especificamente dos seus agentes;
-
Acção popular substitutiva – pretende defender bens integrantes do património
de entidades públicas.
3.
3- Quem são os
titulares do direito de acção popular?
A
legitimidade da acção popular é abordada no artigo 9º do CPTA e nos artigos
2º/1, 2º/2, 3º e 16º da Lei nº 83/95, de 31 de agosto.
Os
titulares da acção popular são todos os cidadãos no gozo dos seus direitos
civis e políticos, as associações e fundações defensoras dos interesses
previstos no artigo 1º/2 da Lei nº 83/95, independentemente de terem ou não
interesse directo na causa, as autarquias locais quando estejam em causa
interesses de que sejam titulares residentes na área respectiva e também o
Ministério Público, após a alteração do artigo 16º da lei pelo DL. 214-G/2015,
de 2 de Outubro.
4.
4- Quais os
interesses protegidos pela acção popular?
Os
interesses tutelados pela acção popular são descritos no artigo 52º/3 da
Constituição, no artigo 9º/2 do CPTA e ainda no artigo 1º/2 da Lei nº 83/95,
estes interesses são os chamados interesses difusos e são aqueles que se
referem à saúde pública, aos direitos dos consumidores, à qualidade de vida, à
preservação do ambiente e ao património cultural.
Os
interesses difusos são a refracção, em cada indivíduo, de interesses unitários
da comunidade, complexa e globalmente considerada [3].
Como
são interesses de todos, é a todos os cidadãos que se deve reconhecer o direito
de, individual ou colectivamente, os defenderem.
De
acordo com o Professor Miguel Teixeira de Sousa, os interesses difusos
encontram-se dispersos ou disseminados por vários titulares de marcada difusão
social[4], ou
seja, interesses da comunidade em geral, não estando sujeitos a apropriação
individual por qualquer um dos titulares, são ‘’interesses que pertencem a
todos e a ninguém’’ visto que não são exclusivos de um só sujeito.
Existem
3 tipos de interesses difusos:
-
Interesses difusos stricto sensu – é um interesse jurídico reconhecido e
tutelado, cuja titularidade pertence a todos e a cada um dos membros de uma
comunidade ou grupo, mas não são susceptíveis de apropriação individual por um
desses membros[5];
-
Interesses colectivos – dizem respeito a um grupo, uma categoria, um conjunto
de pessoas ligadas entre si por uma relação jurídica, por exemplo pertença a
uma associação, classe ou categoria[6];
-
Interesses individuais homogéneos – neste caso, membros de um conjunto são
titulares de direitos subjectivos clássicos, perfeitamente cindíveis, cuja
agregação resulta apenas da similitude da relação jurídica estabelecida com a
outra parte, relação jurídica de conteúdo formalmente idêntico[7] [8], interesses
estes que são referidos no artigo 19º da Lei nº83/95.
Importa
aqui fazer uma distinção ente interesses difusos, acima tratados, e interesses
públicos. Os interesses públicos são interesses gerais da comunidade, enquanto
que os difusos são de todos aqueles que vêem as suas necessidades concretamente
satisfeitas como partes integrantes de uma colectividade.
O
Professor Miguel Teixeira de Sousa faz a distinção explicando que os interesses
públicos se aferem pelas necessidades gerais da colectividade, pelo que, ainda
que seja apenas o interesse de um único individuo, esta satisfação corresponde
a um interesse público se ela for imposta por aquelas necessidades gerais. Em
contrapartida, os interesses difusos só são delimitáveis em função das
necessidades concretamente satisfeitas aos membros de uma colectividade: como
esses interesses se desdobram numa dimensão individual e numa dimensão
supra-individual, não há interesses difusos que não satisfaçam efectivamente
uma necessidade de todos e de cada um dos membros da colectividade[9].
Na
opinião do Professor Vasco Pereira da Silva, nas situações em que está em causa
a agressão de um direito fundamental, a defesa concedida pela ordem jurídica
traduz-se na atribuição de um direito subjectivo público, que é correlativo do
dever que a própria Administração violou, não se tratando apenas de um simples
direito de acção judicial, considerando mais correcto reconduzir esses interesses difusos aos direitos
subjectivos públicos, enquanto direito de
defesa decorrente dos direitos fundamentais[10].
5.
5- A forma da acção
popular
Resta
apenas abordar o tema da forma da acção popular, exposto no artigo 12º/1 da Lei
nº 83/95. De acordo com este, a acção popular administrativa pode revestir
qualquer uma das formas previstas no Código de Processo dos Tribunais
Administrativos, o que é lógico se tivermos em mente que a acção é sempre
administrativa, a abordada acção popular
não é uma acção diferente mas sim um meio de extensão da legitimidade
processual.
Ficam
então claros, todos os aspectos relativos à acção popular, à sua importância,
aos interesses que tutela, a legitimidade de quem exerce este direito e ainda a
forma como o faz.
Trabalho realizado por:
Marta
Nunes da Fonseca
Nº
24261
TA
S10 4ºano
Bibliografia
·
Mário Aroso de
Almeida, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2017, 3º Edição;
·
Vasco Pereira da
Silva, Em busca de um acto administrativo perdido, Almedina, Colecção de teses,
1996;
·
Paulo Otero, A
acção popular: configuração e valor no actual direito português, ROA, Vol.III,
1999;
·
Jorge Pegado Liz,
Introdução ao direito e à política de consumo, Notícias Editorial, 1999;
·
Carla Amado
Gomes, Reflexões breves sobre a acção pública e a acção popular na defesa do
ambiente, Temas e problemas de processo administrativo, Lisboa, Instituto de
Ciências Jurídico-políticas, 2011;
·
Acção Popular:
Manifesta improcedência do pedido – Parecer do Ministério Público, Revista do
Ministério Público 148: Outubro: Dezembro 2016, pp.141-149;
·
Gomes Canotilho e
Vital Moreira, Constituição da República anotada, 4º edição revista, Almedina,
Coimbra, 1º volume;
·
Miguel Teixeira
de Sousa, A legitimidade popular na tutela dos interesses difusos, Lex, Lisboa,
2003.
[1] Mário
Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2017, 3º Edição,
pp.219
[2] Paulo
Otero, A acção popular: configuração e valor no actual direito português, ROA,
Vol. III, 1999, pp.872
[3] Gomes
Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República anotada, 4º edição
revista, Almedina, Coimbra, 1º volume, pp.696-699.
[4] Miguel
Teixeira de Sousa, A legitimidade popular na tutela dos interesses difusos,
Lex, Lisboa, 2003, pp.20-23.
[5] Ac.
Relação de Lisboa de 2/7/98, proc.0027892.
[6] Jorge
Pegado Liz, Introdução ao direito e à política de consumo, Notícias Editorial,
1999, pp.227.
[7] Jorge Pegado
Liz, Introdução ao direito e à política de consumo, Notícias Editorial, 1999,
pp.228.
[8] Ac. STJ
de 8/9/2016, proc.7617/15.7 T8PRT.S1
[9] Miguel
Teixeira de Sousa, A legitimidade popular na tutela dos interesses difusos,
Lex, Lisboa, 2003, pp.31.
[10] Vasco
Pereira da Silva, Em busca de um acto administrativo perdido, Almedina,
Colecção de teses, 1996.
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