Contrainteressados
A visão inicial que estava
no seio das decisões administrativas figurava numa relação bilateral entre a
Administração e o(s) particular(es). Hoje, o universo do Direito Administrativo
e da ação Administrativa figura-se em relações multipolares, em que numa
determinada ação podem existir vários beneficiários ou prejudicados com a
manutenção ou surgimento de determinado ato. Significa isto que o Contencioso
Administrativo não se preocupa, apenas, com a legalidade dos atos praticados,
mas, também, com a posição subjetiva dos particulares. E é nestes termos que
surge a figura dos contrainteressados
.
O Professor Vasco Pereira da
Silva[1] refere
que devem ser chamados a relação multilateral todos os sujeitos que lhe digam
respeito, de modo a que o tribunal emita uma sentença com efeitos para todos os
intervenientes na relação multilateral controvertida, nas suas palavras, é
necessário encontrar o ““justo equilíbrio” entre a “proteção conjunta” (e a
eficácia do funcionamento da justiça administrativa) e a “proteção individual”
(plena e efetiva) das posições subjetivas de vantagem dos particulares”.
Mário Aroso de Almeida[2]
diz-nos que num determinado caso concreto podem existir beneficiários ou
prejudicados de um lado e do outro lado uma situação inversa
(beneficiários/prejudicados, prejudicados/beneficiários). Sendo, deste modo, a
posição do autor e dos contrainteressados reversível, não existindo
pressupostos e modo de tutela jurídica distinta dos respetivos interesses.
As
situações jurídicas são mutáveis. O exercício da Administração é contínuo e
duradouro, afetando um elevado número de particulares que se torna quase
impossível a determinação destes que figurarão, na ação, como
contrainteressados.
Na
ação de impugnação de atos administrativos, existem três critérios de
determinação dos contrainteressados[3]. O primeiro critério, do
ato impugnado, predomina na Itália, identifica o terceiro pela vantagem que o
ato impugnado lhe confere, sendo que este pretende mantê-la. Este critério não
tem em conta os atos omissos, ou seja, os atos que o particular pretende que a
Administração adote. Relativamente ao segundo critério, da posição substantiva
do terceiro, o contrainteressado tem de ter um interesse pessoal e direto
contrário ao autor. Por último, o terceiro critério, dos efeitos da sentença,
predomina na Alemanha, envolve um juízo de prognose, que pretende avaliar quais
os efeitos que a sentença irá produzir nas várias esferas jurídicas. Alexandra
Leitão[4] não concorda com este
último critério facilitador da identificação dos contrainteressados, utiliza
como argumento o facto de se fazer uma inversão cronológica. O artigo 57º CPTA
consagra dois dos três critérios apontados – o critério do ato impugnado e o
critério dos efeitos da sentença.
Na
ação de condenação (prática de ato administrativo legalmente devido), segundo o
artigo 68º/2 CPTA, a incidência desse ato tanto pode afetar imediatamente como
mediatamente terceiros[5].
A figura dos
contrainteressados está presente nos artigos 10º/1 in fine CPTA, 57º CPTA (para
os processos de impugnação de atos administrativos) e 68º/2 CPTA (para os
processos de condenação à prática de atos administrativos). Configura um
litisconsórcio necessário passivo com a entidade pública, sendo que a menção
dos contrainteressados é requisito da petição inicial, de acordo com o disposto
no artigo 78º/2 b) CPTA e que a sua falta pode conduzir à recusa da petição
pela secretaria (artigo 80º/1 b) CPTA) e à absolvição do réu da instância, nos
termos do artigo 89º/2 CPTA, constituindo uma exceção dilatória segundo o
número 4 alínea e) do último artigo referido.
Têm tutela
jurídico-constitucional presente no artigo 20º CRP, que preceitua que todos os
que têm interesses legalmente protegidos têm acesso aos tribunais, e no artigo
268º/4 CRP reconhecendo a tutela jurisdicional, podendo fazer valer os seus
direitos quando são lesados ou que, potencialmente, irão ser lesados.
A relação jurídica dos
contrainteressados em relação às outras partes presentes na ação pode
consubstanciar-se do seguinte modo: uma relação vertical, contrainteressados e
Administração, em que os seus interesses coincidem; e uma relação horizontal
substantiva entre o autor e o contrainteressado[6].
São
uma verdadeira parte no Contencioso Administrativo, respeitando o princípio da
igualdade das partes, artigo 20º/4 CRP e artigo 6º CPTA, tendo uma posição
paritária relativamente ao autor da ação, detêm, tal como este, uma situação
jurídica subjetiva, que na opinião de Mário Aroso de Almeida[7], mesmo que não sejam
beneficiários diretos e destinatários do ato impugnado, mas ainda assim possam
ter interesse de facto na continuidade do ato impugnado, podem ser configurados
como contrainteressados no processo impugnatório. Vai mais longe, dizendo que
com esta parte no processo, se pretende assegurar que este não corra à revelia
dos potenciais interessados e sobre os quais podem recair efeitos da sentença
contrários aos seus interesses, sem que pudessem intervir no processo.
Sendo que são verdadeiras
partes, tendo legitimidade passiva, conferida pelo artigo 10º/1 in fine CPTA, a
lei atribui-lhes todos os poderes processuais relativos às partes, tais como a
possibilidade de recorrer, presente no artigo 155º CPTA, e de contestar, artigo
82º CPTA.
Esta figura reforça a tutela
de terceiros na ação administrativa. Questiona-se quais os efeitos que a
sentença irá produzir nas esferas jurídicas dos contrainteressados[8]. Respeitando
o princípio do contraditório presente no artigo 32º/5 CRP, sujeita o terceiro
apenas quando é parte no processo. Existem duas conceções que discutem este
problema, uma conceção de cariz objetivista, que defende que todos ficam
submetidos aos efeitos da sentença, e uma conceção de cariz subjetivista que
defende que os efeitos não lhe poderão ser imputados uma vez que não foi parte
no processo. Em Portugal defendia-se a primeira conceção, Marcello Caetano[9]
referia que existia uma eficácia erga omnes
com ressalvas, o terceiro só não ficaria vinculado à sentença e aos seus
efeitos se o objeto do processo se tratasse de uma ofensa a um direito
subjetivo. Vasco Pereira da Silva[10]
defende uma posição antagónica, referindo que a eficácia erga omnes da sentença violaria o disposto constitucional presente
no artigo 20º/2 CRP, em que todos os indivíduos podem defender os seus direitos
em processo. Mário Aroso de Almeida[11] faz
distinção entre autoridade de caso julgado (diz respeito à imutabilidade da
sentença e seus efeitos) e eficácia da sentença última (diz respeito à mudança
introduzida na ordem jurídica), os efeitos atingirão sempre o terceiro, pois a
sentença atingirá uma situação que lhe diga respeito.
Em tom de conclusão podemos
dizer que a figura dos contrainteressados constitui parte na ação
administrativa, e reflete a multipolaridade das relações da Administração,
conferindo uma tutela legítima de proteção de direitos subjetivos de terceiro.
Trabalho realizado
por:
Inês Gomes Gama de Jesus
Nº25900,
Nº25900,
Subturma 10- 4ºano- Dia.
Bibliografia
Aroso
de Almeida, Mário, Manual de Processo Administrativo, 3ª Edição, Almedina, 2017
Estudos em
Homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano, Vol.
II, Coimbra Editora, 2006
Paes Marques, Francisco, A efetividade da tutela
de terceiros no contencioso administrativo, Almedina, 2007
Pereira da Silva, Vasco, O contencioso
administrativo no divã da psicanálise, 2ª Edição, Almedina, 2009
Abreviaturas
- CPTA: Código de Processo nos Tribunais
Administrativos;
- CRP: Constituição da República Portuguesa.
[1] Pereira da Silva, Vasco, O contencioso administrativo no divã da psicanálise,
2ª Edição, Almedina, 2009, págs. 283-284
[2]
Aroso de Almeida, Mário, Manual de Processo Administrativo, 3ª Edição,
Almedina, 2017, pág. 258
[3] Paes Marques, Francisco, A efetividade da tutela de terceiros no
contencioso administrativo, Almedina, 2007, págs.92-94
[4]
Leitão, Alexandra, A proteção judicial dos terceiros nos contratos da
Administração pública, Almedina, 2002 in Paes Marques, Francisco, A efetividade da tutela de terceiros no
contencioso administrativo, Almedina, 2007, pág. 94
[6] Chancerelle Manchete, Rui. A
legitimidade dos contrainteressados nas ações administrativas comuns e
especiais, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano, Vol. II, Coimbra Editora, 2006
[7]
Aroso de Almeida, Mário, Manual de Processo Administrativo, cit., págs. 258-259
[8] Paes Marques, Francisco, A efetividade da tutela
de terceiros no contencioso administrativo, cit., págs.125-131
[9]
Caetano, Marcello, Manual de Direito Administrativo, vol. II, 10ª Ed.,
Almedina, 1999 (reimp.), pág. 1397 in Paes Marques, Francisco, A efetividade da tutela de terceiros no
contencioso administrativo, Almedina, 2007, pág. 126
[10]
Pereira da Silva, Vasco, Para um contencioso administrativo dos particulares,
Almedina, 1997 (reimp.), págs. 246-247 in
Paes Marques, Francisco, A efetividade da tutela de terceiros no
contencioso administrativo, Almedina, 2007, pág. 127
[11] Aroso
de Almeida, Mário, Anulação de atos administrativos e relações jurídicas
emergentes, Almedina, 2002, pag.387 in Paes Marques, Francisco, A efetividade da tutela de terceiros no
contencioso administrativo, Almedina, 2007, pág. 128
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