terça-feira, 27 de novembro de 2018

Contrainteressados


Contrainteressados

A visão inicial que estava no seio das decisões administrativas figurava numa relação bilateral entre a Administração e o(s) particular(es). Hoje, o universo do Direito Administrativo e da ação Administrativa figura-se em relações multipolares, em que numa determinada ação podem existir vários beneficiários ou prejudicados com a manutenção ou surgimento de determinado ato. Significa isto que o Contencioso Administrativo não se preocupa, apenas, com a legalidade dos atos praticados, mas, também, com a posição subjetiva dos particulares. E é nestes termos que surge a figura dos contrainteressados
.
O Professor Vasco Pereira da Silva[1] refere que devem ser chamados a relação multilateral todos os sujeitos que lhe digam respeito, de modo a que o tribunal emita uma sentença com efeitos para todos os intervenientes na relação multilateral controvertida, nas suas palavras, é necessário encontrar o ““justo equilíbrio” entre a “proteção conjunta” (e a eficácia do funcionamento da justiça administrativa) e a “proteção individual” (plena e efetiva) das posições subjetivas de vantagem dos particulares”.

Mário Aroso de Almeida[2] diz-nos que num determinado caso concreto podem existir beneficiários ou prejudicados de um lado e do outro lado uma situação inversa (beneficiários/prejudicados, prejudicados/beneficiários). Sendo, deste modo, a posição do autor e dos contrainteressados reversível, não existindo pressupostos e modo de tutela jurídica distinta dos respetivos interesses.
As situações jurídicas são mutáveis. O exercício da Administração é contínuo e duradouro, afetando um elevado número de particulares que se torna quase impossível a determinação destes que figurarão, na ação, como contrainteressados.

Na ação de impugnação de atos administrativos, existem três critérios de determinação dos contrainteressados[3]. O primeiro critério, do ato impugnado, predomina na Itália, identifica o terceiro pela vantagem que o ato impugnado lhe confere, sendo que este pretende mantê-la. Este critério não tem em conta os atos omissos, ou seja, os atos que o particular pretende que a Administração adote. Relativamente ao segundo critério, da posição substantiva do terceiro, o contrainteressado tem de ter um interesse pessoal e direto contrário ao autor. Por último, o terceiro critério, dos efeitos da sentença, predomina na Alemanha, envolve um juízo de prognose, que pretende avaliar quais os efeitos que a sentença irá produzir nas várias esferas jurídicas. Alexandra Leitão[4] não concorda com este último critério facilitador da identificação dos contrainteressados, utiliza como argumento o facto de se fazer uma inversão cronológica. O artigo 57º CPTA consagra dois dos três critérios apontados – o critério do ato impugnado e o critério dos efeitos da sentença.
Na ação de condenação (prática de ato administrativo legalmente devido), segundo o artigo 68º/2 CPTA, a incidência desse ato tanto pode afetar imediatamente como mediatamente terceiros[5].

A figura dos contrainteressados está presente nos artigos 10º/1 in fine CPTA, 57º CPTA (para os processos de impugnação de atos administrativos) e 68º/2 CPTA (para os processos de condenação à prática de atos administrativos). Configura um litisconsórcio necessário passivo com a entidade pública, sendo que a menção dos contrainteressados é requisito da petição inicial, de acordo com o disposto no artigo 78º/2 b) CPTA e que a sua falta pode conduzir à recusa da petição pela secretaria (artigo 80º/1 b) CPTA) e à absolvição do réu da instância, nos termos do artigo 89º/2 CPTA, constituindo uma exceção dilatória segundo o número 4 alínea e) do último artigo referido. 

Têm tutela jurídico-constitucional presente no artigo 20º CRP, que preceitua que todos os que têm interesses legalmente protegidos têm acesso aos tribunais, e no artigo 268º/4 CRP reconhecendo a tutela jurisdicional, podendo fazer valer os seus direitos quando são lesados ou que, potencialmente, irão ser lesados.

A relação jurídica dos contrainteressados em relação às outras partes presentes na ação pode consubstanciar-se do seguinte modo: uma relação vertical, contrainteressados e Administração, em que os seus interesses coincidem; e uma relação horizontal substantiva entre o autor e o contrainteressado[6].  

São uma verdadeira parte no Contencioso Administrativo, respeitando o princípio da igualdade das partes, artigo 20º/4 CRP e artigo 6º CPTA, tendo uma posição paritária relativamente ao autor da ação, detêm, tal como este, uma situação jurídica subjetiva, que na opinião de Mário Aroso de Almeida[7], mesmo que não sejam beneficiários diretos e destinatários do ato impugnado, mas ainda assim possam ter interesse de facto na continuidade do ato impugnado, podem ser configurados como contrainteressados no processo impugnatório. Vai mais longe, dizendo que com esta parte no processo, se pretende assegurar que este não corra à revelia dos potenciais interessados e sobre os quais podem recair efeitos da sentença contrários aos seus interesses, sem que pudessem intervir no processo.

Sendo que são verdadeiras partes, tendo legitimidade passiva, conferida pelo artigo 10º/1 in fine CPTA, a lei atribui-lhes todos os poderes processuais relativos às partes, tais como a possibilidade de recorrer, presente no artigo 155º CPTA, e de contestar, artigo 82º CPTA.

Esta figura reforça a tutela de terceiros na ação administrativa. Questiona-se quais os efeitos que a sentença irá produzir nas esferas jurídicas dos contrainteressados[8]. Respeitando o princípio do contraditório presente no artigo 32º/5 CRP, sujeita o terceiro apenas quando é parte no processo. Existem duas conceções que discutem este problema, uma conceção de cariz objetivista, que defende que todos ficam submetidos aos efeitos da sentença, e uma conceção de cariz subjetivista que defende que os efeitos não lhe poderão ser imputados uma vez que não foi parte no processo. Em Portugal defendia-se a primeira conceção, Marcello Caetano[9] referia que existia uma eficácia erga omnes com ressalvas, o terceiro só não ficaria vinculado à sentença e aos seus efeitos se o objeto do processo se tratasse de uma ofensa a um direito subjetivo. Vasco Pereira da Silva[10] defende uma posição antagónica, referindo que a eficácia erga omnes da sentença violaria o disposto constitucional presente no artigo 20º/2 CRP, em que todos os indivíduos podem defender os seus direitos em processo. Mário Aroso de Almeida[11] faz distinção entre autoridade de caso julgado (diz respeito à imutabilidade da sentença e seus efeitos) e eficácia da sentença última (diz respeito à mudança introduzida na ordem jurídica), os efeitos atingirão sempre o terceiro, pois a sentença atingirá uma situação que lhe diga respeito.

Em tom de conclusão podemos dizer que a figura dos contrainteressados constitui parte na ação administrativa, e reflete a multipolaridade das relações da Administração, conferindo uma tutela legítima de proteção de direitos subjetivos de terceiro.


Trabalho realizado por:
Inês Gomes Gama de Jesus
Nº25900, 
Subturma 10- 4ºano- Dia.


Bibliografia

Aroso de Almeida, Mário, Manual de Processo Administrativo, 3ª Edição, Almedina, 2017

Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano, Vol. II, Coimbra Editora, 2006

Paes Marques, Francisco, A efetividade da tutela de terceiros no contencioso administrativo, Almedina, 2007

Pereira da Silva, Vasco, O contencioso administrativo no divã da psicanálise, 2ª Edição, Almedina, 2009

Abreviaturas
- CPTA: Código de Processo nos Tribunais Administrativos;
- CRP: Constituição da República Portuguesa.



[1] Pereira da Silva, Vasco, O contencioso administrativo no divã da psicanálise, 2ª Edição, Almedina, 2009, págs. 283-284
[2] Aroso de Almeida, Mário, Manual de Processo Administrativo, 3ª Edição, Almedina, 2017, pág. 258
[3] Paes Marques, Francisco, A efetividade da tutela de terceiros no contencioso administrativo, Almedina, 2007, págs.92-94
[4] Leitão, Alexandra, A proteção judicial dos terceiros nos contratos da Administração pública, Almedina, 2002 in Paes Marques, Francisco, A efetividade da tutela de terceiros no contencioso administrativo, Almedina, 2007, pág. 94
[5] Ibid., págs. 105-106
[6] Chancerelle Manchete, Rui. A legitimidade dos contrainteressados nas ações administrativas comuns e especiais, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano, Vol. II, Coimbra Editora, 2006
[7] Aroso de Almeida, Mário, Manual de Processo Administrativo, cit., págs. 258-259
[8] Paes Marques, Francisco, A efetividade da tutela de terceiros no contencioso administrativo, cit., págs.125-131
[9] Caetano, Marcello, Manual de Direito Administrativo, vol. II, 10ª Ed., Almedina, 1999 (reimp.), pág. 1397 in Paes Marques, Francisco, A efetividade da tutela de terceiros no contencioso administrativo, Almedina, 2007, pág. 126
[10] Pereira da Silva, Vasco, Para um contencioso administrativo dos particulares, Almedina, 1997 (reimp.), págs. 246-247 in Paes Marques, Francisco, A efetividade da tutela de terceiros no contencioso administrativo, Almedina, 2007, pág. 127
[11] Aroso de Almeida, Mário, Anulação de atos administrativos e relações jurídicas emergentes, Almedina, 2002, pag.387 in Paes Marques, Francisco, A efetividade da tutela de terceiros no contencioso administrativo, Almedina, 2007, pág. 128

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