terça-feira, 30 de outubro de 2018

Especialização da jurisdição administrativa: no contexto de uma aproximação à estrutura e organização da Justiça Civil


A jurisdição administrativa e fiscal enfrenta uma fase de mutação com elevada importância para a concretização do direito fundamental de tutela jurisdicional efetiva, em tempo útil e com melhor qualidade de resposta, art. 20.º e 268.º, n.º4 CRP. No cumprimento deste desígnio recai sobre o Estado um dever de promover e facilitar as condições de acesso à justiça, eliminando as entropias do seu funcionamento. Uma das questões discutidas é precisamente a reforma do contencioso administrativo atento o princípio da especialização[1]. Mas antes de partir para uma análise concreta há que fazer um ponto prévio da questão em debate.

Enquanto Estado de direito democrático, a República Portuguesa baseia-se no princípio da separação de poderes, art. 2.º CRP. E, dos três poderes que dele emanam, a função jurisdicional é reservada aos tribunais nos termos do art. 202.ºCRP. Existem, com efeito, na ordem jurídico-constitucional portuguesa, as seguintes categorias de tribunais: Tribunais judiciais, Tribunais administrativos, Tribunal de Contas, Tribunal Constitucional, Tribunais arbitrais e julgados de paz; de acordo com o art. 209.º CRP[2].

No que agora nos concerne, a Constituição da República Portuguesa estabelece uma dualidade de jurisdições no n.º1 do seu art. 209.º: a ordem jurisdicional civil, al. a), de competência residual face às demais; e a ordem jurisdicional administrativa e fiscal, al. b), encarregue de “dirimir os litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais”, art. 213.º, n.º3 CRP e art. 4.º, n.º1, al. o) ex vi art. 1.º ETAF. Em relação a esta, o nosso estudo circunscreve-se apenas à justiça administrativa em sentido restrito,  - através de um critério orgânico associado a um critério material[3]-, pese embora “uma relativa unidade de jurisdição entre a justiça administrativa e a fiscal”.

Todavia nem sempre assim foi. O contencioso administrativo é relativamente recente face ao Processo Civil. A autonomia do contencioso Administrativo encontra-se intimamente ligada a uma sentença proferida pelo Tribunal de Conflitos francês em 1873. – Acórdão Agnes Blanco. Em causa está a apreciação de um pedido de indemnização devida pelo atropelamento de uma criança de 5 anos por um vagão do serviço público. O Tribunal a quo acaba por proferir decisão na qual atribui competência para julgar o litígio à ordem administrativa e da qual resulta expressa necessidade de criar um conjunto de normas aplicáveis à Administração.       

 O professor Vasco Pereira da Silva refere-se, a propósito, aos traumas de uma Infância difícil[4], “marcada por um “pecado original” de ligação da Administração à Justiça”.  No período pós-Revolução Francesa, a conceção distorcida do princípio da separação de poderes e a desconfiança perante o poder (nobiliárquico) judicial[5] favoreceram a criação de uma Administração dotada de privilégios exorbitantes e excluída de qualquer controlo pela ação dos tribunais comuns. O contencioso administrativo surgiu, então, por meio de criação de órgãos administrativos especiais para garantir a defesa dos poderes públicos.

Com o advento do Estado Social, fala-se já no «milagre» da jurisdicionalização do contencioso administrativo com a expressa consagração da jurisdição administrativa e transformação de normas e instituições criadas para proteger a Administração em instrumentos de garantia dos particulares perante o poder administrativo. A elevação a nível constitucional da autonomia da jurisdição administrativa carecia, contudo de concretização pelo legislador. Esta confirmação do contencioso administrativo – numa dupla dimensão: subjetivista e jurisdicional – viria a ser realizada, em primeiro lugar ao nível do Direito Constitucional.

Por isso, para Vieira Andrade “a evolução do contencioso administrativo deu-se [em Portugal] (…) a partir de um modelo administrativista mitigado (…) para um modelo judicialista puro de competência especializado”[6]. O primeiro passo na construção desse modelo foi dado com a  transferência, pelo Decreto-lei n.º 250/74, de 12 de junho, dos tribunais administrativos da Presidência do Conselho de Ministros para o Ministério da Justiça. A Constituição de 1976 veio reservar aos tribunais a função jurisdicional. No entanto, só com a revisão constitucional de 1989 foi definitivamente reconhecida, no plano constitucional, uma ordem judicial que congrega uma "categoria própria de tribunais, separada dos ditos tribunais judiciais”[7] a quem compete a jurisdição comum em matéria administrativa e fiscal.

Ao contrário dos demais países europeus, a história do contencioso administrativo português suprime uma das etapas do processo administrativo, aglutinando num só movimento de constitucionalização -, o de 1976 - a fase do «batismo» e da «confirmação»[8]. Modelo que apenas com a Reforma de 2004 viria a encontrar adequada concretização legislativa e jurisprudencial, através da consagração de um sistema de normas processuais. Até então a discrepância entre a Constituição e a realidade constitucional era de tal ordem, “que valia a pena perguntar se o Contencioso Administrativo era «direito constitucional concretizado» ou «ainda por concretizar»?”[9]

Desde então o contencioso administrativo tem evoluído muito, quer em termos orgânico-quantitativos quer em termos processuais e garantísticos. Do ETAF de 1984, aprovado pelo Decreto-Lei n.º129/84, de 27 de abril ao ETAF de 2002, aprovado pela Lei n.º13/2002, de 19 de fevereiro, com as alterações introduzidas até ao Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro deu-se a “passagem de uma estrutura de tribunais administrativos de 1.ªInstância de apenas 3 para, hoje, 16 [art. 3.º, n.º1 do Decreto-Lei n.º 325/2003 ex vi o n.º1 do art. 39.º ETAF], de apenas um tribunal central administrativo para dois [art. 31.º, n.º1 ETAF]; e de pouco mais de 26 juízes em 1.ª instancia para, hoje um total de 176”[10].

De um ponto de vista analítico, nos últimos 20 anos “assistimos (…)a uma mudança de paradigma (…) nalguns casos diria de forma quase radical, com o alargamento dos meios e formas de processo (e) um constante alargamento do âmbito da jurisdição administrativa”[11]. Alterações que, progressivamente, aumentaram a tecnicidade dos processos e estabeleceram curtos prazos de adaptação para a aplicação de novos regimes jurídicos e novos institutos de direito.

Com efeito, assiste-se a uma cada vez maior complexificação dos litígios, ao mesmo tempo que a generalização do direito de acesso à Justiça Administrativa com reforço do princípio da tutela jurisdicional efetiva e a dispersão territorial da rede de tribunais permitiram uma maior visibilidade social destes tribunais, com repercussões óbvias no número de processos e no, respetivo, efeito mediático. Criou-se, portanto, uma conjuntura favorável à preponderância crescente destes tribunais na regulação da vida social. No entanto, os objetivos que subjazem à Justiça Administrativa estão longe de ser alcançados. 

Ocorre que, pese embora as mudanças que se têm observado, principalmente desde os anos 2000, a Justiça Administrativa é conhecida pela elevada morosidade na tramitação e julgamento de várias das espécies previstas, e pelas elevadas pendências  que se vão acumulando[12]. Ainda em setembro passado, a ministra da Justiça Francisca Van Dunem revelou que existiam 72 mil processos pendentes nos tribunais administrativos há mais de cinco anos. Em dezembro de 2016, 16,5% dos processos tinham entrado, também, há mais de 5 anos, enquanto 4,2% esperavam uma primeira decisão há já 8 anos; se lhes somarmos os anos que, em caso de recurso, ainda aguardam em tribunais superiores, a tutela do direito de acesso aos tribunais e a uma decisão em prazo razoável, consagrado no art. 20.º da CRP, n.ºs 1 e 4, respetivamente, parece altamente questionável.

Foi precisamente a “falta de meios humanos que cronicamente carateriza a jurisdição administrativa e fiscal, decorrente da falta de prioridade política dos sucessivos governos em relação à Jurisdição Administrativa e Fiscal e primazia dada à magistratura judicial e, mais recentemente, à magistratura do Ministério Público”, que levou à criação, p.e., do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, através da Lei n.º 46/2011, de 24 de junho, fora da jurisdição administrativa, ainda que seja, manifestamente, competente para a apreciação de litígios jus-administrativos envolvendo entidades administrativas[13]. Numa recente exposição, a juíza desembargadora do TCAS, Ana Celeste Carvalho, vem apontar a necessidade de repensar o papel daquele que deveria ter sido o primeiro tribunal administrativo especializado, fora da jurisdição administrativa.

Na tentativa de superar os desafios colocados e de forma a cumprir a função primordial de proteção judicial plena e efetiva dos direitos dos particulares, art. 268.º, n.º 4 e 5 CRP foi publicado o DL n.º 214-G/2015, de 02 de outubro, que introduziu uma série de alterações ao CPTA e ao ETAF, muitas das quais de harmonização do contencioso administrativo com o NCPC.

 Malgrado os progressos feitos em matéria de alargamento do âmbito material da jurisdição administrativa, tal como resulta do art. 4.º, n.º1 do ETAF ex vi art. 1.º, e das novidades clarificadoras e sistematizadoras[14], a Reforma de 2015 revelou-se substancialmente neutra[15] em matéria de especialização da organização judiciária administrativa. Desde 2002 que se prevê no, atual, art. 9.º, n.º7 do ETAF a possibilidade de especialização da Justiça Administrativa através da criação de secções especializadas ou tribunais especializados, mediante decreto-lei. Continuou por isso “a verificar-se um défice de especialização  seja no que respeita à criação de tribunais especializados seja quanto à autonomização e especialização da carreira dos juízes dos TAF em relação aos dos tribunais judiciais.

Precisamente, na exposição de motivos da Proposta de Lei de alteração do ETAF, em análise, consta que “a necessidade de especialização surge da constatação do elevado volume de processos em determinadas áreas e visa, através da criação de estruturas jurisdicionais dedicadas, alcançar melhor qualidade de resposta, constituindo uma medida determinante para combater o aumento exponencial das pendências nessas áreas.” As áreas a que se reporta são, em regra, aquelas para as quais têm vindo a ser criados regimes jurídicos especiais, e sobre as quais tem havido específico desenvolvimento doutrinário[16]: contratação pública, urbanismo, ambiente, responsabilidade civil extracontratual, emprego público.

À medida que a verosimilhança jurídico-processual entre a Justiça civil e a administrativa matura, seja através da aproximação ao NCPC[17] ou da ampliação do âmbito de jurisdição, o percurso para essa aproximação encontrar consagração expressa na lei e concretização na prática parece longínquo e difícil de alcançar. Se algo resulta da Reforma de 2015 a este nível é uma evidente necessidade de aproximação à jurisdição civil, com a criação de tribunais especializados capazes de dotar as sentenças administrativas de maior celeridade e qualidade.

Será justamente esse o ponto de partida desta análise e cujo comentário procuramos tecer. Para tanto, de uma forma abstrata e com fins puramente pedagógicos, partimos da ideia de que quanto à jurisdição administrativa pode, ab initio, falar-se em três níveis de especialização: (a) tribunais judiciais e tribunais administrativos; (b) tribunais administrativos e tribunais fiscais; e, (c) diferentes espécies de tribunais administrativos. O primeiro permite, a partir de um critério material ou substancial[18],  afirmar a autonomia da jurisdição administrativa face aos tribunais judiciais. Como já se mencionou supra, o legislador nacional optou por estabelecer uma dualidade de jurisdições. Por isso, falar-se numa ordem jurisdicional autónoma é a nosso ver a opção mais correta.

Os motivos que subjazem à criação de uma jurisdição administrativa autónoma acompanham a própria história do surgimento do contencioso administrativo. Ora vejamos, em primeiro lugar estes tribunais surgem à luz do princípio segundo o qual juger l’Admistration c’est encore administrer, para a assegurar a separação de poderes. Assim, estaria vedado ao juiz, terceiro em relação à Administração, apreciar litígios no âmbito administrativo. Tese que viria a cair com a plena jurisdicionalização da justiça administrativa.  

Apontou-se depois para uma natural projeção institucional da diferença de natureza entre Justiça administrativa (resolução de controvérsias jurídico-públicas) e Justiça ordinária (para as restantes), partindo da ideia que aquela tem subjacente um sistema objetivista, assente no controlo da legalidade do agir administrativo. A contrario, a jurisdição ordinária era um instrumento de tutela do interesse individual. Todavia, por influência do modelo alemão do pós-guerra viria a acentuar-se também um pendor subjetivista do processo administrativo, associado à ideia da proteção jurídica efetiva dos administrados[19]. Os tribunais passariam a proteger os particulares da violação de direitos subjetivos, independentemente da prática de atos administrativos lesivos.

Finalmente, pode conceber-se a existência de uma jurisdição independente e separada como corolário do princípio da especialização. Isto na medida em que como nos diz Domingos Vital[20], “os princípios de direito público, dominados pela ideia de serviço público, são diversos dos princípios de direito comum, do direito privado”, pelo que exigem “uma tournure de espírito diversa da exigida pelo contencioso civil”. Entendemos, de igual modo, que a prossecução de um direito ou interesse público legalmente previsto depende, muitas vezes, do exercício de um poder público, por uma entidade pública ou privada, e, que nesses casos, podemos estar perante controvérsias que, pela sua especificidade, exigem a aplicação de normas e de princípios de natureza distinta[21]. Em termos práticos significa juízes que possam ter conhecimento exato do direito administrativo, do funcionamento dos serviços públicos e da prática administrativa. Sendo certo que os tribunais civis não têm essa aptidão.

Este entendimento está, no entanto, como sugere Pedro Velez, onerado com duas objeções. Nos últimos anos, tem-se assistido ao esbatimento da summa divisio Direito Público/Direito Privado em virtude de múltiplos fenómenos de miscigenação a que Maria João Estorninho se refere como a «fuga do direito administrativo para o Direito privado»[22]. Sem embargo, trata-se de acontecimentos marginais, atinentes a áreas determinadas, como a da contratação pública, sem que daí possa resultar uma perda de identidade do Direito Administrativo[23]. 

A segunda objeção, parte dos sistemas de jurisdição una, como Espanha ou Brasil[24], orientados por um principio de unidade jurisdicional, para evidenciar a desnecessidade da consagração de um tribunal autónomo, sem pôr em causa o princípio da especialização. Contudo, um sistema de jurisdição única importa o risco de permeabilidade de juízes, sem qualquer formação específica em contencioso administrativo, virem a resolver litígios que exigem maior grau de complexidade em razão da própria natureza.

Não obstante, em 1989, quando o legislador constitucional introduziu o preceito do art. 212.º, n.º3 CRP, fê-lo com o propósito de consagrar uma jurisdição própria e não uma jurisdição especial face aos tribunais judiciais. Para tanto, delimitou a competência daqueles tribunais para os casos em que os litígios versem sobre «relações jurídicas administrativas e fiscais», critério que é concretizado no atual art. 4.º ETAF, e a partir do qual parece-nos evidente que a intenção é a de estabelecer um âmbito-regra da jurisdição administrativa. O mesmo é dizer que os tribunais administrativos são os “tribunais comuns em matéria administrativa[25].

A partir da revisão constitucional de 1989 “em vez de unidade da magistratura, a Constituição divide os juízes em dois corpos: o dos tribunais judiciais e o dos tribunais administrativos. (…), admitem-se estatutos diferenciados (…) [e] dois Conselhos[26]”. Mário Aroso de Almeida evidencia, a propósito, a dicotomia nos arts. 210.º e 211.º face ao 212.º da CRP. Não nos parece, portanto, ser sequer plausível de equacionar o Estudo da unificação da jurisdição comum com a jurisdição administrativa e fiscal, criando uma ordem única de tribunais, um único Supremo Tribunal e um único Conselho Superior da Magistratura Judicial[27].

Várias são, por isso, as razões pelas quais se torna imperioso dotar a jurisdição administrativa de uma estrutura e organização mais especializada que lhe permita quer reafirmar a sua autonomia, quer trazer para o seu âmbito todos os litígios que correspondam ao âmbito administrativo, numa lógica de paridade entre jurisdições.

A organização judiciária administrativa, art. 209.º, n.º1, al. b) da CRP, vem regulada no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º13/2002, de 19 de fevereiro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015. Desse modo, o ETAF procede à distribuição de competências dos tribunais optando por constituir duas categorias distintas de tribunais – os administrativos e os fiscais – sujeitos a diferentes secções. Destarte, “na jurisdição administrativa e fiscal existe um nível mínimo de especialização, uma vez que, ao nível da 1.ª Instância está já prevista uma divisão entre matéria administrativa e fiscal.”[28]

Assim, tal como sucede nos tribunais especializados da jurisdição civil: criminais, de trabalho, de comércio ou de família e menores, no seio dos tribunais judiciais, a contraposição entre tribunais administrativos e tribunais fiscais assenta no critério de diferenciação em razão da matéria, em sentido restrito[29], fazendo corresponder as matérias de Direito Administrativo aos primeiros e de Direito Fiscal aos últimos. Aqueles tribunais “organizaram-se para um acolhimento interno diferenciado dos processos que competem a uma e outra área (…) [sendo que] (…) a organização diferenciada justifica também a análise em separado de uma e de outra área[30].

Apenas os tribunais administrativos serão objeto do nosso estudo, como sub-ordem judicial autónoma[31], cuja competência se fixa no momento da propositura da ação, em razão da jurisdição, da matéria, da hierarquia e do território. Esta distinção é relevante na medida em que apenas em caso de incompetência absoluta, i.e., em razão da jurisdição – fala-se em conflitos de jurisdição - determina a absolvição do réu, nos termos do art. 14.º, n.º2 do CPTA, caso não solicite a remessa do processo. Nos outros casos, em que o tribunal não é competente em razão da matéria, hierarquia ou território – casos de incompetência relativa[32] - o n.º1 do art. 14.º do CPTA vem dizer-nos que o processo é oficiosamente remetido ao tribunal competente. 

Ao nível hierárquico, os tribunais administrativos repartem-se em três níveis diferentes conforme resulta do art. 8.º do ETAF.  O órgão hierarquicamente superior é o Supremo Tribunal Administrativo nos termos do art. 212.º, n.º1 CRP, com jurisdição em todo o território nacional, art. 11.º, n.ºs 1 e 2 do ETAF e sede em Lisboa, art. 1.º, n.º1 do DL n.º 325/2003. O STA pode funcionar por secções, art. 12.º, n.º1 e 2 ETAF - uma  secção de contencioso administrativo, art. 24.º do ETAF, dotada de competência material em 1.ª Instancia relativamente a alguns processos, e outra de contencioso tributário - ou em plenário, art. 28.º e ss. do ETAF.

O segundo nível é preenchido pelos Tribunais Centrais Administrativos, art. 31.º e ss. do ETAF. Atualmente, conforme resulta do n.º1 do art. 31.º, existem dois TCA’s – o TCA Sul e o TCA Norte – cujas jurisdições são determinadas pelo art. 2.º, n.ºs 1 e 2 do DL n.º 325/2003. À semelhança do STA, “cada tribunal central administrativo compreende duas seções, uma de contencioso administrativo, cuja competência vem regulada no art. 37.º, e outra de contencioso tributário.”, art. 32.º, n.º1 do ETAF. 

Por fim, a apreciação de processos em matéria administrativa, em primeiro grau de jurisdição, cabe aos tribunais administrativos de círculo, - TAC’s - art. 39.º e 44.º do ETAF, quando não esteja reservada aos tribunais superiores. Todo modo, estes tribunais tendem, a funcionar de modo agregado com os tribunais tributários, assumindo a designação de tribunais administrativos e fiscais – TAF’s, como vem previsto no n.º2 do art. 9.º ETAF e 3.º, n.º3 do DL n.º 325/2003 -, sem que se comprometa a identidade de cada um destes ramos[33]. A posição sufragada é a de Mário Aroso de Almeida, quando nas suas lições perfilha de uma interpretação restritiva do art. 44.º do ETAF[34], com a nova redação dada pela revisão de 2015, assente na correlatividade entre o critério do art. 212.º, n.º3 da CRP e o direito a uma tutela jurisdicional efetiva, quer em matéria administrativa quer em matéria fiscal.

Já quanto à ordem jurisdicional civil, a história mostra-nos um paradigma diferente. A estrutura é superficialmente “igual”, na medida em que também os tribunais judiciais se encontram organizados em três níveis hierárquicos. Contudo, à medida que esventramos o sistema judiciário apercebemo-nos de diferenças substancias – a mais importante, relativa à distribuição da competência em razão da especialização da matéria.

Ora, a organização da jurisdição civil é, no essencial, regulada na Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto, com todas as alterações introduzidas até à Lei n.º 23/2018, de 5 de junho - Lei da Organização do Sistema Judiciário [LOSJ], - e é regulamentada pelo Decreto-Lei nº 49/2014, de 27 de março - Regime Aplicável à Organização e Funcionamento Dos Tribunais Judiciais [ROFTJ]. A LOSJ promoveu a reorganização da divisão judiciária do território português assente em três pilares fundamentais[35], de entre os quais “a instalação de jurisdições especializadas”.

A própria exposição de motivos que acompanhou a Proposta de lei que deu origem à LOSJ apostava fortemente na maior especialização da oferta judiciária para “melhorar o funcionamento do sistema judicial e alcançar uma prestação de justiça de qualidade (…) dotando todo o território nacional de jurisdições especializadas, pretendendo-se, assim, proporcionar uma resposta judicial ainda mais flexível e próxima das populações”[36][37].

Nos termos ora enunciados, a competência reparte-se pelos tribunais judiciais segundo a matéria, o valor, a hierarquia e o território, art. 37.º, n.º1 LOSJ atento o momento em que a ação se propõe, art. 38.º LOSJ. Ao contrário do que acontece no contencioso administrativo a dicotomia entre incompetência absoluta, - em razão da matéria e da hierarquia, vide arts. 96.º e 99.º CPC – e, a incompetência relativa dos tribunais – quando o seja em razão do valor ou do território, art. 102.º a 105.º CPC vem expressamente fixada naquele Código. Ambas constituem exceção dilatória, arts. 577.º, al. a) ex vi 576.º, n.º1 e 2 CPC, podendo dar lugar à absolvição do réu da instância, art. 278.º, n.º1 CPC, exceto quando haja sanação da incompetência com a remessa do processo, art. 278.º, n.º2; e, ambas podem ser arguidas pelas partes. Contudo, enquanto as primeiras devem ser de conhecimento oficioso, nas segundas o conhecimento oficioso é uma exceção à regra de que o seu conhecimento está dependente da arguição pelo réu[38]. 

Os tribunais judiciais dividem-se, à semelhança dos administrativos, em três instâncias, v.g. arts. 29.º, n.º1, al. a) LOSJ e art. 209.º, n.º1, al. a) CRP. Começando pelo órgão superior, art. 31.º LOSJ, o Supremo Tribunal de Justiça [STJ], com sede em Lisboa, tem jurisdição sobre todo o território nacional, art. 45.º LOSJ. Segundo o art. 48.º, n.º1 LOSJ, este tribunal funciona em plenário, em pleno de secções especializadas e por secções. Essas secções são de três espécies e vêm descriminadas no art. 47.º, n.º1: matéria cível, matéria penal e matéria social[39]. As primeiras julgam matéria não atribuída às outras duas; as penais julgam matéria criminal e as sociais, julgam, em geral, matéria laboral, art. 54.º, n.º1 LOSJ.

A querela entre as jurisdições civil e administrativa estabelece-se, a propósito, dos diferentes planos da hierarquia[40]. Os juízes administrativos do STA, embora apreciem de recursos de decisões de tribunais inferiores, proferem, muitas vezes, decisões em primeiro grau de jurisdição[41], não em razão da especialização mas da hierarquia. Não se trata, por isso, em regra, de uma hierarquia regular, mas de um terceiro plano da hierarquia. No STJ a realidade é outra. Ainda que, por exemplo, ao pleno de secções seja atribuída competência para julgar as altas individualidades nacionais pelos atos praticados no exercício das suas funções (art. 53.º, al. a) LOSJ)[42], a competência por excelência do STJ, sem prejuízo da uniformização de jurisprudência, reside na apreciação de decisões de instâncias inferiores. Fala-se a propósito de hierarquia stricto sensu ou de uma competência funcional.

            Outra contraposição merece lugar. Desta vez, a propósito da especialização e isto na medida em que, enquanto na Justiça administrativa se discute a possibilidade de introduzir um nível de especialização na primeira instância, na jurisdição civil a distribuição de competências em razão da especialidade da matéria está já consagrada ao nível dos órgãos judiciais superiores. Desde a década de 90 que o estudo relativo à organização e ao funcionamento dos tribunais judiciais tem merecido especial ênfase.

Neste sentido, também os Tribunais da Relação[43], tribunais de segunda instância da jurisdição civil, arts. 29.º, n.º2, 32.º e 67.º,  n.º1 LOSJ, podem funcionar em secções especializadas, art. 32.º, n.º3 LOSJ. A própria lei estabelece no n.º2 do art. 67.º LOSJ que os TR funcionam em plenário ou por secções. Não obstante, à exceção das secções em matéria cível e penal, “a existência das secções social, de família e menores, de comércio, de propriedade intelectual e de concorrência, regulação e supervisão depende do volume ou da complexidade do serviço e são instaladas por deliberação do Conselho Superior da Magistratura, sob proposta do presidente do respetivo tribunal da Relação”, art. 67.º, n.º3.

Finalmente, no primeiro nível de jurisdição encontram-se os Tribunais judiciais de primeira instância, art. 33.º LOSJ, que incluem os tribunais de competência alargada e os tribunais de comarca. No território nacional existem ao todo 23 comarcas (v.g. anexo ii à LOSJ e art. 64.º e 66.º e ss. ROFTJ), sendo que em cada uma existe um tribunal de 1.ª instância, v.g. n.º2 e 3 do art. 33.º. Daí que se diga que os tribunais de 1.ª instância são, em regra, tribunais de comarca,  art. 29.º, n.º3 e 79.º da LOSJ.

Posto isto, os tribunais de comarca desdobram-se em juízos[44], que podem ser de competência especializada, de competência genérica e de proximidade, art. 81.º, n.º1 e 130.º da LOSJ. De competência especializada podem ser criados, nos termos do n.º3 do art. 81.º da LOSJ, juízos centrais cíveis, juízos locais cíveis, juízos centrais criminais, juízos locais criminais, juízos locais de pequena criminalidade, juízos de instrução criminal, juízos de família e menores, juízos de trabalho, juízos de comércio e juízos de execução[45]; prevendo-se ainda, no n.º4, a possibilidade de serem criados juízos especializados mistos. Em rigor não se trata de verdadeiros tribunais especializados, mas do desdobramento dos tribunais comarca, da Relação ou Supremo em juízos e secções.

Nos tribunais de comarca, as secções criminais, de instrução criminal, família e menores, trabalho, comércio e execução são, efetivamente aquelas que podem ser criadas nas instâncias centrais recorrendo a um critério da competência especializada em razão da matéria. A par destas, ainda na 1.ª Instância pode falar-se na especialização dos tribunais de competência territorial alargada, como sejam, o Tribunal de Propriedade Intelectual, o Tribunal da concorrência, regulação e supervisão, o Tribunal marítimo e o Tribunal de execução de penas e o Tribunal Central de Instrução Criminal, regulados nos arts. 111.º, 112.º, 113.º, 114.º e 116.º da LOSJ, respetivamente.

Ora, parece-nos evidente que a introdução da especialização deve, numa primeira fase, ser pensada apenas ao nível da 1.ªInstância, para que se possa daí fazer uma correta observação analítica dessa experiência. Porém, para que seja feita uma análise comparística correta do nível de especialização nos dois sistemas, é necessário fazer a comparação entre níveis iguais de especialização, ou seja, quanto à jurisdição administrativa a análise não pode ser feita a partir da contraposição entre matéria administrativa e fiscal, mas antes, ao nível de uma “subespecialização” dos TAC’s. O que a reforma, em debate, visa é a concretização dessa especialização, prevendo a criação de juízos administrativos especializados [mas sem proceder à sua concreta criação!].

Note-se então que a organização judiciária tem optado por implementar o modelo do juízo (/secções) especializado[46], evitando os riscos que avultam da demora na implementação de um verdadeiro tribunal especializado ou na dotação do sistema de uma estrutura especializada de suporte ao juiz especializado, ao mesmo tempo que beneficia da flexibilidade e ajustabilidade na determinação do respetivo âmbito de competência ou na sua criação e extinção.

Para tanto, a reforma em curso prevê maior desenvolvimento da opção que resultava já do art. 9.º, n.º7 do ETAF, revogando aquele n.º7 e alterando os n.ºs 4, 5 e 6 daquele artigo. Foram analisadas as áreas com maior volume processual, relativamente às quais o desdobramento dos tribunais, seria a princípio, essencial para combater o aumento exponencial das pendências e para assegurar uma resposta mais adequada, mais uniforme e mais eficiente. Na redação agora proposta, resulta do n.º5 do art. 9.º ex vi n.º4, por isso, a possibilidade de criação de um: a) juízo administrativo comum; b) juízo administrativo social; c) juízo de contratos públicos; e, d) juízo de urbanismo, ambiente e ordenamento do território.

Havendo desdobramento dos TAC’s em juízos de competência especializada, o âmbito de competência de cada um daqueles tribunais será previsto no art. 44.º-A - [Competência dos juízos administrativos especializados] - que se propõe aditar e mediante o qual se fica a saber que compete (a) “Ao juízo administrativo comum conhecer de todos os processos do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal que incidam sobre matéria administrativa e cuja competência não esteja atribuída a outros juízos de competência especializada (…)”; (b) “ao juízo administrativo social, conhecer de todos os processos relativos a litígios em matéria de emprego público e da sua formação, ou relacionados com formas públicas ou privadas de proteção social, exceto os relativos ao pagamento de créditos laborais por parte do Fundo de Garantia Salarial”; (c) “ao juízo de contratos públicos, conhecer de todos os processos relativos à validade de atos pré-contratuais e interpretação, à validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes, e à sua formação (…)”; e, (d) “ao juízo de urbanismo, ambiente e ordenamento do território, conhecer de todos os processos relativos a litígios em matéria de urbanismo, ambiente e ordenamento do território sujeitos à jurisdição administrativa, e das demais matérias que lhe sejam deferidas por lei”.

Nesta matéria a dificuldade, já apresentada no Relatório do Observatório Permanente da Justiça, Justiça e Eficiência: O caso dos tribunais administrativos e fiscais, coloca-se na tónica da ausência de uma escala suficiente, mesmo nos maiores tribunais, que justifique a criação desses juízos especializados. A maioria dos entrevistados realçam, nessa matéria, a fuga para a arbitragem, tida como mais célere e eficiente. Para além disso, as opiniões divergem quanto às matérias que deveriam constituir especialização. Neste parâmetro, a maior unanimidade verifica-se quanto à necessidade de juízos especializados em matéria de contratação pública.

                A alternativa advém da nova redação do art. 9.º, n.º 6, no qual se estabelece a possibilidade de criação de juízos de competência especializada administrativa de jurisdição alargada, por decreto-lei, em função da complexidade e volume de serviço. Neste sentido, surge junto com a Proposta de Lei de alteração do ETAF, a proposta de Decreto-Lei que procede à criação de juízos de competência especializada, art. 1.º do DL, e, na qual, atento o volume processual nas áreas de competência dos juízos especializados se prevê a “criação dos juízos de competência especializada administrativa de contratos públicos nos tribunais administrativos de círculo de Lisboa e do Porto, com jurisdição alargada sobre as áreas de jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais limítrofes”.

            Conforme disposto nos arts. 2.º e ss. do DL, os Tribunais Administrativos e Fiscais passa a integrar, em matéria administrativa, um (a) Juízo administrativo comum e um (b) Juízo administrativo social. Por sua vez, para o TAC de Lisboa prevê-se, para além daqueles, ainda “um juízo de contratos públicos, com jurisdição alargada sobre o conjunto das áreas de jurisdição atribuídas aos Tribunais Administrativos de Círculo de Almada, Lisboa e Sintra”, art. 2.º, n.º2. A outra exceção resulta do art. 12,º, n.º2, quando prevê, também para o TAF do Porto a criação de um “juízo de contratos públicos, com jurisdição alargada sobre o conjunto das áreas de jurisdição atribuídas aos Tribunais Administrativos de Círculo de Aveiro, Braga, Penafiel e Porto”.

            No que se refere ao STA, o aditamento de um n.º3 ao art. 14.º do ETAF passaria a consagrar a hipótese de serem criadas subsecções especializadas em função da matéria. O mesmo valerá para os TCA’s, desta feita com o aditamento de um n.º3 ao art. 32.º, em relação aos quais se prevê a possibilidade de criação de subsecções especializadas.

            Em face da exposição supra retiramos algumas ilações. A primeira delas não pode deixar de ser a de um balanço globalmente positivo que se faz desta proposta de alteração ao Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais. Não descoramos contudo da existência de algumas objeções que se poderão insurgir contra a solução. Desde logo, e a que parece mais evidente, prende-se com a possibilidade de emergência de conflitos entre as secções especializadas, nomeadamente não estando previsto qualquer critério de desempate. Depois, p.e., como já foi referido, há que problematizar o dilema da falta de especialização dos juízes. A criação de juízos especializados, sem que os «aplicadores do direito» tenham a adequada formação contenderá num círculo vicioso no qual a qualidade da resposta não deixa de estar viciada. 

            Feita esta análise, é impossível contrariar a ideia de que o sucesso do modelo de estrutura e organização da jurisdição administrativa, nos moldes em que é previsto, está dependente da realidade[47]. Ou seja, a concretização dos objetivos que subjazem à Proposta de Lei dependerá do modo como a reforma vai ser interpretada e executada pelos operadores jurídicos envolvidos na Justiça Administrativa.

No mesmo sentido, o juiz conselheiro do STA, Carlos Carvalho[48] alerta para o facto de que “a simples e mera mudança da lei de nada valerá se não for posta efetiva e eficazmente em prática de molde a que os tribunais administrativos cumpram o seu duplo desígnio: a defesa da juridicidade do agir administrativo e a proteção dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos em face de eventuais abusos da Administração.”.  

Se a reforma se pode ver como uma alteração necessária é inevitável que no fundo, sem que haja a efetiva criação destes juízos, esta proposta mais não serve que para montar uma encenação -, uma encenação daquelas que seriam as prioridades políticas para o sistema judiciário. Assim, embora de conteúdo globalmente positivo, se esta medida lograr avançar, tal como prevista, mas sem que haja uma proatividade na efetiva criação daqueles e outros juízos que àqueles possam advir, teremos mais uma vez uma reforma incompleta, insuficiente ou até de conteúdo vazio para a realização dos objetivos de modernização, racionalização e agilização da organização do sistema de justiça administrativa.

É verdade que há um avanço ao estabelecer quais os juízos de competência especializada suscetíveis de serem criados, mas sem que seja também aprovado o Decreto-Lei que prevê a sua criação ou outro que amplie os juízos de competência especializada, a prolação da criação destes juízos para momento posterior, não está livre da mora de um novo procedimento legislativo.

Por outro lado, se considerarmos que as patologias supra identificadas face à Justiça Administrativa, correspondem, grosso modo, a graves problemas que já foram identificados em reformas e alterações anteriores, e que agora se repetem, a procrastinação da concretização da opção pela especialização mais do que como uma inovação na justiça administrativa vai surgindo, como um “remendo” para a “fissura” criada na construção do modelo organizativo dos tribunais administrativos.



[1]De facto, conforme identificado pela doutrina, a especialização dos tribunais tende a ser um dado adquirido na organização judiciária, refletindo a crescente segmentação e tecnicidade da vida económica e social e permitindo que a divisão de tarefas conduza a um tratamento mais célere e informado das causas, com isso se elevando a qualidade e os níveis de eficiência da administração da justiça.”[1] In Exposição de Motivos da Proposta de Lei de alteração do ETAF
[2] Podem ainda ser criados Tribunais militares quando decretado o estado de guerra, art. 213.º CRP.
[3] Andrade, José Carlos Vieira de, A Justiça Administrativa (Lições), Almedina, 1998, pp. 24 e ss
[4] Silva, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2.ª Edição, Almedina, 2010 pp. 9 a 51
[5] Acerca da interpretação do principio da separação de poderes pós-Revolução Francesa, Diogo Freitas do Amaral in Curso de Direito Administrativo, vol. I, 3. edição, Almedina, 2006, v. I., pp. 109 e ss.: “com a Revolução Francesa, uma nova classe social e uma nova elite dirigente chegam ao poder. (…) Depois da Revolução, continuando nas mãos da antiga nobreza, [os tribunais] (…) foram focos de resistência à implementação do novo regime, das novas ideias (…). O poder político teve, pois, de tomar providências para impedir intromissões do poder judicial no normal funcionamento do poder executivo. Surgiu assim uma interpretação peculiar do principio da separação dos poderes (…): se o poder executivo não podia imiscuir-se nos assuntos da competência dos tribunais, o poder judicial também não poderia interferir no funcionamento da Administração Pública”.
[6] Andrade, José Carlos Vieira de, A Justiça …, pp. 27 e ss.
[7] Andrade, José Carlos Vieira de, A Justiça …, p. 77
[8] Silva, Vasco Pereira da, O Contencioso …, pp. 182 e ss.
[9] Citação de Vasco Pereira da Silva in O Contencioso Administrativo como “Direito Constitucional Concretizado” ou “Ainda por concretizar”?, Almedina, 1999 e que repete em O Contencioso …, p. 100
[10] Vide em CARVALHO, Carlos, Breves Considerandos em torno da reforma da jurisdição administrativa em debate, in Revista de Direito Administrativo, n.º3, AAFDL Editora, 2018, pp. 37 a 42; parênteses nossos.
[11] Ainda, o juiz conselheiro do STA Carlos Carvalho in Breves Considerandos
[12] Têm sido apontadas diversas causas justificativas: desde a desadequação dos quadros, à carência de recursos humanos e técnicos, sem nos esquecermos da, importante, desadequação da estrutura e organização judiciária em face da complexificação dos litígios e da necessidade de ajustamento às novas realidades. Por outro lado, a ausência de monitorização da evolução dos ritmos de entradas e pendências registados, nomeadamente através de diagnósticos, bem como de uma avaliação, com recurso a metodologias adequadas, do desenvolvimento das reformas; a transferência de juízes, alocados aos tribunais administrativos, para colmatar lacunas na área tributária; a ineficiência do SITAF e ainda um défice de condições necessárias para a entrada em vigor das reformas têm impedido uma eficaz resposta à missão que lhe subjaz.
[13] A questão é igualmente colocada por Ana Celeste Carvalho, in Como é especial a Jurisdição Administrativa e Fiscal … sobre a especialização dos Tribunais Administrativos, Revista de Direito Administrativo, n.º3, AAFDL Editora, relativamente ao tribunal Arbitral de Desporto, criado pela Lei n.º 74/2013.
[14] MARTINS, Lucínio Lopes, Âmbito da jurisdição administrativa no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais revisto, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º106, 2014
[15] Ver PAÇÃO, Jorge, Novidades em sede de jurisdição dos tribunais administrativos […], in Comentários à Revisão do ETAF e CPTA, AAFDL Editora, 2.ª Edição, 2016, p. 186, na parte em que diz que aquelas alterações não representam uma mudança de paradigma
[16] Por exemplo, Maria João Estorninho, Curso de Direito dos Contratos Públicos  e Fernanda Oliveira, Direito do Urbanismo. Do planeamento à Gestão.  
[17] Vide preâmbulo do Decreto-Lei n.º 214-G/2015 quando enuncia que “Por outro lado, o Código de Processo Civil (CPC) foi recentemente objeto de uma reforma profunda, com a qual se impõe harmonizar o CPTA”. E, relativamente à aproximação entre CPTA e CPC vide DAVID, Sofia, A Aproximação e a articulação entre o CPTA e o CPC in Comentários à Revisão do ETAF e CPTA, AAFDL Editora, 2.ª Edição, 2016, pp. 239 a 270
[18] Andrade, José Carlos Vieira de, A Justiça …, pp. 9 e ss.
[19] Sobre os modelos de justiça administrativa, vide José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça … pp. 32 e ss.
[20] Citado por Pedro Rebelo Botelho Alfaro Velez, O Fundamento da Jurisdição Administrativa portuguesa, 5.º Programa de Mestrado e Doutoramento, na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, pag. 37
[21] Perfilhando a definição de relação jurídica administrativa enunciada por Diogo Freitas Do Amaral como "toda a relação entre sujeitos de direito, públicos ou privados, que atuem no exercício de poderes ou deveres públicos, conferidos por normas de direito administrativo”.
[22] Para melhores desenvolvimentos vide Maria João Estorninho, A fuga para o Direito Privado: Contributo para o estudo da atividade de direito privado da Administração Pública, Coimbra, 1996 pp. 190 e ss.
[23] Para além disso, Pedro Velez refere-se também ao facto da Administração ainda se encontrar submetida a vinculações jurídico-públicas pelo que não deixa de ter o seu próprio direito; à impossibilidade de falar numa descaracterização do Direito Administrativo ao ponto de perder a sua autonomia, nomeadamente, quando o privilégio da execução prévia continua a ter consagração expressa. E, ainda que assim não se entendesse,-como Vasco Pereira da Silva quando faz referência à paridade entre o particular e a Administração Pública, na defesa da dogmática do conceito de «relação jurídica»,- a disciplina do processo administrativo enceta um conjunto de regras que ordena um procedimento de tomada de decisão que não se coadunam com as que disciplinam as relações entre particulares. Não quer isto dizer que não possam existir relações tendencialmente paritárias entre Administração e particulares.
[24] Conforme art. 117.º, n.º 5 da Constituição espanhola: “El principio de unidad jurisdiccional es la base de la organización y funcionamiento de los Tribunales. La ley regulará el ejercicio de la jurisdicción militar en el ámbito estrictamente castrense y en los supuestos de estado de sitio, de acuerdo con los principios de la Constitución.”
[25] Sintetizando as diferentes interpretações feitas pela doutrina ao art. 212.º, n.º3 da CRP, José Carlos Vieira de Andrade, Lições …, pp. 14 a 18
[26] Miranda, Jorge, Os parâmetros constitucionais da reforma do contencioso administrativo”, CJA, n.º24, 2000
[27] Primeira proposta apresentada no Pacto para a Justiça – Acordos para o Sistema da Justiça – publicado em janeiro de 2018
[28] O mesmo pode ler-se do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 166/2009, de 31 de julho cujo objeto se fixa na “instituição de juízos de competência especializada fiscal desdobrados em níveis de especialização”, para acompanhar a alteração do modelo de distribuição de competências entre os tribunais judiciais através do desdobramento dos juízes em três níveis de especialização, com a aprovação da Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto – Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais.
[29] Almeida, Mário Aroso de, Manual de processo administrativo, Almedina, 3.ªEdição, 2017, p. 157
[30] Relatório “A justiça e a eficiência: o caso dos tribunais administrativos e fiscais”, pp. 144 a 151, ponderando ainda a possibilidade de transição dos juízes de uma área para a outra
[31] Andrade, José Carlos Vieira de, em A Justiça Administrativa (Lições), Almedina, 1998, pp. 77
[32] A dicotomia incompetência absoluta versus incompetência relativa no contencioso administrativo é a classificação proposta por José Carlos Vieira de Andrade em A Justiça Administrativa (Lições), Almedina, 1998, pp. 162-163
[33] A única exceção são o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa e o Tribunal Tributário de Lisboa, que funcionam de modo desagregado.
[34] Assinalando esse facto, Almeida, Mário Aroso de, in Manual de Processo Administrativo, Almedina, 3.ª Edição, 2017, pp. 192 e ss. uma vez que “à face do critério do art. 212.º, n.º3, da CRP, deve ainda entender-se, ao contrário do que sucedia no passado, que a matéria tributaria ou fiscal se estende (…) a todo o universo das relações jurídicas fiscais, independentemente da forma que revista a respetiva fonte. De igual modo, cfr. Acórdão do TCA Norte de 3 de maio de 2013. Em sentido contrário, de acordo com o anterior ETAF, no Acórdão de 29 de janeiro de 2014, o Plenário do STA vem assumir que do art. 49.º ETAF resulta que os tribunais administrativos são “uma espécie de Tribunal comum da jurisdição administrativa” vocacionado para julgar litígios que não são expressamente atribuídos à competência dos tribunais tributários. O mesmo equivalia a falar na competência residual dos tribunais administrativos.
[35] vide o Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de março
[36] Ainda no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de março
[37] Cunha, António A. Vieira da, A Especialização dos Tribunais Judiciais (Ou das suas secções) na Lei da organização do sistema judiciário e no diploma que a regulamenta, in JULGAR, n.º27, 2015 que, em matéria de especialização dos tribunais não houve uma diferença significativa em relação aos diplomas anteriores. O que se verificou foi, sobretudo, um reforço das unidades judiciais especializadas no território nacional. Em especial, no que respeita às secções de família e menores, de instrução criminal e às secções de comércio registou-se um grande alargamento da cobertura do território por secções (verdadeiramente especializadas) dos tribunais de comarca.
[38] Maiores desenvolvimentos em Amaral, Jorge Augusto Pais de, Direito Processual Civil, Almedina, 12.º edição, 2016, pp. 168 e ss.;
[39] A par destas, julgam também as deliberações do Conselho Superior de Magistratura (art. 47.º/2 LOSJ).
[40] Almeida, Mário Aroso de, Manual de …, pp. 196 e 197;
[41] Silva, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo ...pp. 182-184 e 235 refere-se a um resquício das patologias do «trauma de uma infância difícil» que carateriza o Contencioso Administrativo;
[42] Vide também, por exemplo, no art. 55.º, al. b) e c) da LOSJ, a atribuição de competência às seções do STJ para julgar as ações propostas contra juízes do STJ e TR’s e magistrados do Ministério Público que exerçam funções junto destes tribunais, bem como processos por crimes da sua autoria. Por sua vez, também as secções do TR são competentes, por força do art. 73.º LOSJ para “b) Julgar as ações propostas contra juízes de direito e juízes militares de primeira instância, procuradores da República e procuradores-adjuntos, por causa das suas funções;” e 
“c) Julgar processos por crimes cometidos pelos magistrados e juízes militares referidos na alínea anterior e recursos em matéria contraordenacional a eles respeitantes”.
[43] A área de competência dos tribunais da Relação é definida nos termos do anexo i à LOSJ, de onde resulta que existem cinco Tribunais da Relação, sitos em  Lisboa, Porto, Évora, Coimbra e Guimarães.
[44] Com o intuito de aproximar a Justiça dos cidadãos, a Lei n.º 40-A/2016, de 22 de dezembro procedeu à alteração da LOSJ. Uma das alterações introduzidas foi precisamente retomar a terminologia de «juízo». Passando, em suma, as instâncias centrais, as instâncias locais, as secções de família a menores e as secções de trabalho a designarem-se por juízos centrais cíveis, juízos locais cíveis, juízos centrais criminais, juízos locais criminais, juízos locais de pequena criminalidade, juízos de família e menores e juízos do trabalho, respetivamente.
[45] Para conhecer da competência de cada um vide os arts. 130.º, 117.º, 130.º, 118.º, 130.º n.º4, 119.º, 122.º, 126.º, 128.º e 129.º, todos da LOSJ, respetivamente. 
[46] Para análise sintética dos possíveis modelos de especialização judiciária vide Oliveira, António Mendes, no comentário à Reforma JAF, in Revista de Direito Administrativo, n.º 3, AAFDL Editora, pp. 26 e ss.
[47] Silva, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo ...pp. 234
[48] CARVALHO, Carlos, Alterações ao Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, in Comentários à revisão do ETAF e CPTA, AAFDL Editora, 2.ªediçao, 2016, pp. 159 e ss.



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Bárbara Maria de Melo Alexandre, n.º26265 

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