A jurisdição administrativa e fiscal enfrenta
uma fase de mutação com elevada importância para a concretização do direito
fundamental de tutela jurisdicional efetiva, em tempo útil e com melhor
qualidade de resposta, art. 20.º e 268.º, n.º4 CRP. No cumprimento deste
desígnio recai sobre o Estado um dever de promover e facilitar as condições de
acesso à justiça, eliminando as entropias do seu funcionamento. Uma das questões
discutidas é precisamente a reforma do contencioso administrativo atento o
princípio da especialização[1].
Mas antes de partir para uma análise concreta há que fazer um ponto prévio da
questão em debate.
Enquanto Estado de direito democrático, a
República Portuguesa baseia-se no princípio da separação de poderes, art. 2.º
CRP. E, dos três poderes que dele emanam, a função jurisdicional é reservada
aos tribunais nos termos do art. 202.ºCRP. Existem, com efeito, na ordem
jurídico-constitucional portuguesa, as seguintes categorias de tribunais:
Tribunais judiciais, Tribunais administrativos, Tribunal de
Contas, Tribunal Constitucional, Tribunais arbitrais e julgados de paz; de
acordo com o art. 209.º CRP[2].
No
que agora nos concerne, a Constituição da República Portuguesa estabelece uma dualidade de jurisdições no n.º1 do seu
art. 209.º: a ordem jurisdicional civil, al. a), de competência residual face
às demais; e a ordem jurisdicional administrativa e fiscal, al. b), encarregue
de “dirimir os litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e
fiscais”, art. 213.º, n.º3 CRP e art. 4.º, n.º1, al. o) ex vi art. 1.º ETAF. Em relação a esta, o nosso estudo
circunscreve-se apenas à justiça administrativa em sentido restrito, - através de um critério orgânico associado a um critério material[3]-,
pese embora “uma relativa unidade de jurisdição entre a justiça administrativa
e a fiscal”.
Todavia
nem sempre assim foi. O contencioso administrativo é relativamente recente face
ao Processo Civil. A autonomia do contencioso Administrativo encontra-se intimamente
ligada a uma sentença proferida pelo Tribunal de Conflitos francês em 1873. –
Acórdão Agnes Blanco. Em causa está a apreciação de um pedido de indemnização
devida pelo atropelamento de uma criança de 5 anos por um vagão do serviço público.
O Tribunal a quo acaba por proferir
decisão na qual atribui competência para julgar o litígio à ordem
administrativa e da qual resulta expressa necessidade de criar um conjunto de
normas aplicáveis à Administração.
O professor Vasco Pereira da Silva refere-se,
a propósito, aos traumas de uma Infância
difícil[4], “marcada por um “pecado original” de
ligação da Administração à Justiça”. No
período pós-Revolução Francesa, a conceção distorcida do princípio da separação
de poderes e a desconfiança perante o poder (nobiliárquico) judicial[5] favoreceram a criação de
uma Administração dotada de privilégios exorbitantes e excluída de qualquer
controlo pela ação dos tribunais comuns. O contencioso administrativo surgiu,
então, por meio de criação de órgãos administrativos especiais para garantir a
defesa dos poderes públicos.
Com
o advento do Estado Social, fala-se já no «milagre» da jurisdicionalização do
contencioso administrativo com a expressa consagração da jurisdição
administrativa e transformação de normas e instituições criadas para proteger a
Administração em instrumentos de garantia dos particulares perante o poder
administrativo. A elevação a nível constitucional da autonomia da jurisdição
administrativa carecia, contudo de concretização pelo legislador. Esta confirmação do contencioso
administrativo – numa dupla dimensão: subjetivista e jurisdicional – viria a
ser realizada, em primeiro lugar ao nível do Direito Constitucional.
Por
isso, para Vieira Andrade “a evolução do contencioso administrativo deu-se [em
Portugal] (…) a partir de um modelo administrativista mitigado (…) para um
modelo judicialista puro de competência especializado”[6]. O
primeiro passo na construção desse modelo foi dado com a transferência, pelo Decreto-lei n.º 250/74,
de 12 de junho, dos tribunais administrativos da Presidência do Conselho de
Ministros para o Ministério da Justiça. A Constituição de 1976 veio reservar
aos tribunais a função jurisdicional. No entanto, só com a revisão constitucional
de 1989 foi definitivamente reconhecida, no plano constitucional, uma ordem
judicial que congrega uma "categoria própria de tribunais, separada dos
ditos tribunais judiciais”[7]
a quem compete a jurisdição comum em matéria administrativa e fiscal.
Ao
contrário dos demais países europeus, a história do contencioso administrativo
português suprime uma das etapas do processo administrativo, aglutinando num só
movimento de constitucionalização -, o
de 1976 - a fase do «batismo» e da
«confirmação»[8].
Modelo que apenas com a Reforma de 2004 viria a encontrar adequada
concretização legislativa e jurisprudencial, através da consagração de um
sistema de normas processuais. Até então a discrepância entre a Constituição e
a realidade constitucional era de tal ordem, “que valia a pena perguntar se o
Contencioso Administrativo era «direito constitucional concretizado» ou «ainda
por concretizar»?”[9]
Desde
então o contencioso administrativo tem evoluído muito, quer em termos
orgânico-quantitativos quer em termos processuais e garantísticos. Do ETAF de
1984, aprovado pelo Decreto-Lei n.º129/84, de 27 de abril ao ETAF de 2002,
aprovado pela Lei n.º13/2002, de 19 de fevereiro, com as alterações
introduzidas até ao Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro deu-se a
“passagem de uma estrutura de tribunais administrativos de 1.ªInstância de
apenas 3 para, hoje, 16 [art. 3.º, n.º1 do Decreto-Lei n.º 325/2003 ex vi o n.º1 do art. 39.º ETAF], de
apenas um tribunal central administrativo para dois [art. 31.º, n.º1 ETAF]; e
de pouco mais de 26 juízes em 1.ª instancia para, hoje um total de 176”[10].
De
um ponto de vista analítico, nos últimos 20 anos “assistimos (…)a uma mudança
de paradigma (…) nalguns casos diria de forma quase radical, com o alargamento
dos meios e formas de processo (e) um constante alargamento do âmbito da
jurisdição administrativa”[11]. Alterações que,
progressivamente, aumentaram a tecnicidade dos processos e estabeleceram curtos
prazos de adaptação para a aplicação de novos regimes jurídicos e novos institutos
de direito.
Com
efeito, assiste-se a uma cada vez maior complexificação dos litígios, ao mesmo
tempo que a generalização do direito de acesso à Justiça Administrativa com
reforço do princípio da tutela jurisdicional efetiva e a dispersão territorial
da rede de tribunais permitiram uma maior visibilidade social destes tribunais,
com repercussões óbvias no número de processos e no, respetivo, efeito
mediático. Criou-se, portanto, uma conjuntura favorável à preponderância
crescente destes tribunais na regulação da vida social. No entanto, os
objetivos que subjazem à Justiça Administrativa estão longe de ser
alcançados.
Ocorre
que, pese embora as mudanças que se têm observado, principalmente desde os anos
2000, a Justiça Administrativa é conhecida pela elevada morosidade na
tramitação e julgamento de várias das espécies previstas, e pelas elevadas
pendências que se vão acumulando[12]. Ainda em setembro
passado, a ministra da Justiça Francisca Van Dunem revelou que existiam 72 mil
processos pendentes nos tribunais administrativos há mais de cinco anos. Em
dezembro de 2016, 16,5% dos processos tinham entrado, também, há mais de 5
anos, enquanto 4,2% esperavam uma primeira decisão há já 8 anos; se lhes
somarmos os anos que, em caso de recurso, ainda aguardam em tribunais
superiores, a tutela do direito de acesso aos tribunais e a uma decisão em
prazo razoável, consagrado no art. 20.º da CRP, n.ºs 1 e 4, respetivamente, parece
altamente questionável.
Foi
precisamente a “falta de meios humanos que cronicamente carateriza a jurisdição
administrativa e fiscal, decorrente da falta de prioridade política dos
sucessivos governos em relação à Jurisdição Administrativa e Fiscal e primazia
dada à magistratura judicial e, mais recentemente, à magistratura do Ministério
Público”, que levou à criação, p.e., do Tribunal da Concorrência, Regulação e
Supervisão, através da Lei n.º 46/2011, de 24 de junho, fora da jurisdição
administrativa, ainda que seja, manifestamente, competente para a apreciação de
litígios jus-administrativos envolvendo entidades administrativas[13]. Numa recente exposição, a
juíza desembargadora do TCAS, Ana Celeste Carvalho, vem apontar a necessidade
de repensar o papel daquele que deveria ter sido o primeiro tribunal
administrativo especializado, fora da jurisdição administrativa.
Na
tentativa de superar os desafios colocados e de forma a cumprir a função
primordial de proteção judicial plena e efetiva dos direitos dos particulares,
art. 268.º, n.º 4 e 5 CRP foi publicado o DL n.º 214-G/2015, de 02 de outubro,
que introduziu uma série de alterações ao CPTA e ao ETAF, muitas das quais de
harmonização do contencioso administrativo com o NCPC.
Malgrado os progressos feitos em matéria de
alargamento do âmbito material da jurisdição administrativa, tal como resulta
do art. 4.º, n.º1 do ETAF ex vi art. 1.º, e das novidades clarificadoras e
sistematizadoras[14],
a Reforma de 2015 revelou-se substancialmente neutra[15] em matéria de
especialização da organização judiciária administrativa. Desde 2002 que se
prevê no, atual, art. 9.º, n.º7 do ETAF a possibilidade de especialização da
Justiça Administrativa através da criação de secções especializadas ou
tribunais especializados, mediante decreto-lei. Continuou por isso “a
verificar-se um défice de especialização” seja no que respeita à criação de tribunais
especializados seja quanto à autonomização e especialização da carreira dos
juízes dos TAF em relação aos dos tribunais judiciais.
Precisamente,
na exposição de motivos da Proposta de Lei de alteração do ETAF, em análise,
consta que “a necessidade de especialização surge da constatação do elevado
volume de processos em determinadas áreas e visa, através da criação de
estruturas jurisdicionais dedicadas, alcançar melhor qualidade de resposta,
constituindo uma medida determinante para combater o aumento exponencial das
pendências nessas áreas.” As áreas a que se reporta são, em regra, aquelas para
as quais têm vindo a ser criados regimes jurídicos especiais, e sobre as quais
tem havido específico desenvolvimento doutrinário[16]: contratação pública,
urbanismo, ambiente, responsabilidade civil extracontratual, emprego público.
À
medida que a verosimilhança jurídico-processual entre a Justiça civil e a
administrativa matura, seja através da aproximação ao NCPC[17] ou da ampliação do âmbito
de jurisdição, o percurso para essa aproximação encontrar consagração expressa
na lei e concretização na prática parece longínquo e difícil de alcançar. Se
algo resulta da Reforma de 2015 a este nível é uma evidente necessidade de
aproximação à jurisdição civil, com a criação de tribunais especializados
capazes de dotar as sentenças administrativas de maior celeridade e qualidade.
Será
justamente esse o ponto de partida desta análise e cujo comentário procuramos tecer.
Para tanto, de uma forma abstrata e
com fins puramente pedagógicos, partimos da ideia de que quanto à jurisdição
administrativa pode, ab initio,
falar-se em três níveis de especialização: (a) tribunais judiciais e tribunais
administrativos; (b) tribunais administrativos e tribunais fiscais; e, (c)
diferentes espécies de tribunais administrativos. O primeiro permite, a partir
de um critério material ou substancial[18], afirmar a autonomia da jurisdição
administrativa face aos tribunais judiciais. Como já se mencionou supra, o legislador nacional optou por
estabelecer uma dualidade de jurisdições. Por isso, falar-se numa ordem
jurisdicional autónoma é a nosso ver a opção mais correta.
Os
motivos que subjazem à criação de uma jurisdição administrativa autónoma
acompanham a própria história do surgimento do contencioso administrativo. Ora
vejamos, em primeiro lugar estes tribunais surgem à luz do princípio segundo o
qual juger l’Admistration c’est encore
administrer, para a assegurar a separação de poderes. Assim, estaria vedado
ao juiz, terceiro em relação à Administração, apreciar litígios no âmbito
administrativo. Tese que viria a cair com a plena jurisdicionalização da
justiça administrativa.
Apontou-se
depois para uma natural projeção
institucional da diferença de natureza entre Justiça administrativa
(resolução de controvérsias jurídico-públicas) e Justiça ordinária (para as
restantes), partindo da ideia que aquela tem subjacente um sistema objetivista,
assente no controlo da legalidade do agir administrativo. A contrario, a jurisdição ordinária era um instrumento de tutela do
interesse individual. Todavia, por influência do modelo alemão do pós-guerra viria a acentuar-se também um pendor
subjetivista do processo administrativo, associado à ideia da proteção jurídica
efetiva dos administrados[19]. Os tribunais passariam a
proteger os particulares da violação de direitos subjetivos, independentemente
da prática de atos administrativos lesivos.
Finalmente,
pode conceber-se a existência de uma jurisdição independente e separada como
corolário do princípio da especialização. Isto na medida em que como nos diz
Domingos Vital[20],
“os princípios de direito público, dominados pela ideia de serviço público, são
diversos dos princípios de direito comum, do direito privado”, pelo que exigem
“uma tournure de espírito diversa da
exigida pelo contencioso civil”. Entendemos, de igual modo, que a prossecução
de um direito ou interesse público legalmente previsto depende, muitas vezes,
do exercício de um poder público, por uma entidade pública ou privada, e, que
nesses casos, podemos estar perante controvérsias que, pela sua especificidade,
exigem a aplicação de normas e de princípios de natureza distinta[21]. Em termos práticos
significa juízes que possam ter conhecimento exato do direito administrativo,
do funcionamento dos serviços públicos e da prática administrativa. Sendo certo
que os tribunais civis não têm essa aptidão.
Este
entendimento está, no entanto, como sugere Pedro Velez, onerado com duas
objeções. Nos últimos anos, tem-se assistido ao esbatimento da summa divisio Direito Público/Direito
Privado em virtude de múltiplos fenómenos de miscigenação a que Maria João Estorninho se refere como a «fuga do
direito administrativo para o Direito privado»[22]. Sem embargo, trata-se de
acontecimentos marginais, atinentes a áreas determinadas, como a da contratação
pública, sem que daí possa resultar uma perda de identidade do Direito
Administrativo[23].
A
segunda objeção, parte dos sistemas de jurisdição una, como Espanha ou Brasil[24], orientados por um
principio de unidade jurisdicional, para evidenciar a desnecessidade da consagração
de um tribunal autónomo, sem pôr em causa o princípio da especialização.
Contudo, um sistema de jurisdição única importa o risco de permeabilidade de
juízes, sem qualquer formação específica em contencioso administrativo, virem a
resolver litígios que exigem maior grau de complexidade em razão da própria
natureza.
Não
obstante, em 1989, quando o legislador constitucional introduziu o preceito do
art. 212.º, n.º3 CRP, fê-lo com o propósito de consagrar uma jurisdição própria
e não uma jurisdição especial face aos tribunais judiciais. Para tanto,
delimitou a competência daqueles tribunais para os casos em que os litígios
versem sobre «relações jurídicas administrativas e fiscais», critério que é
concretizado no atual art. 4.º ETAF, e a partir do qual parece-nos evidente que
a intenção é a de estabelecer um âmbito-regra
da jurisdição administrativa. O mesmo é dizer que os tribunais
administrativos são os “tribunais comuns
em matéria administrativa”[25].
A
partir da revisão constitucional de 1989 “em vez de unidade da magistratura, a Constituição
divide os juízes em dois corpos: o dos tribunais judiciais e o dos tribunais
administrativos. (…), admitem-se estatutos diferenciados (…) [e] dois Conselhos[26]”. Mário Aroso de Almeida
evidencia, a propósito, a dicotomia nos arts. 210.º e 211.º face ao 212.º da
CRP. Não nos parece, portanto, ser sequer plausível de equacionar o Estudo da unificação da jurisdição comum com
a jurisdição administrativa e fiscal, criando uma ordem única de tribunais, um
único Supremo Tribunal e um único Conselho Superior da Magistratura Judicial[27].
Várias
são, por isso, as razões pelas quais se torna imperioso dotar a jurisdição
administrativa de uma estrutura e organização mais especializada que lhe
permita quer reafirmar a sua autonomia, quer trazer para o seu âmbito todos os
litígios que correspondam ao âmbito administrativo, numa lógica de paridade entre jurisdições.
A
organização judiciária administrativa, art. 209.º, n.º1, al. b) da CRP, vem
regulada no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei
n.º13/2002, de 19 de fevereiro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei
n.º 214-G/2015. Desse modo, o ETAF procede à distribuição de competências dos
tribunais optando por constituir duas categorias distintas de tribunais – os
administrativos e os fiscais – sujeitos a diferentes secções. Destarte, “na
jurisdição administrativa e fiscal existe um nível mínimo de especialização,
uma vez que, ao nível da 1.ª Instância está já prevista uma divisão entre
matéria administrativa e fiscal.”[28]
Assim,
tal como sucede nos tribunais especializados da jurisdição civil: criminais, de
trabalho, de comércio ou de família e menores, no seio dos tribunais judiciais,
a contraposição entre tribunais administrativos e tribunais fiscais assenta no
critério de diferenciação em razão da matéria, em sentido restrito[29],
fazendo corresponder as matérias de Direito Administrativo aos primeiros e
de Direito Fiscal aos últimos. Aqueles tribunais “organizaram-se para um acolhimento interno diferenciado dos processos
que competem a uma e outra área (…) [sendo que] (…) a organização diferenciada
justifica também a análise em separado de uma e de outra área”[30].
Apenas
os tribunais administrativos serão objeto do nosso estudo, como sub-ordem judicial autónoma[31],
cuja competência se fixa no momento da propositura da ação, em razão da
jurisdição, da matéria, da hierarquia e do território. Esta distinção é
relevante na medida em que apenas em caso de incompetência absoluta, i.e., em razão da jurisdição – fala-se em
conflitos de jurisdição - determina a absolvição do réu, nos termos do art.
14.º, n.º2 do CPTA, caso não solicite a remessa do processo. Nos outros casos,
em que o tribunal não é competente em razão da matéria, hierarquia ou
território – casos de incompetência
relativa[32]
- o n.º1 do art. 14.º do CPTA vem dizer-nos que o processo é oficiosamente
remetido ao tribunal competente.
Ao
nível hierárquico, os tribunais administrativos repartem-se em três níveis diferentes conforme resulta do art. 8.º do
ETAF. O órgão hierarquicamente superior é
o Supremo Tribunal Administrativo nos termos do art. 212.º, n.º1 CRP, com
jurisdição em todo o território nacional, art. 11.º, n.ºs 1 e 2 do ETAF e sede
em Lisboa, art. 1.º, n.º1 do DL n.º 325/2003. O STA pode funcionar por secções,
art. 12.º, n.º1 e 2 ETAF - uma secção de
contencioso administrativo, art. 24.º do ETAF, dotada de competência material
em 1.ª Instancia relativamente a alguns processos, e outra de contencioso
tributário - ou em plenário, art. 28.º e ss. do ETAF.
O
segundo nível é preenchido pelos Tribunais Centrais Administrativos, art. 31.º
e ss. do ETAF. Atualmente, conforme resulta do n.º1 do art. 31.º, existem dois
TCA’s – o TCA Sul e o TCA Norte – cujas jurisdições são determinadas pelo art.
2.º, n.ºs 1 e 2 do DL n.º 325/2003. À semelhança do STA, “cada tribunal central administrativo
compreende duas seções, uma de contencioso administrativo, cuja competência vem
regulada no art. 37.º, e outra de contencioso tributário.”, art. 32.º, n.º1 do
ETAF.
Por
fim, a apreciação de processos em matéria
administrativa, em primeiro grau de jurisdição, cabe aos tribunais
administrativos de círculo, - TAC’s - art. 39.º e 44.º do ETAF, quando não
esteja reservada aos tribunais superiores. Todo modo, estes tribunais tendem, a
funcionar de modo agregado com os tribunais tributários, assumindo a designação
de tribunais administrativos e fiscais – TAF’s, como vem previsto no n.º2 do
art. 9.º ETAF e 3.º, n.º3 do DL n.º 325/2003 -, sem que se comprometa a
identidade de cada um destes ramos[33]. A posição sufragada é a
de Mário Aroso de Almeida, quando nas suas lições perfilha de uma interpretação
restritiva do art. 44.º do ETAF[34], com a nova redação dada
pela revisão de 2015, assente na correlatividade entre o critério do art.
212.º, n.º3 da CRP e o direito a uma tutela jurisdicional efetiva, quer em
matéria administrativa quer em matéria fiscal.
Já
quanto à ordem jurisdicional civil, a história mostra-nos um paradigma
diferente. A estrutura é superficialmente “igual”, na medida em que também os
tribunais judiciais se encontram organizados em três níveis hierárquicos. Contudo,
à medida que esventramos o sistema judiciário apercebemo-nos de diferenças
substancias – a mais importante, relativa à distribuição da competência em
razão da especialização da matéria.
Ora,
a organização da jurisdição civil é, no essencial, regulada na Lei nº 62/2013,
de 26 de Agosto, com todas as alterações introduzidas até à Lei n.º 23/2018, de
5 de junho - Lei da Organização do Sistema Judiciário [LOSJ], - e é regulamentada
pelo Decreto-Lei nº 49/2014, de 27 de março - Regime Aplicável à Organização e
Funcionamento Dos Tribunais Judiciais [ROFTJ]. A LOSJ promoveu a reorganização
da divisão judiciária do território português assente em três pilares
fundamentais[35],
de entre os quais “a instalação de jurisdições especializadas”.
A
própria exposição de motivos que acompanhou a Proposta de lei que deu origem à
LOSJ apostava fortemente na maior especialização da oferta judiciária para
“melhorar o funcionamento do sistema judicial e alcançar uma prestação de
justiça de qualidade (…) dotando todo o território nacional de jurisdições
especializadas, pretendendo-se, assim, proporcionar uma resposta judicial ainda
mais flexível e próxima das populações”[36][37].
Nos
termos ora enunciados, a competência reparte-se pelos tribunais judiciais
segundo a matéria, o valor, a hierarquia e o território, art. 37.º, n.º1 LOSJ
atento o momento em que a ação se propõe, art. 38.º LOSJ. Ao contrário do que
acontece no contencioso administrativo a dicotomia entre incompetência
absoluta, - em razão da matéria e da hierarquia, vide arts. 96.º e 99.º CPC – e, a incompetência relativa dos
tribunais – quando o seja em razão do valor ou do território, art. 102.º a
105.º CPC vem expressamente fixada naquele Código. Ambas constituem exceção
dilatória, arts. 577.º, al. a) ex vi 576.º, n.º1 e 2 CPC, podendo dar lugar à
absolvição do réu da instância, art. 278.º, n.º1 CPC, exceto quando haja
sanação da incompetência com a remessa do processo, art. 278.º, n.º2; e, ambas
podem ser arguidas pelas partes. Contudo, enquanto as primeiras devem ser de
conhecimento oficioso, nas segundas o conhecimento oficioso é uma exceção à
regra de que o seu conhecimento está dependente da arguição pelo réu[38].
Os
tribunais judiciais dividem-se, à semelhança dos administrativos, em três
instâncias, v.g. arts. 29.º, n.º1, al. a) LOSJ e art. 209.º, n.º1, al. a) CRP. Começando
pelo órgão superior, art. 31.º LOSJ, o Supremo Tribunal de Justiça [STJ], com
sede em Lisboa, tem jurisdição sobre todo o território nacional, art. 45.º
LOSJ. Segundo o art. 48.º, n.º1 LOSJ, este tribunal funciona em plenário, em
pleno de secções especializadas e por secções. Essas secções são de três
espécies e vêm descriminadas no art. 47.º, n.º1: matéria cível, matéria penal e
matéria social[39].
As primeiras julgam matéria não atribuída às outras duas; as penais julgam
matéria criminal e as sociais, julgam, em geral, matéria laboral, art. 54.º,
n.º1 LOSJ.
A
querela entre as jurisdições civil e administrativa estabelece-se, a propósito,
dos diferentes planos da hierarquia[40]. Os juízes
administrativos do STA, embora apreciem de recursos de decisões de tribunais
inferiores, proferem, muitas vezes, decisões em primeiro grau de jurisdição[41], não em razão da
especialização mas da hierarquia. Não se trata, por isso, em regra, de uma
hierarquia regular, mas de um terceiro plano da hierarquia. No STJ a realidade
é outra. Ainda que, por exemplo, ao pleno de secções seja atribuída competência
para julgar as altas individualidades nacionais pelos atos praticados no
exercício das suas funções (art. 53.º, al. a) LOSJ)[42], a competência
por excelência do STJ, sem prejuízo da uniformização de jurisprudência, reside
na apreciação de decisões de instâncias inferiores. Fala-se a propósito de hierarquia stricto sensu ou de uma competência
funcional.
Outra contraposição merece lugar.
Desta vez, a propósito da especialização e isto na medida em que, enquanto na
Justiça administrativa se discute a possibilidade de introduzir um nível de
especialização na primeira instância, na jurisdição civil a distribuição de
competências em razão da especialidade da matéria está já consagrada ao nível
dos órgãos judiciais superiores. Desde a década de 90 que o estudo relativo à
organização e ao funcionamento dos tribunais judiciais tem merecido especial
ênfase.
Neste
sentido, também os Tribunais da Relação[43], tribunais de segunda
instância da jurisdição civil, arts. 29.º, n.º2, 32.º e 67.º, n.º1 LOSJ, podem funcionar em secções especializadas,
art. 32.º, n.º3 LOSJ. A própria lei estabelece no n.º2 do art. 67.º LOSJ que os
TR funcionam em plenário ou por secções. Não obstante, à exceção das secções em
matéria cível e penal, “a existência das secções social, de família e menores,
de comércio, de propriedade intelectual e de concorrência, regulação e
supervisão depende do volume ou da complexidade do serviço e são instaladas por
deliberação do Conselho Superior da Magistratura, sob proposta do presidente do
respetivo tribunal da Relação”, art. 67.º, n.º3.
Finalmente,
no primeiro nível de jurisdição encontram-se os Tribunais judiciais de primeira
instância, art. 33.º LOSJ, que incluem os tribunais de competência alargada e
os tribunais de comarca. No território nacional existem ao todo 23 comarcas (v.g. anexo ii à LOSJ e art. 64.º e 66.º
e ss. ROFTJ), sendo que em cada uma
existe um tribunal de 1.ª instância, v.g.
n.º2 e 3 do art. 33.º. Daí que se diga que os tribunais de 1.ª instância
são, em regra, tribunais de comarca,
art. 29.º, n.º3 e 79.º da LOSJ.
Posto
isto, os tribunais de comarca desdobram-se em juízos[44],
que podem ser de competência especializada, de competência genérica e de
proximidade, art. 81.º, n.º1 e 130.º da LOSJ. De competência especializada
podem ser criados, nos termos do n.º3 do art. 81.º da LOSJ, juízos centrais
cíveis, juízos locais cíveis, juízos centrais criminais, juízos locais
criminais, juízos locais de pequena criminalidade, juízos de instrução
criminal, juízos de família e menores, juízos de trabalho, juízos de comércio e
juízos de execução[45]; prevendo-se ainda, no
n.º4, a possibilidade de serem criados juízos especializados mistos. Em rigor
não se trata de verdadeiros tribunais especializados, mas do desdobramento dos
tribunais comarca, da Relação ou Supremo em juízos e secções.
Nos
tribunais de comarca, as secções criminais, de instrução criminal, família e
menores, trabalho, comércio e execução são, efetivamente aquelas que podem ser
criadas nas instâncias centrais recorrendo a um critério da competência
especializada em razão da matéria. A par destas, ainda na 1.ª Instância pode
falar-se na especialização dos tribunais de competência territorial alargada,
como sejam, o Tribunal de Propriedade Intelectual, o Tribunal da concorrência,
regulação e supervisão, o Tribunal marítimo e o Tribunal de execução de penas e
o Tribunal Central de Instrução Criminal, regulados nos arts. 111.º, 112.º,
113.º, 114.º e 116.º da LOSJ, respetivamente.
Ora,
parece-nos evidente que a introdução da especialização deve, numa primeira
fase, ser pensada apenas ao nível da 1.ªInstância, para que se possa daí fazer
uma correta observação analítica dessa experiência. Porém, para que seja feita
uma análise comparística correta do nível de especialização nos dois sistemas,
é necessário fazer a comparação entre níveis iguais de especialização, ou seja,
quanto à jurisdição administrativa a análise não pode ser feita a partir da
contraposição entre matéria administrativa e fiscal, mas antes, ao nível de uma
“subespecialização” dos TAC’s. O que a reforma, em debate, visa é a
concretização dessa especialização, prevendo a criação de juízos
administrativos especializados [mas sem proceder à sua concreta criação!].
Note-se
então que a organização judiciária tem optado por implementar o modelo do juízo (/secções) especializado[46],
evitando os riscos que avultam da demora na implementação de um verdadeiro
tribunal especializado ou na dotação do sistema de uma estrutura especializada de
suporte ao juiz especializado, ao mesmo tempo que beneficia da flexibilidade e
ajustabilidade na determinação do respetivo âmbito de competência ou na sua
criação e extinção.
Para
tanto, a reforma em curso prevê maior desenvolvimento da opção que resultava já
do art. 9.º, n.º7 do ETAF, revogando aquele n.º7 e alterando os n.ºs 4, 5 e 6
daquele artigo. Foram analisadas as áreas com maior volume processual,
relativamente às quais o desdobramento dos tribunais, seria a princípio, essencial para combater o
aumento exponencial das pendências e para assegurar uma resposta mais adequada,
mais uniforme e mais eficiente. Na redação agora proposta, resulta do n.º5 do
art. 9.º ex vi n.º4, por isso, a
possibilidade de criação de um: a) juízo administrativo comum; b) juízo
administrativo social; c) juízo de contratos públicos; e, d) juízo de
urbanismo, ambiente e ordenamento do território.
Havendo
desdobramento dos TAC’s em juízos de competência especializada, o âmbito de
competência de cada um daqueles tribunais será previsto no art. 44.º-A - [Competência
dos juízos administrativos especializados] - que se propõe aditar e mediante o
qual se fica a saber que compete (a) “Ao juízo administrativo comum conhecer de
todos os processos do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal que incidam
sobre matéria administrativa e cuja competência não esteja atribuída a outros
juízos de competência especializada (…)”; (b) “ao juízo administrativo social,
conhecer de todos os processos relativos a litígios em matéria de emprego
público e da sua formação, ou relacionados com formas públicas ou privadas de
proteção social, exceto os relativos ao pagamento de créditos laborais por
parte do Fundo de Garantia Salarial”; (c) “ao juízo de contratos públicos,
conhecer de todos os processos relativos à validade de atos pré-contratuais e
interpretação, à validade e execução de contratos administrativos ou de
quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre
contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras
entidades adjudicantes, e à sua formação (…)”; e, (d) “ao juízo de urbanismo,
ambiente e ordenamento do território, conhecer de todos os processos relativos
a litígios em matéria de urbanismo, ambiente e ordenamento do território
sujeitos à jurisdição administrativa, e das demais matérias que lhe sejam
deferidas por lei”.
Nesta
matéria a dificuldade, já apresentada no Relatório do Observatório Permanente da Justiça, Justiça e Eficiência: O caso dos tribunais administrativos e fiscais,
coloca-se na tónica da ausência de uma escala suficiente, mesmo nos maiores
tribunais, que justifique a criação desses juízos especializados. A maioria dos
entrevistados realçam, nessa matéria, a fuga para a arbitragem, tida como mais
célere e eficiente. Para além disso, as opiniões divergem quanto às matérias
que deveriam constituir especialização. Neste parâmetro, a maior unanimidade verifica-se
quanto à necessidade de juízos especializados em matéria de contratação
pública.
A alternativa advém da
nova redação do art. 9.º, n.º 6, no qual se estabelece a possibilidade de
criação de juízos de competência especializada administrativa de jurisdição
alargada, por decreto-lei, em função da complexidade e volume de serviço. Neste
sentido, surge junto com a Proposta de Lei de alteração do ETAF, a proposta de
Decreto-Lei que procede à criação de juízos de competência especializada, art.
1.º do DL, e, na qual, atento o volume processual nas áreas de competência dos
juízos especializados se prevê a “criação dos juízos de competência
especializada administrativa de contratos públicos nos tribunais
administrativos de círculo de Lisboa e do Porto, com jurisdição alargada sobre
as áreas de jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais limítrofes”.
Conforme disposto nos arts. 2.º e
ss. do DL, os Tribunais Administrativos e Fiscais passa a integrar, em matéria
administrativa, um (a) Juízo administrativo comum e um (b) Juízo administrativo
social. Por sua vez, para o TAC de Lisboa prevê-se, para além daqueles, ainda “um
juízo de contratos públicos, com jurisdição alargada sobre o conjunto das áreas
de jurisdição atribuídas aos Tribunais Administrativos de Círculo de Almada,
Lisboa e Sintra”, art. 2.º, n.º2. A outra exceção resulta do art. 12,º, n.º2,
quando prevê, também para o TAF do Porto a criação de um “juízo de contratos
públicos, com jurisdição alargada sobre o conjunto das áreas de jurisdição
atribuídas aos Tribunais Administrativos de Círculo de Aveiro, Braga, Penafiel
e Porto”.
No que se refere ao STA, o
aditamento de um n.º3 ao art. 14.º do ETAF passaria a consagrar a hipótese de serem
criadas subsecções especializadas em função da matéria. O mesmo valerá para os
TCA’s, desta feita com o aditamento de um n.º3 ao art. 32.º, em relação aos
quais se prevê a possibilidade de criação de subsecções especializadas.
Em face da exposição supra retiramos algumas ilações. A
primeira delas não pode deixar de ser a de um balanço globalmente positivo que
se faz desta proposta de alteração ao Estatuto dos Tribunais Administrativos e
Fiscais. Não descoramos contudo da existência de algumas objeções que se
poderão insurgir contra a solução. Desde logo, e a que parece mais evidente,
prende-se com a possibilidade de emergência de conflitos entre as secções
especializadas, nomeadamente não estando previsto qualquer critério de
desempate. Depois, p.e., como já foi referido, há que problematizar o dilema da
falta de especialização dos juízes. A criação de juízos especializados, sem que
os «aplicadores do direito» tenham a adequada formação contenderá num círculo
vicioso no qual a qualidade da resposta não deixa de estar viciada.
Feita esta análise, é impossível
contrariar a ideia de que o sucesso do modelo de estrutura e organização da
jurisdição administrativa, nos moldes em que é previsto, está dependente da
realidade[47].
Ou seja, a concretização dos objetivos que subjazem à Proposta de Lei dependerá
do modo como a reforma vai ser interpretada e executada pelos operadores
jurídicos envolvidos na Justiça Administrativa.
No
mesmo sentido, o juiz conselheiro do STA, Carlos Carvalho[48] alerta para o facto de
que “a simples e mera mudança da lei de
nada valerá se não for posta efetiva e eficazmente em prática de molde a que os
tribunais administrativos cumpram o seu duplo desígnio: a defesa da
juridicidade do agir administrativo e a proteção dos direitos e interesses
legítimos dos cidadãos em face de eventuais abusos da Administração.”.
Se
a reforma se pode ver como uma alteração necessária é inevitável que no fundo,
sem que haja a efetiva criação destes juízos, esta proposta mais não serve que
para montar uma encenação -, uma encenação daquelas que seriam as prioridades
políticas para o sistema judiciário. Assim, embora de conteúdo globalmente
positivo, se esta medida lograr avançar, tal como prevista, mas sem que haja
uma proatividade na efetiva criação daqueles e outros juízos que àqueles possam
advir, teremos mais uma vez uma reforma
incompleta, insuficiente ou até de conteúdo
vazio para a realização dos objetivos de modernização, racionalização e
agilização da organização do sistema de justiça administrativa.
É
verdade que há um avanço ao estabelecer quais os juízos de competência
especializada suscetíveis de serem criados, mas sem que seja também aprovado o
Decreto-Lei que prevê a sua criação ou outro que amplie os juízos de
competência especializada, a prolação da criação destes juízos para momento
posterior, não está livre da mora de um novo procedimento legislativo.
Por
outro lado, se considerarmos que as patologias supra identificadas face à Justiça Administrativa, correspondem,
grosso modo, a graves problemas que já foram identificados em reformas e
alterações anteriores, e que agora se repetem, a procrastinação da
concretização da opção pela especialização mais do que como uma inovação na
justiça administrativa vai surgindo, como um “remendo” para a “fissura” criada
na construção do modelo organizativo dos tribunais administrativos.
[1] “De
facto, conforme identificado pela doutrina, a especialização dos tribunais
tende a ser um dado adquirido na organização judiciária, refletindo a crescente
segmentação e tecnicidade da vida económica e social e permitindo que a divisão
de tarefas conduza a um tratamento mais célere e informado das causas, com isso
se elevando a qualidade e os níveis de eficiência da administração da justiça.”[1] In Exposição de Motivos da Proposta de Lei
de alteração do ETAF
[2]
Podem ainda ser criados Tribunais militares quando decretado o estado de
guerra, art. 213.º CRP.
[4] Silva, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da
Psicanálise, 2.ª Edição, Almedina, 2010 pp. 9 a 51
[5] Acerca da interpretação do principio da
separação de poderes pós-Revolução Francesa, Diogo Freitas do Amaral in Curso de Direito Administrativo, vol. I,
3. edição, Almedina, 2006, v. I., pp. 109 e ss.: “com a Revolução Francesa, uma nova classe social e uma nova elite
dirigente chegam ao poder. (…) Depois da Revolução, continuando nas mãos da
antiga nobreza, [os tribunais] (…) foram focos de resistência à implementação
do novo regime, das novas ideias (…). O poder político teve, pois, de tomar
providências para impedir intromissões do poder judicial no normal
funcionamento do poder executivo. Surgiu assim uma interpretação peculiar do
principio da separação dos poderes (…): se o poder executivo não podia
imiscuir-se nos assuntos da competência dos tribunais, o poder judicial também
não poderia interferir no funcionamento da Administração Pública”.
[9] Citação de Vasco Pereira da
Silva in O Contencioso Administrativo
como “Direito Constitucional Concretizado” ou “Ainda por concretizar”?, Almedina,
1999 e que repete em O Contencioso …, p.
100
[10] Vide em CARVALHO, Carlos, Breves Considerandos em torno da reforma da
jurisdição administrativa em debate, in Revista de Direito Administrativo,
n.º3, AAFDL Editora, 2018, pp. 37 a 42; parênteses nossos.
[11] Ainda, o juiz conselheiro do
STA Carlos Carvalho in Breves
Considerandos …
[12]
Têm sido apontadas diversas causas justificativas: desde a desadequação dos
quadros, à carência de recursos humanos e técnicos, sem nos esquecermos da,
importante, desadequação da estrutura e organização judiciária em face da
complexificação dos litígios e da necessidade de ajustamento às novas
realidades. Por outro lado, a ausência de monitorização da evolução dos ritmos
de entradas e pendências registados, nomeadamente através de diagnósticos, bem
como de uma avaliação, com recurso a metodologias adequadas, do desenvolvimento
das reformas; a transferência de juízes, alocados aos tribunais
administrativos, para colmatar lacunas na área tributária; a ineficiência do
SITAF e ainda um défice de condições necessárias para a entrada em vigor das
reformas têm impedido uma eficaz resposta à missão que lhe subjaz.
[13] A questão é igualmente colocada por Ana Celeste
Carvalho, in Como é especial a Jurisdição
Administrativa e Fiscal … sobre a especialização dos Tribunais Administrativos,
Revista de Direito Administrativo, n.º3, AAFDL Editora, relativamente ao
tribunal Arbitral de Desporto, criado pela Lei n.º 74/2013.
[14]
MARTINS, Lucínio Lopes, Âmbito da
jurisdição administrativa no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais
revisto, in Cadernos de Justiça
Administrativa, n.º106, 2014
[15]
Ver PAÇÃO, Jorge, Novidades em sede de
jurisdição dos tribunais administrativos […], in Comentários à Revisão do ETAF e CPTA, AAFDL Editora, 2.ª
Edição, 2016, p. 186, na parte em que diz que aquelas alterações não representam
uma mudança de paradigma
[16] Por exemplo, Maria João Estorninho, Curso de Direito dos Contratos Públicos e Fernanda Oliveira, Direito do Urbanismo. Do planeamento à Gestão.
[17]
Vide preâmbulo do Decreto-Lei n.º 214-G/2015 quando enuncia que “Por outro lado, o
Código de Processo Civil (CPC) foi recentemente objeto de uma reforma profunda,
com a qual se impõe harmonizar o CPTA”. E,
relativamente à aproximação entre CPTA e CPC vide DAVID, Sofia, A Aproximação e a articulação entre o CPTA e
o CPC in Comentários à Revisão do ETAF e CPTA, AAFDL Editora, 2.ª Edição,
2016, pp.
239 a 270
[18]
Andrade, José Carlos Vieira de, A Justiça
…, pp. 9 e ss.
[19] Sobre os modelos de justiça administrativa, vide José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça … pp. 32 e ss.
[20] Citado por Pedro Rebelo Botelho Alfaro Velez, O Fundamento da Jurisdição Administrativa
portuguesa, 5.º Programa de Mestrado
e Doutoramento, na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, pag. 37
[21]
Perfilhando a definição de relação jurídica administrativa enunciada por Diogo Freitas Do Amaral como "toda a relação entre sujeitos de direito, públicos ou
privados, que atuem no exercício de poderes ou deveres públicos,
conferidos por normas de direito administrativo”.
[22]
Para melhores desenvolvimentos vide Maria
João Estorninho, A fuga para o Direito
Privado: Contributo para o estudo da atividade de direito privado da
Administração Pública, Coimbra, 1996 pp. 190 e ss.
[23]
Para além disso, Pedro Velez refere-se também ao facto da Administração ainda
se encontrar submetida a vinculações jurídico-públicas pelo que não deixa de
ter o seu próprio direito; à impossibilidade de falar numa descaracterização do
Direito Administrativo ao ponto de perder a sua autonomia, nomeadamente, quando
o privilégio da execução prévia continua a ter consagração expressa. E, ainda
que assim não se entendesse,-como Vasco Pereira da Silva quando faz referência
à paridade entre o particular e a Administração Pública, na defesa da dogmática
do conceito de «relação jurídica»,- a disciplina do processo administrativo
enceta um conjunto de regras que ordena um procedimento de tomada de decisão
que não se coadunam com as que disciplinam as relações entre particulares. Não
quer isto dizer que não possam existir relações
tendencialmente paritárias entre Administração e particulares.
[24] Conforme art. 117.º, n.º 5 da Constituição
espanhola: “El principio de unidad jurisdiccional es la base de la organización
y funcionamiento de los Tribunales. La ley regulará el ejercicio de la
jurisdicción militar en el ámbito estrictamente castrense y en los supuestos de
estado de sitio, de acuerdo con los principios de la Constitución.”
[25]
Sintetizando as diferentes interpretações feitas pela doutrina ao art. 212.º,
n.º3 da CRP, José Carlos Vieira de Andrade, Lições
…, pp. 14 a 18
[26]
Miranda, Jorge, Os parâmetros
constitucionais da reforma do contencioso administrativo”, CJA, n.º24, 2000
[27] Primeira proposta apresentada no Pacto para a Justiça
– Acordos para o Sistema da Justiça – publicado
em janeiro de 2018
[28] O mesmo pode ler-se do
preâmbulo do Decreto-Lei n.º 166/2009, de 31 de julho cujo objeto se fixa na
“instituição de juízos de competência especializada fiscal desdobrados em
níveis de especialização”, para acompanhar a alteração do modelo de
distribuição de competências entre os tribunais judiciais através do
desdobramento dos juízes em três níveis de especialização, com a aprovação da
Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto – Lei de Organização e Funcionamento dos
Tribunais Judiciais.
[29] Almeida, Mário Aroso de, Manual de processo administrativo, Almedina,
3.ªEdição, 2017, p. 157
[30] Relatório “A justiça e a
eficiência: o caso dos tribunais administrativos e fiscais”, pp. 144 a 151,
ponderando ainda a possibilidade de transição dos juízes de uma área para a
outra
[32] A dicotomia incompetência
absoluta versus incompetência
relativa no contencioso administrativo é a classificação proposta por José
Carlos Vieira de Andrade em A Justiça
Administrativa (Lições), Almedina, 1998, pp. 162-163
[33] A única exceção são o
Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa e o Tribunal Tributário de Lisboa,
que funcionam de modo desagregado.
[34] Assinalando esse facto, Almeida,
Mário Aroso de, in Manual de Processo
Administrativo, Almedina, 3.ª Edição, 2017, pp. 192 e ss. uma vez que “à face do critério do art. 212.º, n.º3, da
CRP, deve ainda entender-se, ao contrário do que sucedia no passado, que a
matéria tributaria ou fiscal se estende (…) a todo o universo das relações
jurídicas fiscais, independentemente da forma que revista a respetiva
fonte. De igual modo, cfr. Acórdão do TCA Norte de 3 de maio de 2013. Em
sentido contrário, de acordo com o anterior ETAF, no Acórdão de 29 de janeiro
de 2014, o Plenário do STA vem assumir que do art. 49.º ETAF resulta que os
tribunais administrativos são “uma espécie de Tribunal comum da jurisdição
administrativa” vocacionado para julgar litígios que não são expressamente
atribuídos à competência dos tribunais tributários. O mesmo equivalia a falar
na competência residual dos tribunais administrativos.
[35] vide o Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de março
[36] Ainda no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27
de março
[37] Cunha, António A. Vieira da, A Especialização dos Tribunais Judiciais (Ou das suas secções) na Lei
da organização do sistema judiciário e no diploma que a regulamenta, in JULGAR,
n.º27, 2015 que, em matéria de especialização dos tribunais não houve uma
diferença significativa em relação aos diplomas anteriores. O que se verificou
foi, sobretudo, um reforço das unidades judiciais especializadas no território
nacional. Em especial, no que respeita às secções de família e menores, de
instrução criminal e às secções de comércio registou-se um grande alargamento
da cobertura do território por secções (verdadeiramente especializadas) dos
tribunais de comarca.
[38]
Maiores
desenvolvimentos em Amaral, Jorge Augusto Pais de, Direito Processual Civil, Almedina, 12.º edição, 2016, pp. 168 e ss.;
[39]
A par destas, julgam também as deliberações do Conselho Superior de
Magistratura (art. 47.º/2 LOSJ).
[40]
Almeida, Mário Aroso de, Manual de …,
pp. 196 e 197;
[41]
Silva, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo ...pp.
182-184 e 235 refere-se a um resquício das patologias do «trauma de uma
infância difícil» que carateriza o Contencioso Administrativo;
[42]
Vide também, por exemplo, no art. 55.º, al. b) e c) da LOSJ, a atribuição de
competência às seções do STJ para julgar as ações
propostas contra juízes do STJ e TR’s e magistrados do Ministério Público que
exerçam funções junto destes tribunais, bem como processos por crimes da sua
autoria. Por sua vez, também as secções do TR são competentes, por força do
art. 73.º LOSJ para “b) Julgar as ações propostas contra juízes de direito e
juízes militares de primeira instância, procuradores da República e
procuradores-adjuntos, por causa das suas funções;” e
“c) Julgar processos por crimes cometidos pelos magistrados e juízes militares referidos na alínea anterior e recursos em matéria contraordenacional a eles respeitantes”.
“c) Julgar processos por crimes cometidos pelos magistrados e juízes militares referidos na alínea anterior e recursos em matéria contraordenacional a eles respeitantes”.
[43]
A área de competência dos tribunais da Relação é definida nos termos do anexo i
à LOSJ, de onde resulta que existem cinco Tribunais da Relação, sitos em Lisboa, Porto, Évora, Coimbra e Guimarães.
[44] Com o intuito de aproximar a Justiça dos cidadãos, a
Lei n.º 40-A/2016, de 22 de dezembro procedeu à alteração da LOSJ. Uma das
alterações introduzidas foi precisamente retomar a terminologia de «juízo».
Passando, em suma, as instâncias centrais, as instâncias locais, as secções de
família a menores e as secções de trabalho a designarem-se por juízos centrais
cíveis, juízos locais cíveis, juízos centrais criminais, juízos locais
criminais, juízos locais de pequena criminalidade, juízos de família e menores
e juízos do trabalho, respetivamente.
[45] Para conhecer da competência de cada um vide os arts. 130.º, 117.º, 130.º,
118.º, 130.º n.º4, 119.º, 122.º, 126.º, 128.º e 129.º, todos da LOSJ,
respetivamente.
[46] Para análise sintética dos
possíveis modelos de especialização judiciária vide Oliveira, António Mendes, no comentário à Reforma JAF, in Revista de Direito Administrativo, n.º 3, AAFDL
Editora, pp. 26 e ss.
[48] CARVALHO, Carlos, Alterações ao Estatuto dos Tribunais
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Justiça do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, fevereiro de
2017
Bárbara Maria de Melo Alexandre, n.º26265
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