Impugnação de normas regulamentares
Estão em
causa litígios relacionados com as normas emanadas no exercício da função
administrativa, ou seja, normas regulamentares
Um particular pode reagir contra uma norma regulamentar que lhe diga respeito e lhe seja diretamente aplicável. O artigo 73º/3 do CPTA diz-nos claramente, ao contrário do que acontecia antes da revisão de 2015, que caso o tribunal considere procedente a pretensão do autor, não irá aplicar a norma regulamentar considerada ilegal, podendo anular ou declarar nula[1] o efeito que a norma teve perante a decisão impugnada.
A declaração
de ilegalidade por parte de um tribunal de uma norma regulamentar impugnada
pode ter força obrigatória geral ou não1.
Carlos
Blanco de Morais fez uma destrinça entre dois regimes de impugnação direta[2] de normas regulamentares,
anteriores à revisão de 2015. O primeiro regime corresponderia à declaração de
ilegalidade sem força obrigatória geral, cairia no âmbito de uma declaração
concreta de ilegalidade e corresponderia ao artigo 73º/2 CPTA, uma vez que se
tratariam de normas operativas (normas que não necessitam de um ato
administrativo posterior que aplique a norma regulamentar), tendo legitimidade
para requerer esta declaração os lesados e as pessoas ou entidades elencadas no
artigo 9º/2 CPTA. O segundo regime dizia respeito à declaração de ilegalidade
com força obrigatória geral, neste caso, agora, recairia no âmbito de uma
declaração abstrata de ilegalidade, correspondendo ao artigo 73º/2 e 3 CPTA, podendo
ser objeto desta declaração quaisquer normas, tendo legitimidade para
requerê-la o lesado e o Ministério Público. Sugeriu algumas alterações[3] a este regime
anteriormente consagrado, que vieram a ter lugar, nomeadamente o alargamento
dos requerentes da declaração de ilegalidade com força obrigatória geral, não
só aos lesados e ao Ministério Público, como também as pessoas e entidades
elencadas no artigo 9º/2 CPTA e quem pudesse vir a ser diretamente prejudicado
pela norma em vigor.
Com a
revisão de 2015, relativamente às declarações de ilegalidade com força
obrigatória geral, podem ser pedidas pelo Ministério Público, por quem esteja
legitimado ao abrigo do artigo 9º/2 CPTA (podendo ser pessoas ou entidades),
por quem seja prejudicado ou possa vir a ser prejudicado pela norma que lhe é
diretamente aplicável e pelos órgãos colegiais de quem emanam as respetivas
normas.
O Ministério
Público deverá pedir a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral,
nos termos do artigo 73º/4 CPTA, quando uma determinada norma regulamentar já
tiver sido alvo de desaplicação por três vezes com fundamento em ilegalidade.
Terá, igualmente, de recorrer das decisões de primeira instância que declarem a
ilegalidade com força obrigatória geral.
Segundo o
artigo 72º/2 CPTA compete ao tribunal constitucional declarar a ilegalidade com
força obrigatória geral e não aos tribunais administrativos.
Existem
algumas especificidades alusivas a este regime, pois apesar de a declaração de
ilegalidade das normas regulamentares com força obrigatória geral poder ser pedida
a toda o tempo, de acordo com o artigo 74º CPTA, relativamente a situações que
digam respeito apenas a uma ilegalidade procedimental (esta que não infira do vício
de inconstitucionalidade) terá apenas um prazo de 6 meses para ser submetida a
apreciação de ilegalidade. Este prazo contará a partir da data da publicação
das respetivas normas regulamentares.
O artigo 76º
CPTA refere os efeitos dessa declaração - eliminação da norma regulamentar do
ordenamento jurídico; efeitos retroativos e repristinatórios. Nos termos do
artigo 76º/2 CPTA, os efeitos repristinatórios podem ser afastados, pelo juiz,
se estiverem em causa critérios de equidade, segurança jurídica, ou interesse
público, ou seja, razões de equidade, não prejudicando, no entanto, o interesse
de quem impugnou a norma regulamentar, de quem possa estar a ser diretamente
prejudicado por esta, segundo o artigo 76º/3 CPTA. Dos mesmos efeitos
(retroativos) ficam ressalvados os casos julgados, segundo o disposto no número
4 do artigo 76º CPTA, estes, porém, se houver uma norma sancionatória mais
favorável, são alvos de modificações em detrimento do tratamento mais favorável
do agente.
Em relação à
declaração de ilegalidade sem força obrigatória geral, esta está prevista no
artigo 73º/2 CPTA. Só poderá ser pedida a declaração de ilegalidade sem força
obrigatória geral para os casos em que os tribunais administrativos não possam
declarar a ilegalidade com força obrigatória geral. O tribunal, apenas,
desaplicará a norma ao caso concreto[4].
Para Licínio
Lopes Martins e Jorge Alves Correia[5],
o artigo 73º/2 CPTA, é inconstitucional, uma vez que se estaria a atribuir
competências de garante da Constituição aos Tribunais Administrativos (pois é
este que está a apreciar a ação) que só à CRP compete definir estes parâmetros
de garantia dela mesma. A norma regulamentar que é apresentada, em determinado
caso concreto, pode incorrer no vício de inconstitucionalidade, e mesmo que a
desaplicação da norma e a ilegalidade, digam apenas respeito ao caso concreto,
de facto é que o Tribunal Administrativo está a apreciar, a título principal, de
um vício de inconstitucionalidade. Para estes autores, a forma de ultrapassar a
inconstitucionalidade prevista neste artigo é fazer uma interpretação conforme
à Constituição. Esta será feita no sentido de que a sentença proferida pelos
Tribunais Administrativos tem de ter apenas eficácia interpartes, e tem de ser sempre passível de recurso para o
Tribunal Constitucional, depois de ter esgotado os recursos ordinários, em
conformidade com os artigos 70º/5 LOTC e 151º CPTA, deste modo, os Tribunais
Administrativos não decidiriam da questão de inconstitucionalidade a título
principal, pois cabe sempre a última palavra ao Tribunal competente para
conhecer da inconstitucionalidade das normas.
No
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo[6] de 10/10/2018 (Processo:
02/15.2BCPRT 01386/16) discute-se a aplicabilidade do artigo 73º/2 CPTA à
questão recorrida. Questionava-se se o Tribunal Central Administrativo Norte
teria competência para apreciar da questão suscitada (estava-se perante uma
exceção dilatória de incompetência material) uma vez que, aparentemente, só se
estaria a apreciar a constitucionalidade dos artigos 5º e 9º da Portaria
nº90/2015, sendo que, em abstrato, mesmo que os efeitos sejam limitados ao caso
concreto, sem ter força obrigatória geral, estar-se-ia a fazer um pedido de
declaração de inconstitucionalidade de duas normas que só ao Tribunal
Constitucional cabe declarar a inconstitucionalidade, de acordo com os poderes
que lhe são conferidos pela Constituição da República Portuguesa.. O
Procurador-Geral Adjunto emitiu um parecer no sentido da improcedência do
recurso, e contra este argumento utilizado, considerando que o artigo 73º/2
CPTA, desaplica a norma, fazendo apenas um juízo de inconstitucionalidade,
equiparando esta situação à fiscalização incidental em sede de impugnação de
atos administrativos, que ficaria sujeito à fiscalização sucessiva, em sede de
recurso, por parte do Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 280º/1 CRP. O
Supremo Tribunal de Justiça conclui que o artigo 73º/2 CPTA permite a
impugnação de normas regulamentares que estabeleçam uma obrigação de
comportamentos ativos por parte dos particulares, sem que se dependa da prática
de atos administrativos, ou seja normas regulamentares operativas (seriam
normas operativas os artigos 5º e 9º da Portaria em juízo). Por fim, considera
competente o Tribunal Central Administrativo do Norte competente para apreciar
a inconstitucionalidade referida.
Vieira
de Andrade[7] tem o mesmo entendimento,
não considerando o artigo 73º/2 CPTA inconstitucional, visto que o artigo
268º/5 CRP confere, aos cidadãos, o direito de impugnar as normas
administrativas que lesem os seus direitos fundamentais. Porém, não existe uma
jurisdição constitucional para este direito, o que o artigo 73º/2 CPTA consagra.
Apesar dos efeitos serem semelhantes a uma declaração com força obrigatória
geral, apenas o Tribunal Constitucional pode proferir decisões com eficácia erga omnes, em matéria de
inconstitucionalidade de normas.
Tanto para
as declarações de ilegalidade de normas regulamentares com força obrigatória
geral como para as declarações de ilegalidade de normas regulamentares sem
força obrigatória geral, o Tribunal Constitucional não está obrigado a apreciar
e a decidir apenas de acordo com os argumentos invocados pelo autor da
pretensão, pode ir mais além, utilizando outras normas que não foram invocadas,
ou até mesmo com base em princípios, de acordo com o postulado no artigo 75º
CPTA.
Por fim é
possível exigir à administração a emissão de regulamentos através de tutela
jurisdicional ao abrigo do artigo 77º CPTA.
Nos termos do artigo 137º/1 CPA existe um prazo de 90 dias para serem
desenvolvidas normas regulamentares que densifiquem os atos legislativos
carentes de regulamentação. O artigo 137º/2 CPA, não existindo a emissão de
regulamento quando seja necessário, ou seja, haja uma omissão de regulamento,
os interessados podem requerer a emissão desse mesmo regulamento. O artigo 77º
CPTA permite aos interessados reagir contra estas omissões regulamentares,
constituindo uma verdadeira condenação, nas palavras de Mário Aroso de Almeida[8],
uma vez que o tribunal pode, segundo o postulado no artigo 3º/2 e 95º/4 ambos
do CPTA, impor uma sanção pecuniária compulsória no momento em que reconheça a
ilegalidade. O tribunal impõe, também, o respetivo cumprimento desta obrigação
regulamentar, e na inobservância desta no prazo estipulado pelo tribunal, pode,
igualmente, existir uma sanção pecuniária compulsória aos responsáveis, ao
abrigo dos artigos 164º/4 d), 168º e 169º, todos do CPTA)
Trabalho Realizado
por:
Inês Gomes Gama de Jesus
Nº25900,
Subturma 10- 4ºano- Dia.
Bibliografia
- Aroso de Almeida, Mário, Manual de Processo Administrativo, 3ª Edição, Almedina, 2017
- Blanco de Morais, Carlos, “Brevíssima nota sobre a revisão do CPTA e do ETAF em matéria de contencioso regulamentar”, Cadernos de Justiça Administrativa nº65, Set./Out. 2007
- Lopes Martins, Licínio & Alves Correia, Jorge, “O novo regime do CPTA em matéria de impugnação de normas: como transpor a inconstitucionalidade do art. 73º, n.º 2?”, Cadernos de Justiça Administrativa nº114, Nov./Dez. 2015
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a6890ee4c33177c98025832a004bc740?OpenDocument&ExpandSection=1&Highlight=0,declaracao,de,ilegalidade,sem,for%C3%A7a,obrigatoria,geral#_Section1 – Acórdão STA de 10/10/2018, Processo: 02/15.2BCPRT 01386/16
- Vieira de Andrade, José Carlos, A Justiça Administrativa (Lições), 13ª Edição, Coimbra, 2014
Abreviaturas:
- CRP: Constituição da República Portuguesa;
- LOTC: Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (Lei nº28/82);
- CPTA: Código de Processo nos Tribunais Administrativos;
- CPA: Código do Procedimento Administrativo;
- STA: Supremo Tribunal de Justiça;
- ETAF: Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais
- CRP: Constituição da República Portuguesa;
- LOTC: Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (Lei nº28/82);
- CPTA: Código de Processo nos Tribunais Administrativos;
- CPA: Código do Procedimento Administrativo;
- STA: Supremo Tribunal de Justiça;
- ETAF: Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais
[1] Aroso de Almeida, Mário, Manual de
Processo Administrativo, 3ª Edição, Almedina, 2017, pág. 110
[2]
Blanco de Morais, Carlos, “Brevíssima nota sobre a revisão do CPTA e do ETAF em
matéria de contencioso regulamentar”, Cadernos de Justiça Administrativa nº65,
Set./Out. 2007, pág. 4
[3] Ibid., pág. 7
[4]
Aroso de Almeida, Mário, Manual de Processo Administrativo, cit., pág. 112
[5] Lopes
Martins, Licínio & Alves Correia, Jorge, “O novo regime
do CPTA em matéria de impugnação de normas: como transpor a
inconstitucionalidade do art. 73º, n.º 2?”, Cadernos de Justiça Administrativa
nº114, Nov./Dez. 2015, págs. 24-27
[7]
Vieira de Andrade, José Carlos, A Justiça Administrativa (Lições), 13ª Edição,
Coimbra, 2014, pág.208
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.