De forma a fazer face aos muitos dos
problemas suscitados pelo antigo Código de Procedimento Administrativo (CPA) de
1996, o CPA de 2015 visa promover uma nova realidade em torno da Administração.
No entanto, o CPA não se poderá reger sem o acompanhamento de outro documento
extramente importante, o Código de Processo nos Tribunais Administrativos
(CPTA).
De facto, ambos os Códigos se encontram
dependentes um do outro. Da mesma forma, se me permite a analogia, que o Código
de Processo Civil se encontra ligado ao Código Civil. Tanto o CPA como o CPTA
dizem respeito à forma como a Administração deve atuar e à forma como ela deve
suscitar os seus problemas e defender os direitos e interesses legalmente
protegidos dos seus cidadãos. No entanto, ambos têm aplicações diferentes: um
centra-se em tentar proceder a uma resolução, dita “privada”, ou seja, entre os
particulares e a Administração frente a frente; e, no caso de tal não se
conseguir resolver, procede-se a uma audiência nos tribunais administrativos
onde a Administração tentará fazer valer o seu ponto de vista contrapondo-se ao
pedido do autor, que é o particular.
Isto é importante e relevante que assim
ocorra para que os tribunais não se encontrem repletos de muitos míseros
problemas que poderiam ter muito bem sido resolvidos se ambas as partes tivessem
prosseguindo a um diálogo efetivo, acompanhado de audiência dos interessados,
indicado por Costa Gonçalves[1].
No entanto, o CPTA possui uma série de
conceitos e realidades de que parte do próprio CPA. Não se consegue proceder a
uma boa análise do CPTA se não se passar anteriormente pelo CPA, da mesma forma
que primeiramente nas faculdades de direito se ensina Direito Administrativo e
só depois disso se ensina Contencioso Administrativo. Isto significa que um
encontra-se em primeiro lugar, para dar mais sentido e contexto ao que se
encontra em segundo lugar. Esta caracterização que apresentei de primeiro ou
segundo lugar de nada tem a intenção de colocar a função processual numa
posição de menor importância jurídica, muito pelo contrário, o CPTA acaba por
responder a questões mais complexas que o CPA não consegue, por si só, resolver.
Tem-se o exemplo do caso de ocorrer um
recurso para o Tribunal Central Administrativo pelo facto de o particular ter
ficado descontente com a sentença produzida em tribunal de círculo. Esta é uma
questão que já anteriormente se inseria dentro da jurisdição dos tribunais
administrativos, pois trata-se de um caso de recurso ao grau hierárquico
superior.
A criação deste novo CPA de 2015
correspondeu a muitas exigências que já tinham sido pedidas ao longo das
décadas, abrangendo pela doutrina, incluindo Vasco Pereira da Silva. Tal como a
lição da vida que diz que se aprende com os erros, também os erros e
incompreensões trazidas pelo CPA de 1996 criou a necessidade inevitável de
elaborar um novo diploma. No entanto, as alterações foram tão notáveis por parte
da comissão de especialistas que, foi fatal a criação de um novo Código de
Procedimento Administrativo, tal como indica o preâmbulo do mesmo Código.
No entanto, apesar das relações em
comum, existe apenas um ponto em que ambos convergem e, com o qual, merece
atenção. Vejamos as relações e os pontos que têm em comum o CPA e o CPTA
relativamente ao seu único objetivo de convergência: o ato administrativo.
O conceito de ato administrativo encontra-se
presente em ambos os Códigos.
Ato administrativo consiste nas decisões
proferidas no exercício de poderes jurídico-administrativos e que visam
produzir efeitos externos numa situação individual e concreta, artigo 148º CPA.
Este preceito encontra-se relacionado diretamente com o 51º do CPTA onde indica
a realidade da impugnabilidade destes mesmos atos na sua totalidade (através do
pressuposto “designadamente”, o que quer dizer não taxativo, deixando margem
para outras possibilidades).
É de notar que contrariamente ao CPA de
1991, o novo CPA não faz qualquer referencia ao modelo orgânico na definição de
ato administrativo[2].
O objetivo do legislador foi precisamente a de omitir a referência ao facto de se
tratar de decisões adotadas ou de normas jurídicas editadas por órgãos da
Administração Publica[3].
Em minha opinião, concordo com Costa
Gonçalves que refere que esta omissão de nada traz um efeito diferente do
anterior Código[4]
pois o ato administrativo não poderá deixar de estar ligado ao seu elemento
orgânico ou o ato nunca se proferia. É o mesmo que dizer que deve ser feito um
projeto mas não se atribui a ninguém a competência da sua realização[5] e, se os
projetos continuam a ser realizados, alguém tem de os criar. Como refere Costa
Gonçalves, os órgãos têm, assim, que estar relacionados ao conceito[6], aliás,
eles ainda o estão, apenas não expressamente. Costa Gonçalves também refere o
facto de que o elemento orgânico do conceito de ato administrativo continuar a
consistir na presença de um órgão da Administração Pública, de um outro órgão
público ou de uma entidade pública ou privada investida de funções administrativas
e de poderes públicos[7]. São
eles que criam o ato, são eles que têm de permanecer na sua criação ou não
poderão fazer os atos administrativos que sempre têm feito até então.
Levando em conta a interpretação
teleológica do artigo, verifica-se que o legislador não quereria limitar a
criação de atos administrativos a apenas a uns órgãos em específico[8], porque
isso poderia impedir o visar de direitos e interesses legalmente protegidos dos
cidadãos. Parece-me que o legislador, aquando as experiências e contínuas críticas
negativas quanto à legislação administrativa, decidiu optar por uma redação não
discriminatória e mais livre.
No entanto, por isso mesmo, tal como foi
descrito por Costa Gonçalves, trata-se de uma questão que não se livra
totalmente da possibilidade de ocorrer uma expansão indesejável do conceito de
ato administrativo no que toca à sua competência de realização[9]. Se isso ocorrer, a meu ver, poderá
igualmente surtir para o Contencioso um cenário inadequado
pois é este que trata da criação da ação administrativa, podendo ser criados
atos por órgãos que não os deveriam fazer.
Centremo-nos agora, na sua relação com a
ação administrativa.
A ação administrativa consiste no
processo realizado em tribunal administrativo centrado num litígio que ocorreu
ao autor, ao particular, e cujo tribunal vai verificar se a situação do
particular deve ser modificada para ir de encontro ao seu direito fundamental de
prossecução dos seus direitos e interesses legalmente protegidos ou, se pelo
contrário, não existe razão para a modificação da mesma.
Dentro das competências dos tribunais
administrativos encontra-se, precisamente, a impugnação de atos
administrativos, a condenação à prática de atos administrativos e a condenação
de não emissão de atos administrativos, artigo 37º CPTA . Ora, se o conceito
foi alargado pelo novo CPA, isto pode trazer consequências profundas no
Contencioso: se se optar para uma interpretação demasiado alargada[10] (que o CPA não impede) e que foi
apresentada pelo pensamento de Costa Gonçalves, abrange competências a muitos
órgãos criadores de atos administrativos. Assim, os tribunais passariam a
julgar casos desnecessários, sobrecarregando a justiça pois aqueles atos nunca
deverão ser válidos porque foram criados por órgãos que não possuem a devida
competência.
Muito dificilmente ocorrerá que os
verdadeiros órgãos deixem de criar os atos, os órgãos continuam ligados ao ato
administrativo, e a prática do antigo CPA assim sugere que muito continue igual
pois quando entrou em vigor o novo CPA, os juízes dos tribunais administrativos
continuaram a julgar como sempre têm feito e a sua experiencia dirá que será o
órgão competente a redigir o ato. No entanto, a dúvida emergente de novos
órgãos a redigirem não deixa de ser possível[11]. É algo
que deve ser tido em conta, que deve ser cuidadosamente analisado.
Relativamente à ação administrativa,
esta tem um leque vastíssimo de situações reguladas, no seu artigo 37º CPTA.
Esta foi uma das mudanças que o Código trouxe, a sua relação com a impugnação,
condenação à não emissão, condenação à prática de atos administrativos. No
entanto, Vasco Pereira da Silva critica esta formação[12], devido
aos critérios que distinguem cada uma das situações abrangidas pelas alíneas do
artigo 37º: esses critérios são critérios substantivos e não processuais, e,
sendo substantivos, eles modificavam a lógica do processo. É, então, ainda
necessário modificar a questão, segundo Vasco Pereira da Silva, e dividir os
pedidos em pedidos declarativos constitutivos ou de anulação e pedidos de
condenação. Misturar as duas coisas, segundo o professor, não traz um bom
resultado[13].
A sua justificação é pelo facto de nos
tratarmos de apenas uma única ação administrativa mas que o próprio CPTA não
facilita as coisas pois tem regras para a ação administrativa no 37º mas depois
tem sub-normas quanto à impugnação de atos administrativos no artigo 50º e ss (entre
muitos outros casos como é nos de condenação à prática do ato devido e ação de
impugnação e condenação à emissão de normas, artigos 66º e 72º CPTA
respetivamente).
Estas regras dizem respeito aos
pressupostos processuais, o objeto de processo e o próprio andamento do
processo. Ocorre assim um sistema de 4 em 1, há na realidade 4 ações sobre o
mesmo nome pois o legislador decidiu misturar o pedido com as formas de atuação
administrativa (ou seja, o critério processual com o substantivo). No entanto, Vasco
Pereira da Silva[14]
não garante ser uma má solução adotada pelo legislador (ele até disse que
consiste na menor pior ação adotada). O professor prefere isso do que a
possibilidade de o legislador ter criado “6 sub-ações” dentro de cada uma delas,
daí eu chegar à minha conclusão.
Esta característica já existia no CPTA
anterior, que distinguia entre ação administrativa especial e a comum. A especial
consiste nos casos mais emblemáticos de ação administrativa de certos poderes
de autoridade da Administração que incluía impugnação de atos, condenação para
a prática de atos, impugnação de normas, entre outros. A
comum dizia respeito a todos os litígios
cuja apreciação se incluíssem na jurisdição administrativa mas sem forma
especifica no CPTA e/ou legislação avulsa.
O novo CPTA reduz tudo à realidade de
uma única ação mas, em rigor, não há apenas uma ação em si mas várias dentro
dela, à mesma.
Na minha opinião, Vasco Pereira da Silva
tem razão quando diz que as normas deveriam estar ordenadas segundo o critério
processual e não segundo o substantivo[15] pois
isso confunde muitas das vezes as questões e não permite uma resolução tão
rápida e eficiente pois existem regras e as suas sub-regras, em vez de estar
tudo caracterizado e ordenado segundo a ordem da marcha do processo, que
garantiria o melhor alcançar do princípio da gestão processual da justa
composição do litígio.
Quanto à questão da apresentação da ação
administrativa no seu artigo 37º CPTA, apesar da crítica feita, não me parece
que seja um artigo mal redigido, ele esclarece o nosso entender, como que nos
dando coordenadas no infinito do mundo do Contencioso Administrativo mas que,
ainda assim, serão necessárias alterações para o modo processual, i.e.,
relacionado com a marcha do processo. A criação de uma redação mais próxima da
realidade do 37º CPTA aquando da criação de uma ação administrativa e das suas
ramificações (em muitos outros artigos como o 50º e 51º) em relação aos seus
princípios processuais deve ser tida em conta.
Quanto ao omitir por parte do legislador
relativamente aos órgãos capazes de criar um ato administrativo, introduzido
por Costa Gonçalves, e, concordando com o autor, esta omissão fará mais mal do
que bem pois a prática que o legislador rasurou no antigo CPA permanece igual[16] (a tal
ideia de os juízes saberem quais são os órgãos emanados de poder de criação de
atos administrativos já antes mencionado) e, apesar disso, poderá criar ditos
“atos” administrativos que não o são na realidade. Igualmente, uma nova redação
do artigo 148º CPA não é algo que deve ser deixado de ser refletido.
Em abordagem final, a relação dita
amistosa do CPA com o CPTA é definitivamente crucial para a chave da criação de
um ato administrativo e uma ação administrativa mais próximos das necessidades
dos cidadãos e das suas realidades.
[1] COSTA GONÇALVES, Pedro – Algumas alterações e inovações “científicas”
no novo CPA inserido na obra Comentários
ao novo Código do Procedimento Administrativo por AMADO GOMES, Carla;
NEVES, Ana Fernanda; e SERRÃO, Tiago, 2015, 2ª edição, AAFDL
[2] COSTA GONÇALVES, Pedro – Algumas alterações e inovações “científicas”
no novo CPA inserido na obra Comentários
ao novo Código do Procedimento Administrativo por AMADO GOMES, Carla;
NEVES, Ana Fernanda; e SERRÃO, Tiago, 2015, 2ª edição, AAFDL
[3] COSTA GONÇALVES, Pedro – Algumas alterações e inovações “científicas”
no novo CPA inserido na obra Comentários
ao novo Código do Procedimento Administrativo por AMADO GOMES, Carla;
NEVES, Ana Fernanda; e SERRÃO, Tiago, 2015, 2ª edição, AAFDL
[4] COSTA GONÇALVES, Pedro – Algumas alterações e inovações “científicas”
no novo CPA inserido na obra Comentários
ao novo Código do Procedimento Administrativo por AMADO GOMES, Carla;
NEVES, Ana Fernanda; e SERRÃO, Tiago, 2015, 2ª edição, AAFDL
[5] COSTA GONÇALVES, Pedro – Algumas alterações e inovações “científicas”
no novo CPA inserido na obra Comentários
ao novo Código do Procedimento Administrativo por AMADO GOMES, Carla;
NEVES, Ana Fernanda; e SERRÃO, Tiago, 2015, 2ª edição, AAFDL
[6] COSTA GONÇALVES, Pedro – Algumas alterações e inovações “científicas”
no novo CPA inserido na obra Comentários
ao novo Código do Procedimento Administrativo por AMADO GOMES, Carla;
NEVES, Ana Fernanda; e SERRÃO, Tiago, 2015, 2ª edição, AAFDL
[7] COSTA GONÇALVES, Pedro – Algumas alterações e inovações “científicas”
no novo CPA inserido na obra Comentários
ao novo Código do Procedimento Administrativo por AMADO GOMES, Carla;
NEVES, Ana Fernanda; e SERRÃO, Tiago, 2015, 2ª edição, AAFDL
[8] COSTA GONÇALVES, Pedro – Algumas alterações e inovações “científicas”
no novo CPA inserido na obra Comentários
ao novo Código do Procedimento Administrativo por AMADO GOMES, Carla;
NEVES, Ana Fernanda; e SERRÃO, Tiago, 2015, 2ª edição, AAFDL
[9] COSTA GONÇALVES, Pedro – Algumas alterações e inovações “científicas”
no novo CPA inserido na obra Comentários
ao novo Código do Procedimento Administrativo por AMADO GOMES, Carla;
NEVES, Ana Fernanda; e SERRÃO, Tiago, 2015, 2ª edição, AAFDL
[10] COSTA GONÇALVES, Pedro – Algumas alterações e inovações “científicas”
no novo CPA inserido na obra Comentários
ao novo Código do Procedimento Administrativo por AMADO GOMES, Carla;
NEVES, Ana Fernanda; e SERRÃO, Tiago, 2015, 2ª edição, AAFDL
[11] COSTA GONÇALVES, Pedro – Algumas alterações e inovações “científicas”
no novo CPA inserido na obra Comentários
ao novo Código do Procedimento Administrativo por AMADO GOMES, Carla;
NEVES, Ana Fernanda; e SERRÃO, Tiago, 2015, 2ª edição, AAFDL
[12] PEREIRA DA SILVA, Vasco - O Contencioso Administrativo no Divã da
Psicanálise – Ensaio Sobre as Acções no Novo Processo Administrativo, 2009,
2ª. edição, Almedina
[13] PEREIRA DA SILVA, Vasco - O Contencioso Administrativo no Divã da
Psicanálise – Ensaio Sobre as Acções no Novo Processo Administrativo, 2009,
2ª. edição, Almedina
[14] PEREIRA DA SILVA, Vasco - O Contencioso Administrativo no Divã da
Psicanálise – Ensaio Sobre as Acções no Novo Processo Administrativo, 2009,
2ª. edição, Almedina
[15] PEREIRA DA SILVA, Vasco - O Contencioso Administrativo no Divã da
Psicanálise – Ensaio Sobre as Acções no Novo Processo Administrativo, 2009,
2ª. edição, Almedina
[16] COSTA GONÇALVES, Pedro – Algumas alterações e inovações “científicas”
no novo CPA inserido na obra Comentários
ao novo Código do Procedimento Administrativo por AMADO GOMES, Carla;
NEVES, Ana Fernanda; e SERRÃO, Tiago, 2015, 2ª edição, AAFDL
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