terça-feira, 27 de novembro de 2018

Contrainteressados


Contrainteressados

A visão inicial que estava no seio das decisões administrativas figurava numa relação bilateral entre a Administração e o(s) particular(es). Hoje, o universo do Direito Administrativo e da ação Administrativa figura-se em relações multipolares, em que numa determinada ação podem existir vários beneficiários ou prejudicados com a manutenção ou surgimento de determinado ato. Significa isto que o Contencioso Administrativo não se preocupa, apenas, com a legalidade dos atos praticados, mas, também, com a posição subjetiva dos particulares. E é nestes termos que surge a figura dos contrainteressados
.
O Professor Vasco Pereira da Silva[1] refere que devem ser chamados a relação multilateral todos os sujeitos que lhe digam respeito, de modo a que o tribunal emita uma sentença com efeitos para todos os intervenientes na relação multilateral controvertida, nas suas palavras, é necessário encontrar o ““justo equilíbrio” entre a “proteção conjunta” (e a eficácia do funcionamento da justiça administrativa) e a “proteção individual” (plena e efetiva) das posições subjetivas de vantagem dos particulares”.

Mário Aroso de Almeida[2] diz-nos que num determinado caso concreto podem existir beneficiários ou prejudicados de um lado e do outro lado uma situação inversa (beneficiários/prejudicados, prejudicados/beneficiários). Sendo, deste modo, a posição do autor e dos contrainteressados reversível, não existindo pressupostos e modo de tutela jurídica distinta dos respetivos interesses.
As situações jurídicas são mutáveis. O exercício da Administração é contínuo e duradouro, afetando um elevado número de particulares que se torna quase impossível a determinação destes que figurarão, na ação, como contrainteressados.

Na ação de impugnação de atos administrativos, existem três critérios de determinação dos contrainteressados[3]. O primeiro critério, do ato impugnado, predomina na Itália, identifica o terceiro pela vantagem que o ato impugnado lhe confere, sendo que este pretende mantê-la. Este critério não tem em conta os atos omissos, ou seja, os atos que o particular pretende que a Administração adote. Relativamente ao segundo critério, da posição substantiva do terceiro, o contrainteressado tem de ter um interesse pessoal e direto contrário ao autor. Por último, o terceiro critério, dos efeitos da sentença, predomina na Alemanha, envolve um juízo de prognose, que pretende avaliar quais os efeitos que a sentença irá produzir nas várias esferas jurídicas. Alexandra Leitão[4] não concorda com este último critério facilitador da identificação dos contrainteressados, utiliza como argumento o facto de se fazer uma inversão cronológica. O artigo 57º CPTA consagra dois dos três critérios apontados – o critério do ato impugnado e o critério dos efeitos da sentença.
Na ação de condenação (prática de ato administrativo legalmente devido), segundo o artigo 68º/2 CPTA, a incidência desse ato tanto pode afetar imediatamente como mediatamente terceiros[5].

A figura dos contrainteressados está presente nos artigos 10º/1 in fine CPTA, 57º CPTA (para os processos de impugnação de atos administrativos) e 68º/2 CPTA (para os processos de condenação à prática de atos administrativos). Configura um litisconsórcio necessário passivo com a entidade pública, sendo que a menção dos contrainteressados é requisito da petição inicial, de acordo com o disposto no artigo 78º/2 b) CPTA e que a sua falta pode conduzir à recusa da petição pela secretaria (artigo 80º/1 b) CPTA) e à absolvição do réu da instância, nos termos do artigo 89º/2 CPTA, constituindo uma exceção dilatória segundo o número 4 alínea e) do último artigo referido. 

Têm tutela jurídico-constitucional presente no artigo 20º CRP, que preceitua que todos os que têm interesses legalmente protegidos têm acesso aos tribunais, e no artigo 268º/4 CRP reconhecendo a tutela jurisdicional, podendo fazer valer os seus direitos quando são lesados ou que, potencialmente, irão ser lesados.

A relação jurídica dos contrainteressados em relação às outras partes presentes na ação pode consubstanciar-se do seguinte modo: uma relação vertical, contrainteressados e Administração, em que os seus interesses coincidem; e uma relação horizontal substantiva entre o autor e o contrainteressado[6].  

São uma verdadeira parte no Contencioso Administrativo, respeitando o princípio da igualdade das partes, artigo 20º/4 CRP e artigo 6º CPTA, tendo uma posição paritária relativamente ao autor da ação, detêm, tal como este, uma situação jurídica subjetiva, que na opinião de Mário Aroso de Almeida[7], mesmo que não sejam beneficiários diretos e destinatários do ato impugnado, mas ainda assim possam ter interesse de facto na continuidade do ato impugnado, podem ser configurados como contrainteressados no processo impugnatório. Vai mais longe, dizendo que com esta parte no processo, se pretende assegurar que este não corra à revelia dos potenciais interessados e sobre os quais podem recair efeitos da sentença contrários aos seus interesses, sem que pudessem intervir no processo.

Sendo que são verdadeiras partes, tendo legitimidade passiva, conferida pelo artigo 10º/1 in fine CPTA, a lei atribui-lhes todos os poderes processuais relativos às partes, tais como a possibilidade de recorrer, presente no artigo 155º CPTA, e de contestar, artigo 82º CPTA.

Esta figura reforça a tutela de terceiros na ação administrativa. Questiona-se quais os efeitos que a sentença irá produzir nas esferas jurídicas dos contrainteressados[8]. Respeitando o princípio do contraditório presente no artigo 32º/5 CRP, sujeita o terceiro apenas quando é parte no processo. Existem duas conceções que discutem este problema, uma conceção de cariz objetivista, que defende que todos ficam submetidos aos efeitos da sentença, e uma conceção de cariz subjetivista que defende que os efeitos não lhe poderão ser imputados uma vez que não foi parte no processo. Em Portugal defendia-se a primeira conceção, Marcello Caetano[9] referia que existia uma eficácia erga omnes com ressalvas, o terceiro só não ficaria vinculado à sentença e aos seus efeitos se o objeto do processo se tratasse de uma ofensa a um direito subjetivo. Vasco Pereira da Silva[10] defende uma posição antagónica, referindo que a eficácia erga omnes da sentença violaria o disposto constitucional presente no artigo 20º/2 CRP, em que todos os indivíduos podem defender os seus direitos em processo. Mário Aroso de Almeida[11] faz distinção entre autoridade de caso julgado (diz respeito à imutabilidade da sentença e seus efeitos) e eficácia da sentença última (diz respeito à mudança introduzida na ordem jurídica), os efeitos atingirão sempre o terceiro, pois a sentença atingirá uma situação que lhe diga respeito.

Em tom de conclusão podemos dizer que a figura dos contrainteressados constitui parte na ação administrativa, e reflete a multipolaridade das relações da Administração, conferindo uma tutela legítima de proteção de direitos subjetivos de terceiro.


Trabalho realizado por:
Inês Gomes Gama de Jesus
Nº25900, 
Subturma 10- 4ºano- Dia.


Bibliografia

Aroso de Almeida, Mário, Manual de Processo Administrativo, 3ª Edição, Almedina, 2017

Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano, Vol. II, Coimbra Editora, 2006

Paes Marques, Francisco, A efetividade da tutela de terceiros no contencioso administrativo, Almedina, 2007

Pereira da Silva, Vasco, O contencioso administrativo no divã da psicanálise, 2ª Edição, Almedina, 2009

Abreviaturas
- CPTA: Código de Processo nos Tribunais Administrativos;
- CRP: Constituição da República Portuguesa.



[1] Pereira da Silva, Vasco, O contencioso administrativo no divã da psicanálise, 2ª Edição, Almedina, 2009, págs. 283-284
[2] Aroso de Almeida, Mário, Manual de Processo Administrativo, 3ª Edição, Almedina, 2017, pág. 258
[3] Paes Marques, Francisco, A efetividade da tutela de terceiros no contencioso administrativo, Almedina, 2007, págs.92-94
[4] Leitão, Alexandra, A proteção judicial dos terceiros nos contratos da Administração pública, Almedina, 2002 in Paes Marques, Francisco, A efetividade da tutela de terceiros no contencioso administrativo, Almedina, 2007, pág. 94
[5] Ibid., págs. 105-106
[6] Chancerelle Manchete, Rui. A legitimidade dos contrainteressados nas ações administrativas comuns e especiais, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano, Vol. II, Coimbra Editora, 2006
[7] Aroso de Almeida, Mário, Manual de Processo Administrativo, cit., págs. 258-259
[8] Paes Marques, Francisco, A efetividade da tutela de terceiros no contencioso administrativo, cit., págs.125-131
[9] Caetano, Marcello, Manual de Direito Administrativo, vol. II, 10ª Ed., Almedina, 1999 (reimp.), pág. 1397 in Paes Marques, Francisco, A efetividade da tutela de terceiros no contencioso administrativo, Almedina, 2007, pág. 126
[10] Pereira da Silva, Vasco, Para um contencioso administrativo dos particulares, Almedina, 1997 (reimp.), págs. 246-247 in Paes Marques, Francisco, A efetividade da tutela de terceiros no contencioso administrativo, Almedina, 2007, pág. 127
[11] Aroso de Almeida, Mário, Anulação de atos administrativos e relações jurídicas emergentes, Almedina, 2002, pag.387 in Paes Marques, Francisco, A efetividade da tutela de terceiros no contencioso administrativo, Almedina, 2007, pág. 128

Os actos administrativos impugnáveis e não impugnáveis - e as nuances que alteram a regra




Os actos administrativos impugnáveis e não impugnáveis
e as nuances que alteram a regra


- Acto administrativo

A definição do conceito de acto administrativo é o primeiro exercício a fazer ao abordar este tema, e também dos mais importantes, visto ser a principal forma de actuação da Administração.
A noção de acto administrativo é-nos dada pelo artigo 148º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), que considera serem actos administrativos as decisões, tomadas no exercício de poderes jurídico-administrativos, que tenham por objectivo produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta.

É essencial analisar cada um destes elementos para compreender eficazmente o conceito, para o efeito e segundo o Professor Marcelo Rebelo de Sousa[1] (com as devidas adaptações):

Em primeiro lugar, tem de ser uma decisão, isto significa que terá de emanar de uma conduta voluntária, positiva (não podem ser omissões), material e unilateral (ao contrário dos contractos administrativos) e tem de ter um conteúdo próprio, ou seja, tendo em vista a produção de efeitos.

Em segundo lugar, terá de ser um acto no âmbito do exercício de poderes jurídico-administrativo, seja qual for a entidade. Na antiga redacção do CPA, no seu artigo 120º, existia a exigência de ser um acto emanado de um órgão da Administração Pública, o que deixava de fora os actos praticados por privados integrados na Administração, situação que o actual CPA corrigiu.

Em terceiro lugar, o acto tem de ter como objectivo a produção de efeitos jurídicos externos. Estamos, aqui, perante um requisito de que o acto tenha um conteúdo decisório, que vise a constituição, modificação ou extinção de situações jurídicas. Esta será uma característica que abordarei com mais detalhe no seguimento da publicação, visto ser de máxima importância para o tema em apreço.

E em quarto, e último lugar, a necessidade de ser uma situação individual e concreta. São actos em que o destinatário é determinável, mesmo que em termos mais genéricos, tal como as situações a que se aplica.


- Acto impugnável

Já abordámos o que são actos administrativos, resta saber o que são os actos impugnáveis.
A nossa Lei Fundamental estabelece, no seu artigo 268º/4, o direito de impugnar, junto dos tribunais administrativos, quaisquer actos da Administração Pública que lesem a esfera jurídica do sujeito, independentemente da forma desse acto.

Estamos perante uma garantia impositiva no sentido de o legislador ordinário respeitar a impugnabilidade contenciosa de actos lesivos, no sentido de tutelar os particulares.

A impugnação é uma das formas especiais de processo do Contencioso Administrativo tem por objecto a anulação ou a declaração de nulidade de um determinado acto administrativo, de acordo com o artigo 50º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

Mas que actos podem ser alvos deste processo? O artigo 51º/1 do CPTA estatui que todos os actos administrativos são impugnáveis. É evidente aqui a compatibilidade do conceito de actos impugnáveis com o de actos administrativa expresso no artigo 148º do CPA, característica essa que não se verificava com os antigos CPA e CPTA. Esta alteração respeita mais a garantia constitucional da impugnabilidade de actos administrativos.

O foco do artigo 51º do CPTA, reside na expressão eficácia externa, é necessário que o acto vise produzir efeitos externos.

Este é o conceito definidor da impugnabilidade contenciosa, ainda que a a eficácia externa não tenha de ser actual, ela deve ser potencial, isto é, segura e muito provável.

A disposição constitucional encontra, no artigo 52º/1 CPTA mais uma reiteração, a impugnabilidade não depende da forma do acto. Devem, no entanto, os números 2 e 3 do mesmo artigo, ser lidos em conjunto com o artigo 53º do CPTA, que trata de desvios à regra[2], as nuances que irei abordar no ponto seguinte.


            - Actos não impugnáveis


Como já foi referido supra, para que um acto seja impugnável é preciso que este se apresente com conteúdo decisório inovador. Esta pequena, mas no fundo grande, característica resulta no facto de muitos actos administrativos passaram a ser considerados inimpugnáveis, nomeadamente os actos de indeferimento, os de confirmação e os de execução.


è Actos de indeferimento


No artigo 51º/4 do CPTA encontramos um tipo de actos chamados actos de indeferimento.

Estes actos são aqueles em que a Administração se recusa a praticar um certo acto administrativo. O sistema entende que a condenação à prática de acto devido, é o processo que melhor protege o particular quando este se depara com um acto de indeferimento, pois vai no sentido dos seus interesses e permite discutir o acto de forma mais eficiente visto que o particular não quer apenas eliminar um acto, quer que seja realizado outro que lhe seja favorável.

O problema aqui é que se assume isso mesmo, que o particular não quer apenas eliminar um acto desfavorável. Imaginemos que A, construtor, vê recusado o seu pedido de licença, entretanto perde o interesse na construção mas quer ressalvar a possibilidade de o fazer no futuro. Estamos aqui perante um particular que tem como objectivo somente a eliminação de um acto administrativo, existindo um interesse autónomo. Passa, então, o acto a ser impugnável? Caso contrário, A tem de esperar até querer construir para requerer a condenação à prática do acto, e por essa altura já terá passado o prazo.

Nestas situações o artigo 54º/4 do CPTA estabelece que o tribunal convida o autor a substituir a petição incial. Caso não o faça há absolvição da instância segundo o artigo 89º do CPTA.


è Actos confirmativos


Outro tipo de acto à partida não impugnável são os actos confirmativos do artigo 53º/1 do CPTA. A regra para este tipo de actos é a da não impugnação visto que estes actos se limitam a confirmar o conteúdo de outros, ou seja, sem qualquer conteúdo decisório que seja diferente, limitam-se a reiterar um acto administrativo anterior, uma decisão já tomada.

O Professor Mário Aroso de Almeida refere que não estamos aqui perante verdadeiros actos administrativos, mas sim meras declarações enunciativas ou representativas da realidade[3]. Esta é uma forma de reforçar uma decisão por parte da Administração.

No entanto o antigo 53º/2 tem aqui uma nuance, uma excepção à regra do número anterior nos casos em que o particular não tenha tido a possibilidade de impugnar o acto confirmado, ou porque não foi notificado ou porque o acto não foi publicado.

Numa situação dessas o acto confirmativo é impugnável visto que o particular não teve meios para tomar consciência do acto anterior. Esta parece uma excepção que só se verifica em certos casos mas a verdade é que é maior o número de actos confirmativos impugnáveis, ou seja dentro do 53º/2 CPTA, que não impugnáveis como dita a regra, sendo os efeitos da decisão quanto ao acto confirmativo, extensíveis ao acto confirmado segundo o artigo 53º/4 do CPTA.



è Actos de execução


Por fim temos os actos de execução, em regra também não impugnáveis segundo o artigo 53º/3 do CPTA. 

Os actos de execução são aqueles que visam aplicar um acto administrativo que o antecede. Este acto acaba por ser um pouco misto[4] visto que em parte confimam um acto anterior e por outro lado têm um conteúdo inovador, existindo, assim, duas componentes bastante diferentes.

A solução parece-me lógica, só é impugnável a parte do acto que se reveste de conteúdo inovador, que diga respeito ao próprio acto de execução. Fora destas situações não são impugnáveis, seguindo um pouco a lógica dos actos de confirmação.



            - Conclusão


É essencial que o particular seja protegido face aos actos da Administração Pública, tendo a possibilidade de os contestar e fazer valer os seus interesses. Essa protecção tem de ser efectiva e para isso é necessário entender o que são actos administrativos, o que são os actos impugnáveis e que actos estão excluídos deste processo e em que situações estamos perante excepções.
O contencioso administrativo tem vindo a seguir este caminho, da protecção do particular, a cada reforma e alteração, sempre em consonância com a Constituição, e bem.


Marta Nunes da Fonseca
nº 24261
TA subturma 10



Bibliografia


-Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, Almedina, Coimbra,
2017;

-Mário Aroso de Almeida, Considerações em torno do conceito de acto administrativo
impugnável, Separata de Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Marcello
Caetano, Coimbra Editora, 2006;

-Vasco Pereira da Silva, Em Busca do Acto Administrativo Perdido, Coimbra, 2016;

-Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves, João Pacheco de Amorim, Código
do Procedimento Administrativo Comentado”, 2ª ed., Coimbra, 1998;

-Marcelo Rebelo de Sousa, André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, 2004;

-José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa - Lições, 12ª ed., Coimbra, 2012.




[1] Marcelo Rebelo de Sousa, André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, 2004, pp.73 ss;
[2] José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa - Lições, 12ª ed., Coimbra, 2012, pp.189-190
[3] Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, 3º Edição, 2017, pp.272-273;
[4] Cfr. pp.274

domingo, 25 de novembro de 2018

Levantamento do Efeito Suspensivo Automático da Execução do Contrato no Contencioso Pré-Contratual: Análise Jurisprudencial

Beatriz Ramos Lopes
RESUMO: Perante as múltiplas divergências de interpretação e questões suscitadas acerca do regime do artigo 103.º-A do CPTA, procedemos a uma análise das posições sufragadas pelas instâncias de recurso a respeito dessas mesmas matérias: em concreto, a existência de um prazo de interposição do pedido de levantamento do efeito suspensivo automático, a distribuição e conteúdo do ónus de alegação e questões relativas à densificação dos pressupostos materiais de aplicação. Tal estudo permitir-nos-á tecer algumas considerações relativas à compatibilização das interpretações dos tribunais portugueses com os objetivos da Diretiva Recursose a adaptação da regra do efeito suspensivo automático às necessidades e especificidades da ordem jurídico-administrativa nacional.

SUMÁRIO:I. Introdução; II. Prazo aplicável III. Distribuição e conteúdo do ónus de alegação IV. Densificação dos pressupostos materiais de aplicação;1. O caráter “gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos” e a ponderação entre os interesses suscetíveis de serem lesados; 2. A ponderação do “fumus boni iuris” V. Observações finais.

DESCRITORES:Contencioso pré-contratual; Código do Processo nos Tribunais Administrativos; levantamento do efeito suspensivo automático; artigo 103.º-A do CPTA; análise jurisprudencial.

I.             Introdução
Na sequência da nossa recente exposição acerca dos pressupostos do levantamento do efeito suspensivo automático na execução do contrato, pudemos constatar a existência de diversos pontos de divergência doutrinária nesse âmbito. Como tal, considerámos ser relevante a determinação do sentido decisório, a respeito dessas mesmas matérias, que os tribunais administrativos estão a adotar. 
Outro aspeto que nos parece relevante explorar é a determinação dos modos como os tribunais nacionais estão a afeiçoar esta figura, de origem europeia, às necessidades e particularidades da ordem jurídica portuguesa. A este respeito, impõe-se, em particular, a questão de saber se a interpretação que é feita do juízo ponderativo exigido se adapta aos fins previstos pela Diretiva Recursos, na medida em que esta estabelece como exceção o levantamento do efeito suspensivo automático e, a partir de uma análise introdutória das decisões jurisprudenciais, podemos, desde já, constatar que o deferimento do pedido de levantamento nas instâncias superiores é estatisticamente mais frequente[1].
Apresentamos, assim, esta resenha das decisões das instâncias de recurso, sem, contudo, nos arrogarmos a pretensões de completude, em virtude da magnitude da tarefa a que nos propomos.

II.          Prazo aplicável
A existência de um prazo aplicável para a interposição do pedido de levantamento do efeito suspensivo automático é questão que divide a doutrina[2]. Por essa razão, é imperioso determinarmos para que lado têm pendido as decisões jurisprudenciais relativas a este aspeto.
No Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 04 de outubro de 2017, o coletivo sufragou a opinião maioritária na doutrina, no sentido da inexistência de um prazo para suscitar o incidente processual em causa durante a pendência da ação[3].
Para além de referenciar os argumentos elencados pela doutrina, o Tribunal acrescenta, na sua fundamentação, que o exercício de um direito substantivo, através da formulação da pretensão perante o Tribunal, só está sujeito a prazo, sob pena de caducidade, se a lei assim o estabelecer (remetendo para os artigos 298.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil). Por fim, o Tribunal socorre-se do elemento literal decorrente da expressão “levantamento do efeito suspensivo”: se o efeito suspensivo permanece durante a pendência do processo, o juiz poderá “levantá-lo” em qualquer momento anterior à pronúncia final.

III.       Distribuição e conteúdo do ónus de alegação
Acerca do ónus de alegação das partes têm sido suscitadas em juízo três questões essenciais: em primeiro lugar, como é feita a distribuição do mesmo entre os requerentes e os requeridos. Em segundo lugar, se recai sobre os primeiros o ónus de provar a impossibilidade de recorrer à contratação urgente para suprimir as suas necessidades. E, por fim, qual a relevância do silêncio dos segundos no momento da ponderação dos interesses em jogo.
A distribuição do ónus de alegação entre os requerentes e os requeridos quando é desencadeada a instância incidental de levantamento do efeito suspensivo automático é uma questão que tem sido suscitada em diversos acórdãos.
No Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido a 26 de abril de 2018, é dito que “É certo que é aos requerentes (..) que compete alegar factos demonstrativos da lesão que o efeito automático da suspensão da adjudicação (ou do contrato, caso este já tenha sido celebrado) lhes possa causar (...). E que compete à autora (...) responder ao pedido de cessação da suspensão (...), invocando quer factos que contrariem as lesões invocadas no requerimento inicial, quer factos que demonstrem as lesões que ocorrerão caso não se mantenha a suspensão automática do ato impugnado” [4].
Vejamos: parece ponto assente que cabe à entidade adjudicante e aos contrainteressados a alegação dos factos que preencham os requisitos necessários ao levantamento do efeito suspensivo automático e à autora o ónus de contradizer os factos alegados pela contraparte e demonstrar a gravidade da sua própria lesão. 
Não parece, contudo, ser líquido, se sobre os requerentes recai, adicionalmente, o ónus de provar a impossibilidade de recorrer à contratação por motivos de urgência imperiosa para suprimir as suas necessidades, na eventualidade de se manter o efeito suspensivo.
Quanto a este aspeto, o Acórdão do STA, de 5 de abril de 2017, é inequívoco: nele se toma posição pela desnecessidade da alegação da impossibilidade do recurso a mecanismos de contratação urgente[5]. No Acórdão do mesmo Tribunal, datado de 24 de abril de 2018, vai-se ainda mais longe, pois nele se afirma que se se verificar a necessidade imperiosa de suprir os resultados da inexecução do contrato, essa necessidade será mais um indício da procedência do pedido de levantamento do efeito suspensivo automático[6]. Esta posição já tinha sido, anteriormente, sufragada no Tribunal Central Administrativo Norte, de 15 de setembro de 2017, que nega provimento ao recurso que se baseia na falta de alegação e prova da impossibilidade de recorrer a uma “contratação alternativa[7].
Outro aspeto que não poderíamos deixar de mencionar ainda relativamente ao Acórdão de 26 de abril de 2018 é o facto de que o tribunal nele atentou aos potenciais efeitos que a decisão de procedência das alegações da autora no âmbito da ação de contencioso pré-contratual poderia ter. Ou seja, o tribunal ponderou se, nessa eventualidade, os concorrentes poderiam ainda realizar o contrato, ou se, em todo o caso, devido ao período de tempo estabelecido no objeto do contrato, estávamos sempre no âmbito indemnizatório. Verificando-se que a composição do litígio não poderia nunca resultar na possibilidade de a autora executar o contrato, esse será mais um indício a favor do levantamento do efeito suspensivo[8].
Por fim, uma questão de grande acuidade, suscitada pela doutrina, é a da relevância do silêncio do demandante face ao pedido de levantamento do efeito suspensivo automático. Já tivemos a oportunidade de nos pronunciar sobre este assunto, tomando posição no sentido de que o silêncio deve ser um dos fatores ponderados pelo juiz, enquanto reconhecimento de que, para o autor não advêm prejuízos graves do levantamento da suspensão e que se encontra conformado com a decisão de levantamento[9]. Com efeito, esta é, igualmente, a opinião sufragada no Acórdão do STA de 08 de outubro de 2018, que não admite a revista do acórdão do TCA Sul, proferido em 14 de junho de 2018, onde é dito que “[a adjudicatária] nem sequer se opôs ao requerimento de levantamento do efeito suspensivo apresentado (...), não invocando também, neste momento, qualquer prejuízo decorrente do levantamento”[10].

IV.        Densificação dos pressupostos materiais de aplicação

1.    O caráter “gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos” e a ponderação entre os interesses suscetíveis de serem lesados
Os pressupostos materiais para o levantamento do efeito suspensivo automático suscitam, essencialmente, duas questões: uma atinente ao caráter cumulativo ou alternativo dos dois critérios enunciados no n.º 2 do art. 103.º-A, e uma outra à conciliação entre aqueles critérios e a exigência de ponderação entre os interesses suscetíveis de serem lesados, constante do n.º 4 do mesmo artigo. Por fim, daremos conta de algumas decisões em que foi realizado este juízo ponderativo, através da exposição de casos nos quais a decisão foi tanto de procedência como de improcedência.
O STA tomou partido pela posição que defende o caráter alternativo da alegação da “grave prejudicialidade para o interesse público” ou “gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos”, no Acórdão proferido em 26 de abril de 2018[11].
Neste mesmo acórdão, o Tribunal expressa, ainda, o entendimento que os danos alegados nos termos do n.º 2 do artigo 103.º-A devem, posteriormente, ser ponderados face a todos os interesses em causa. Nesta senda, o Tribunal conclui que “Assim, será de levantar o efeito suspensivo da interposição da ação se se concluir que os prejuízos que resultarão da manutenção do efeito suspensivo se mostram superiores aos prejuízos que possam resultar da retoma do prosseguimento do procedimento pré-contratual na fase pós-adjudicatória”[12].
No caso em concreto, entendeu que, tendo a entidade administrativa invocado graves danos para o interesse público resultantes da suspensão automática dos atos impugnados e tendo a autora invocado motivos apenas relacionados com as ilegalidades do ato de adjudicação e a sua expectativa de interesse económico na adjudicação do contrato, a ponderação de interesses deveria ser favorável ao levantamento da suspensão[13].
E, de facto, este é o resultado, na maioria das vezes, da ponderação a que procedem os tribunais administrativos entre os interesses em jogo: entre a mera expectativa de interesse económico e os graves danos para o interesse público, concluem pelo levantamento do efeito suspensivo.
Com efeito, no Acórdão do TCA Sul de 24 de setembro de 2016, este Tribunal manteve a decisão da 1ª instância, que havia deferido o pedido de levantamento. Em causa, estava um contrato de aquisição de serviços de produção, planeamento, execução, acompanhamento e compra de espaço para uma campanha de publicidade digital do Turismo de Portugal, I.P[14].
Face a esta interpretação dos tribunais, parece que a regra será a do levantamento do efeito suspensivo automático, o que, aliás, já é percetível estatisticamente, pois o número de decisões dos Tribunais de recurso que deferem o pedido é superior ao das decisões de indeferimento[15]. Esta constatação leva-nos a questionar a compatibilidade da interpretação feita pelos tribunais portugueses com as pretensões que subjazeram à regra harmonizadora dos direitos da União, a pretensão do efeito suspensivo como regra. Por outro lado, também podemos questionar a bondade e pertinência da solução, quiçá radical, do efeito suspensivo automático.
            Atentemos numa situação em que o Tribunal decidiu pelo indeferimento do pedido de levantamento do efeito suspensivo automático: no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 24 de novembro de 2016, estava em causa um contrato de prestação de serviços de varredura mecânica para limpeza de ruas. Neste caso, a decisão foi no sentido que a suspensão do ato de adjudicação impugnado “[...] embora constitua um prejuízo para o interesse público, consubstancia tão-somente um mero prejuízo – o efeito normal – decorrente do retardamento do início da varredura mecânica pretendida – serviços complementares dos serviços de varredura manual, os quais continuam a ser garantidos pelos serviços municipais -, e não um prejuízo anormal, extraordinário ou, no dizer da lei “gravemente prejudicial para o interesse público [...]”[16].

2.    A ponderação do “fumus boni iuris
O Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 10 de abril de 2017 segue a orientação perfilhada por Margarida Olazabal Cabral António Cadilha, no sentido de que o “fumus boni iuris” (ou a sua inexistência) pode ser um fator a ponderar na ponderação do levantamento do efeito suspensivo automático[17].

V.          Observações finais
A título conclusivo, após esta breve exposição, encontramo-nos na posse dos elementos essenciais para estabelecermos algumas observações finais.
            De facto, como procurámos demonstrar, o deferimento do levantamento do efeito suspensivo automático é, nas instâncias superiores da ordem jurídico-administrativa portuguesa, a regra, e não a exceção, como era pretendido pela Diretiva Recursos. Contudo, somos da opinião que tal interpretação do juízo ponderativo, no sentido de que a mera expectativa económica do autor não deve prevalecer sobre a demonstração de graves prejuízos para o interesse público, é a correta e mais afeiçoada às especificidades da nossa ordem jurídica.
Abstraindo-nos da crítica da solução europeia de per si, esta revela-se desadequada face à realidade portuguesa, em que não raras vezes se presencia o fenómeno da litigiosidade de má fé. Colocar à disposição do concorrente preterido a possibilidade de, em virtude da mera interposição da ação de impugnação do ato de adjudicação, paralisar a produção de efeitos do contrato, parece-me uma solução radical e passível de se relevar extremamente danosa para o interesse público. A este respeito, a consideração do “fumus boni iuris”como um elemento ponderativo é, outrossim, da maior pertinência.
Da mesma forma, a morosidade dos tribunais portugueses é de conhecimento notório. Ora, sabendo que o efeito suspensivo se manterá durante a pendência da ação, consideramos ser, igualmente, da maior importância a consideração da possibilidade efetiva do concorrente preterido vir a poder executar o contrato ou se, pelo contrário, lhe restará apenas a reparação do dano pela via indemnizatória. 



[1]Cf., no sentido da procedência do pedido de levantamento do efeito suspensivo automático, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 26 de abril de 2018, Proc. N.º 062/18, de 8 de outubro de 2018, Proc. N.º 01997/17.7BELSB-S1 0799/18 e de 5 de abril de 2017, Proc. N.º 021/17; os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 24 de novembro de 2016, Proc. N.º 919/16.7BELSB, e de 4 de outubro de 2017, Proc. N.º 1329/16.1BELSB; e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 15 de setembro de 2017, Proc. N.º 00320/17.5BEPRT-A. No sentido do indeferimento do pedido de levantamento do efeito suspensivo automático, o Acórdão do TCA Sul de 24 de novembro de 2016 (todos disponíveis em www.dgsi.pt).
[2]Para um levantamento das posições doutrinais relativas a este aspeto, remetemos para a nossa última exposição no âmbito da avaliação da cadeira de Contencioso Administrativo e Tributário, intitulada Levantamento do efeito suspensivo automático da execução do contrato no contencioso pré-contratual: análise dos pressupostos de aplicação, disponível em https://contencioso-adm-sub10.blogspot.com/2018/11/levantamento-do-efeito-suspensivo.html.
[3]Cf. o Acórdão do TCA Sul de 4 de outubro de 2017, onde é dito que “A nosso ver, a circunstância de o artigo 103.º-A do CPTA não estabelecer, em qualquer dos seus normativos, um prazo para ser pedido ao Tribunal (pela entidade adjudicante ou pelos contra-interessados) o levantamento do efeito suspensivo automático, só pode significar a clara intenção do legislador em não sujeitar o seu exercício a qualquer prazo de caducidade.”.
[4]Acórdão do STA de 26 de abril de 2018, Proc. N.º 062/18.
[5]Cf. o Acórdão do STA de 5 de abril de 2017, Proc. N.º 031/17, que se passa a citar: “O Município não tinha o ónus de alegar o facto negativo de que não podia superar a suspensão automática da execução do contrato através de uma contratação alternativa.
Com efeito, a permanência ou o levantamento do efeito suspensivo automático faz-se por referência ao contrato correspondente; pois, se fosse exigível a alegação e a prova da impossibilidade de uma contratação alternativa, abrir-se-ia a possibilidade de também esta vir a ser questionada e suspensa, implicando a necessidade de outra – e assim «ad infinitum».”.
[6]Cf. Acórdão do STA de 26 de abril de 2018, Proc. N.º 062/18, em que é dito que “(...) Tendo o fornecimento aqui em causa, que foi automaticamente suspenso, que ser executado e havendo uma série de incertezas quanto à forma e possibilidade de o concretizar, acaba por não ter grande relevância se o contrato está a ser executado pelo adjudicatário do concurso ou se vai ter de ser executado por terceiros, ao que acresce os necessários custos quer temporais quer financeiros relativos à opção de não levantamento da suspensão automática (...). 
Pelo que não terá muito sentido manter um ato de adjudicação ou um contrato com os efeitos suspensos quando a entidade administrativa terá, de imediato, de arranjar alguém que o execute.”
[7]Acórdão do TCA Norte, proferido em 15 de setembro de 2017, Proc. N.º 00320/17.5BEPRT-A.
[8]Cf. Acórdão do STA de 26 de abril de 2018, que se passa a citar: “O que significa que, de qualquer forma, no período em que decorrer a ação pré-contratual e até ao trânsito em julgado da mesma, nunca a aqui recorrida e autora na ação de contencioso pré-contratual vai poder executar o referido contrato ainda que obtenha procedência na ação, pura e simplesmente porque o tempo que passou já passou. (...) O que significa que estaremos sempre no âmbito indemnizatório.”
[9]Mais uma vez se remete para a nossa última exposição no âmbito da avaliação da cadeira de Contencioso Administrativo e Tributário, intitulada Levantamento do efeito suspensivo automático da execução do contrato no contencioso pré-contratual: análise dos pressupostos de aplicação, disponível em https://contencioso-adm-sub10.blogspot.com/2018/11/levantamento-do-efeito-suspensivo.html.
[10]Acórdão do STA de 08 de outubro de 2018, Proc. N.º 01997/17.7BELSB-S1 0799/18, que cita o Acórdão do TCA Sul de 14 de junho de 2018.
[11]“Ora, independentemente de não ser linear a relação ente [sic] os n.º 2 e n.º 4 deste art. 103.º-A e ainda com o n.º 2 do artigo 120.º ambos do CPTA, resulta do preceito supra transcrito que estamos perante a alegação de uma situação alternativa entre a grave prejudicialidade para o interesse público e geração de consequências lesivas claramente desproporcionadas em relação aos outros interesses envolvidos.”inAcórdão do STJ de 26 de abril de 2018.
[12]Acórdão do STJ de 26 de abril de 2018. Neste mesmo sentido, já o TCA Sul tinha tido a possibilidade de se pronunciar, no seu Acórdão de 24 de novembro de 2016: “Do artigo 103.º-A, do CPTA, resulta que o levantamento do efeito suspensivo automático depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
a. Alegacão e prova de grave prejuízo para o interesse público ou de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos;
b. Ponderação de todos os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade.”
[13]“No caso sub judice, o Município de Lisboa invocou factos demonstrativos de grave dano para o interesse público com a suspensão automática dos atos impugnados e a autora apenas invoca motivos ligados às ilegalidades que assaca ao ato de adjudicação na ação. (...) Conclui que da parte da Autora apenas existe uma expectativa de interesse económico na adjudicação do contrato, pelo que a ponderação de interesses é no sentido do levantamento da suspensão”, in Acórdão do STJ de 26 de abril de 2018.
[14]No Acórdão do TCA Sul de 24 de setembro de 2016, Proc. n.º 919/16.7BELSB, a fundamentação foi a seguinte:
Ora, o R., instituto público português, não tem campanha de publicidade “on line” há mais de um mês consecutivo, com efeitos já concretos e redução do tráfego publicitário de Portugal de modo significativo; vejam-se os factos provados sob os n°s. 4 a 7, bem como a total impossibilidade de o R. promover Portugal - prosseguindo uma das suas atribuições legais – como destino turístico, o que importa manifestos e objetivos prejuízos materiais e imateriais para o país.
Além disso, tais prejuízos são e serão irreversíveis, ou seja, reconduzem-se a uma situação de facto consumado, porque os “timings” da publicidade “on line”, atenta a matéria objeto da publicidade e a sua dinâmica, significa que, quanto mais tarde for retomada aquela campanha publicitária, menores serão os resultados positivos do R. em atingir as suas metas e em agir no espaço digital no que importa à divulgação de Portugal como destino turístico.
Paralelamente, temos os interesses da contrainteressada, traduzidos no ressarcimento dos custos que já assumiu, em montante não apurado; temos, ainda, os “prejuízos” das AA. que se reportam a meras expectativas, traduzidas, como alegaram as AA., no interesse no novo procedimento concursal, logo que anulada adjudicação.
Ora, como é fácil de ver, os prejuízos para os interesses (de natureza pública) do réu TP, IP, com a manutenção do efeito suspensivo, superam em muito os prejuízos para os interesses materiais e morais das AA; com efeito, a manutenção do efeito suspensivo automático prejudicará muito relevantemente, como aliás já prejudicou, a atividade do TP, IP e o interesse público, turístico e económico, do país; o peso dos prejuízos é aqui elevado.”In, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 24 de novembro de 2016, Proc. nº 919/16.7BELSB.
[15]Cf. nota de rodapé 1 da presente exposição.
[16]Acórdão do TCA Sul de de 24 de novembro de 2016, Proc. n.º 13747/16.
[17]“Ora, caberá no campo da ponderação das “consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos” a que alude o nº 2 do artigo 103º-A do CPTA a consideração da forte e clara improbabilidade da ação, a qual justificará a decisão de levantamento do efeito suspensivo automático, evitando-se, assim, que a mera instauração da ação constitua um obstáculo (injustificado) à celebração e execução do contrato.”In Acórdão do TCA Sul de 10 de abril de 2017, Proc. N.º 1329/16.1BELSB.