Tribunal
Administrativo do Círculo de Lisboa
Campus de Justiça
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4.º Piso
1900-097 Lisboa
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Proc.Nº 588/18
Ação
Administrativa
311019790
CONCLUSÃO - 16-12-2018
(Termo eletrónico elaborado por Escrivão Auxiliar
Maria das Dores Esquizofrénicas da Silva)
=CLS=
*
SENTENÇA
I. Relatório
Lisboa é um Estaleiro, SA, NIPC 352789624, com sede na Rua Vasco da Gama, n.º 3, em
1500-294 Lisboa intentou a presente ação administrativa de impugnação de ato
administrativo e de condenação à prática do ato devido contra Município de Lisboa, com sede Rua Praça
do Município, 1500-638 Lisboa, enquanto demandada
principal na ação e Associação de Moradores “De lisboetas para Lisboetas”, com
NIPC n.º 163535232, com sede na Rua de Santo André, n.º 4, 1500-323 Lisboa e Associação
de Moradores “Lisboa para Melhor”, com NIPC n.º 546192339, com sede na Rua
Vieira do Minho, n.º 9, 1500-777 Lisboa, ambas como Contrainteressadas no
processo, em litisconsórcio passivo necessário, conforme preceituado nos artigos
10.º, n.º 1 e 57.º do CPTA, peticionando: declaração de nulidade da decisão de
colocação do terreno em hasta pública; declaração de anulabilidade da decisão
de aprovação do “Megaprojecto”; condenação à prática da Operação
Integrada de Entrecampos e conformidade com a legalidade.
Para tal, e em síntese, alega que
celebrou com a Ré um contrato de concessão de obras públicas no lote “Y” onde
se convencionara igualmente, um direito de preferência real sobre o lote “C”;
que foi deliberado em pela Assembleia Municipal a colocação desse terreno em
hasta pública, considerando a A. consubstanciar violação do contrato outorgado
e violação das regras imperativas de deliberação colegial, dado ter preterido
as regras de quórum; impugna, de igual
forma, a ação administrativa de construção do “Megaprojecto” por violar as
disposições do PDM, da alteração no projeto da área de edificação para
habitação constante na Recomendação n.º 2/77 da Assembleia Municipal; e por
desconsiderar os pareceres negativos, que alegou terem caráter obrigatório, da
ANAC, NAV e ML; mais alega que, no que
concerne à condenação à prática da Operação Integrada de Entrecampos (doravante
OIE) em conformidade com a legalidade, alicerça a petição na ilegítima escolha
de procedimento por ajuste direto em direta contradição com o positivado no CCP
que, alega, imporia a escolha de concurso público.
*
Contestou a Ré impugnando
parcialmente a facticidade alegada.
Invoca para tanto, que a cláusula do
contrato de concessão que prevê o direito real de preferência é nula, nos
termos conjugados da al. H) do art.º 33.º da Lei n.º 75/2013 e do art.º 83.º do
Decreto-Lei nº 280/2007, sem embargo das regras gerais de direito real
invocando os art.º 421.º, 413.º, 875.º e 220º. Do C. Civil. No que concerne à
falta de quórum da deliberação da Assembleia Geral para a venda do terreno C em
hasta pública, alegada pela A., a R. invoca que a deliberação foi tomada em 2.ª
reunião convocada após a impossibilidade de deliberar na 1.ª por falta de
quórum. Alega, em síntese a extemporaneidade dos pareceres da ANAC, NAV e ML
bem assim alega a concordância tácita das entidades com o projeto. Reforça que
o projeto prevê diversas medidas que atestam a segurança da construção,
nomeadamente quanto à utilização de vidros de alta qualidade, antirreflexo, bem
como quanto à altura dos prédios e antenas. Surpreendentemente, o R. conclui a
contestação com um pedido ininteligível porquanto pede simultaneamente a
procedência da ação e a absolvição do R..
*
Citados para o efeito, os
contrainteressados vieram apresentar contestação na qual pugnam pela
improcedência da ação aderindo à posição defendida pelo R., bem como
manifestando o superior interesse na realização do projeto para os moradores
que defendem dotar a área de mais valias sociais e económicas, alertando para o
estado de calamidade e deterioração do lote “C” que adjetivam de “lixeira a céu
aberto”, referindo serem palco de toxicodependência e prostituição. Alegam que
o projeto em nada belisca o PDM, contrariando a A. Quanto à alegada desarmonia
estética do projeto, bem como quanto ao tipo de vidro escurecido, com proteção
ultravioleta, obstando ao eventual encadeamento de condutores.
*
Finda a fase dos articulados, o
Ministério Público emitiu parecer, nos termos do art.º 85.º do CPTA, onde
formula as seguintes considerações:
- “Se ficar provado que, como
alega o RR., em 28 de setembro de 2018 ocorreu nova deliberação, em
conformidade com as exigências de quórum, entendemos que improcede a alegação
de nulidade da Deliberação da decisão de colocação do terreno da Feira Popular
em Hasta Pública;
A cláusula do direito de
preferência alegado pela AA. padece do vício de nulidade, por contrariedade à
lei;
O mínimo de superfície de
pavimento destinada a habitação de 25% previsto para o terreno da antiga Feira
Popular não se aplica ao Megaprojeto, não constituindo, por isso, fundamento da
ilegalidade da decisão de aprovação do Megaprojeto, uma vez que não pode haver
desrespeito por preceitos legais que não são aplicáveis;
A área a considerar para efeitos de edificabilidade abrange toda a área
da POLU, nela incluindo as áreas das vias e espaços envolventes que integram o
domínio público e não apenas os limites cadastrais dos terrenos da antiga Feira
Popular, pelo que improcede a alegação da AA. da invalidade do Megaprojeto por
alegadamente incluir terrenos vizinhos e parcelas da via pública na aferição
daquele limiar mínimo de area prevista para habitação.
O Parecer da ANAC é obrigatório e vinculativo. Apenas se for dada como
provada a extemporaneidade da emissão do parecer, nos termos do artigo 13.º,
n.º 6 se considera haver concordância da ANAC. Caso contrário, e tratando-se de
parecer desfavorável, a decisão padecerá de vício nos termos do artigo 68.º,
alínea c) do RJUE.
O Parecer do ML é obrigatório e vinculativo, pelo que a licença padece de
nulidade por o ter desconsiderado e, consequentemente, também serão inválidas
as decisões que tenham a licença por subjacente;
O Parecer da NAV não é obrigatório nem vinculativo;
Tendo em conta todas as violações ao PDML presentes, a decisão de
aprovação do MPE é nula, nos termos dos artigos 24.º, n.º 1. alínea a), 67.º e
68.º, alínea a) do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação;
Da eventualidade de ser declarada a invalidade do procedimento por ajuste
direto não decorre um dever da Administração em proceder à realização de
concurso público. Assim, o pedido da AA. de condenação da Administração à
realização da Operação Integrada de Entrecampos (pedido c) da P.I.) não só não
é um meio processual adequado para a prossecução dos interesses da AA., como
também não tem fundamento, na medida em que não existe um dever legal da
prática deste ato em concreto por parte da Administração.
*
Procedeu-se à realização da audiência
final.
*
II. Saneamento
Mantêm-se os pressupostos de
regularidade e validade da instância.
A A. apresentou a devida procuração
forense que replicou todo o processado. Apresentou, também, registo predial do
direito real alegado na douta petição. O R. e os contrainteressados não
apresentara oposição, não se conhecendo quaisquer exceções dilatórias ou
nulidades processuais que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
*
III. Objeto do Litígio
A questão decidenda nos presentes autos prende-se em aferir se a Deliberação
da decisão de colocação do terreno em hasta pública padece de nulidade.
Mais se deverá aquilatar se a Deliberação
de decisão de aprovação do “Megaprojecto” está ferida de anulabilidade.
Está ainda submetido à apreciação de
mérito a aferição da condenação do R. à prática de operação integrada de
Entrecampos em conformidade com a legalidade.
*
IV. Fundamentação de Facto
Factos provados
1)
O prédio urbano com a matriz n.º 1087, freguesia das
Avenidas Novas, situado entre a Avenida da República e a Avenida das Forças
Armadas por um lado, e pela Avenida 5 de outubro e pela Rua Doutor Eduardo
Neves por outro é propriedade da Câmara Municipal de Lisboa;
2)
Em 20/01/01, a Câmara Municipal procedeu à separação
do prédio urbano supra identificado em três lotes distintos, designados por
“A”, “B” e “C”, sendo o último comumente designado de Feira Popular;
3)
Desde 2003 que
os referidos terrenos se encontram devolutos após encerramento e consequente
retirada de equipamentos da “Feira Popular”.
4)
Em 03/03/15, a A. celebrou um contrato de concessão de
obras públicas com o R. do terreno “Y”, confinante com o terreno “A” a fim de
construir e explorar um parque de estacionamento;
5)
Em 12/09/2018 foi deliberada a requalificação dos
lotes através da “Operação Integrada de Entrecampos” que incluía a venda em
hasta pública do lote “C” e, simultaneamente a construção do “Megaprojecto de
Entrecampos” nos lotes “A” e “B”.
6)
O “Megaprojecto” previa a construção de edifícios
envidraçados de forma esférica e sobre as vias públicas, sendo uma forma de
recordação e homenagem a “Joselito” e ao “Poço da Morte”, outrora grande
atração da Feira Popular.
7)
A deliberação, pela Assembleia Municipal, de aprovação
de construção do “Megaprojeto” ocorreu em 16/09/2018, numa reunião sem quórum
mínimo de deputados presentes.
8)
A Associação de moradores “Os Alfacinhas” opõe-se à
edificação daquele “Megaprojeto”.
9) No contrato de
concessão de obras públicas ficou convencionado um direito de preferência com
eficácia Real do lote “C”.
10) A Câmara
Municipal celebrou, em 22/09/18, com a sociedade “Lisboa, menina e moça, SA” um
contrato de empreitada de obras públicas por via do procedimento contratual de
Ajuste Direto.
11) Em 07/11/18, o
Ministério Publico emite um parecer que põe em causa a legalidade do
empreendimento.
12)
Os vidros usados nas edificações envidraçadas são de
alta qualidade, antirreflexo com efeito de polarização que impede o
encadeamento dos condutores.
13)
A ANAC não emitiu parecer.
14)
As Associações de Moradores de “Lisboetas para
Lisboetas” e “de Lisboa para melhor” prosseguem fins não lucrativos,
concretizados no apoio aos moradores;
*
Factos não provados
Não resultou provada a seguinte
factualidade:
a) A deliberação de
colocação do terreno “C – Feira Popular” ocorreu em 14 de setembro, em reunião
sem quórum.
b)
A deliberação de colocação em hasta pública do terreno
“C – Feira Popular” ocorreu em reunião da Assembleia Municipal de 28/09/18.
c)
O gestor de procedimento pediu um parecer à ANAC.
d)
O gestor de procedimento pediu parecer à NAV e ML em
15/09/18.
e)
A NAV e ML emitiram parecer 30 dias após 15/09/18, ou
seja, a 15/10/18.
f) O gestor de
procedimento reiterou o pedido de parecer à NAV e ML em 16/10/18 sem resposta.
g)
O “Megaprojeto” providencia pela conformidade da
altura dos prédios e antenas, de acordo com o legalmente permitido.
h)
O “Megaprojeto” constitui uma mais valia do ponto de
vista urbanístico, arquitetónico, de segurança, ambiental e económico.
*
A restante matéria alegada pelas
partes e que não é acima valorada como provada ou não provada ou corresponde a
matéria conclusiva, a apreciação sobre o aspeto jurídico da causa ou não tem
qualquer relevo para a decisão da causa.
*
Motivação sobre a decisão da matéria de facto
Na fundamentação da sentença, após
analisar os factos que considera provados e não provados, o julgador deve
analisar criticamente as provas, indicando as ilações extraídas dos factos
instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a
sua convicção, tomando em consideração os factos que estão admitidos por
acordo, provados por documentos ou por confissão, compatibilizando toda a
matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas
por lei ou por regras de experiência (cf. artigo 607.º, n.º 4, do Código de
Processo Civil – de ora em diante apenas designado pela sigla CPC).
Cumpre atentar que, tratando-se,
assim, de ação administrativa destinada à impugnação de ato administrativo e
condenação à prática de ato devido, à autora compete alegar e provar um
conjunto de factos geradores do pedido, traduzidos, designadamente, na
invalidade dos atos administrativos quinados que, determinam o direito
pretendido – cfr. art.º 342.º, n.º 1, do CC. Ao município cabe a alegação e o
ónus da prova do facto impeditivo do direito daquele – cfr. art.º 342, n.º 2
CC) e/ou a contraprova do alegado pelo A..
Destarte, a decisão da matéria de
facto provada, supra discriminada,
resultou da análise e conjugação da prova testemunhal e da prova documental
junta aos autos, aliadas às regras de plausibilidade e experiência comum.
Concretizando.
No que concerne à factualidade
vertida nos pontos n.ºs 1 a 8 encontra-se admitida por acordo, uma vez que se
tratam de factos aceites pelas partes nos seus articulados, cfr art.º 15.º e
17.º da Contestação do R.
O facto elencado no ponto 9 encontra-se
plenamente provado através do teor do documento fls 85, correspondente ao
Registo Predial do Direito Real invocado. Não se reconhece efeito de prova
plena ao doc. Fls 15 e 16, “Contrato de concessão de construção e exploração do
parque de estacionamento, dado tratar-se de documento particular sem o devido
reconhecimento de assinatura.
Quanto ao ponto 10, o Tribunal formou
a sua convicção com base no doc. Fls 17 a 19, “Ajuste Direto para a empreitada
de trabalhos relativos às parcelas “A” e “B” relativo ao “megaprojecto de
entrecampos”.
A factualidade vertida no ponto n.º
11 resulta do doc. Fls. 20 a 23, “Parecer Consultivo n.º 100/2018.
No que tange à factualidade ínsita no
ponto 12, alude-se, ao depoimento claro e equidistante, e por via disso,
imparcial, prestado pela testemunha Mário José Impecável, que afiançou ao
Tribunal que os vidros “têm uma capacidade antissísmica (...) o efeito
polarizado impede o encadeamento dos condutores, absorvendo os raios solares,
nomadamente os ultravioletas”.
Relativamente ao facto elencado no
ponto n.º 13, não se tendo logrado provar pela sua existência, deverá
considerar-se provado a não receção, conforme alegado pelo R.
No que concerne à factualidade
consignada por não provada, o Tribunal considerou que não foi carreada para os
autos prova suficiente para sustentar a convicção sobre a sua verificação ou
pelo menos um juízo e certeza razoável quanto à sua ocorrência.
Senão vejamos.
Relativamente aos factos ínsitos nos
pontos a) e b), foram carreados para os autos elementos probatórios contraditórios,
fls. 24 e 43. Competia à R. alicerçar a prova da efetiva Deliberação de venda
em hasta pública do lote de terreno, conforme fora sugerido pelo Ministério
Público no parecer junto aos autos. Contudo, a R. não acolheu tal indicação.
Não apresentou qualquer prova testemunhal ou documental consonante. O art.º
34.º do CPA é exemplificativo. Não foi apresentada nem a correspetiva ata da
reunião. Nesta conformidade, o Tribunal não ficou convencido suficientemente
sobre os factos, sendo que ante a dúvida razoável sobre a ocorrência destes
factos, e face ao disposto no art.º 414º CPC, tratando-se de facto invocado
pelo R., estaremos perante uma situação de non
liquet, desfavorável àquela.
Relativamente aos pontos c), d) e f)
não se encontra nos autos qualquer meio probatório do alegado pelo R., nem as
missivas enviadas, nem comprovativos de receção, nada a não ser um constrangedor
vazio probatório do R., sobre quem impendia o ónus da prova, nos termos do
art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil. *******
Quanto ao facto vertido no ponto e), resulta
da apreciação dos docs. Fls 27 a 29, relativos aos pareceres da NAV e ML respetivamente,
que ambas teriam efeito a partir de 15/10/2018, o que não é o mesmo que afirmar
que essas mesmas propostas só foram recebidas nesse dia. Pelo contrário, estando
aposto nos docs a data em que teria efeito, certamente terá sido redigido,
expedido e recebido em data anterior. No entanto, o R. não logrou provar a data
de receção dos pareceres alegadamente solicitados, o que nem seria difícil dado
que os documentos administrativos terão aposto o carimbo com a data de entrada
nos serviços administrativos.
Os factos elencados no ponto g)
encontram-se em contradição com o que resulta da análise do ponto 6 do parecer
da NAV, fls 28. Acresce que, o depoimento da testemunha Filipa Sólido, mostrou-se
frágil e contraditório tendo inclusive admitido não ter sido desencadeado
nenhum estudo “escrito” relativamente à segurança e robustez das
infraestruturas, principalmente no que à prevenção antissísmica diz respeito.
Pese embora, tenha tentado persuadir o tribunal do contrário, revelou certa
indiligência.
O facto elencado no ponto h),
extrai-se da conjugação do exposto no doc. emitido pela ODU, fls 54 a 56, das
fotografias constantes nas fls 57 e 58, em conjugação com o depoimento da única
testemunha indicada pelo A. ouvido pelo Tribunal. A testemunha indicou ter tido
conhecimento indireto do Megaprojeto “ouviu falar”; quando questionada
relativamente ao parecer do ML referiu “ter ouvido falar”; pese embora seja
residente na área onde se pretende edificar o “Megaprojeto” e “passar por
aquela zona diariamente” afirmou não ter conhecimento, nem ter ouvido falar de
comportamentos de prostituição e toxicodependência naqueles terrenos. Através
das fotografias juntas pelos contrainteressados, fls 57, o Tribunal constata o
estado deplorável dos terrenos, com resíduos e entulhos diversos. Ora, resulta
das regras de experiência comum que tais terrenos, numa zona tão central como a
dos terrenos in casu, constitui cenário frequente para aquelas práticas.
Concomitantemente, defende a testemunha que “se pretende construir um edifício
envidraçado que, não só não é exequível como não tem nada a ver com a
envolvência histórica e pitoresca das Avenidas Novas. Trata-se aqui, de opinião
subjetiva que não será valorada de forma probatória dado carecer de qualquer
suporte científico ou técnico. Ainda assi, este Tribunal não pode dar como
provado o facto elencado no ponto h) uma vez que todos os meios de prova
deverão ser concatenados e não analisados isoladamente pelo que perante
pareceres menos favoráveis e a ausência de outros, não pode o Tribunal, per si,
fazer esta valoração, concluindo-se pela insuficiência probatória.
*
V. Fundamentação de Direito
Atendendo ao thema decidendum principal nos presentes autos cumpre, antes de
mais, caracterizar o direito de preferência convencionado entre a A. e o R. .
Do Direito de Preferência sobre o
terreno “Feira Popular”
Ambas as partes justificam as suas
pretensões baseando nos dispostos do regime jurídico do património imobiliário
(decreto lei nº. 280/2007), porém o artigo referente ao direito de preferência
(83º) do diploma acima referido, insere-se no seu capítulo III que corresponde ao
âmbito do domínio privado (artigo 31º e ss).
Então estando em causa uma situação
de gestão imoveis das autarquias, só são aplicáveis as disposições gerais do
RJPIP nos termos do artigo 1º nº. 1 Alínea a, nomeadamente o artigo 2º a 21º.
Então, assim sendo, estamos no âmbito
de aplicação do Regulamento de Alienação de Imóveis Municipais do Município de
Lisboa (RAIMML) de 6 de Novembro de 2008, publicado no 3º Suplemento ao Boletim
Municipal nº. 768, e retificado no 1º Suplemento ao Boletim Municipal nº 981,
de 6 de Dezembro de 2012.
De acordo com o seu artigo 13 nº 3, o
recurso a hasta pública é o modo preferencial de alienação dos imoveis
localizados em zonas de elevado valor de mercado imobiliário e de acordo o nº.
4 o direito de preferência só é reconhecido aos proprietários de prédios
contíguos.
O direito de preferência alegado pelo
AA foi constituído num contrato de concessão de obras públicas, vai contra o
disposto do 13 nº 4, uma vez que não o constitui como proprietários do lote y,
e mesmo sendo este não é contiguo com o
lote C (ver anexo II do AA).
Da declaração de nulidade do terreno em hasta pública
Tendo em consideração a matéria de
facto provada e não provada pelo Tribunal, conclui-se que não ficou provada a
Deliberação de venda em hasta púbica de 28/09/2018.
O R. admite, cfr art.º 17.º da sua
Contestação, a existência da reunião da Assembleia Municipal de 14/09/2018 cuja
insuficiência de quórum teria motivado a alegada reunião de 28/09/2018, cfr.
Art.º 18.º da Contestação. Ora, não resultou provada a Deliberação de
28/09/2018 por o R. não ter oferecido ao Tribunal prova suficiente (e de acordo
com o previamente constatado pelo Ministério Público do douto Parecer, junto
aos autos).
Assim, não tendo havido Deliberação
em 14/09/2018, nem em 28/09/2018, o ato administrativo impugnado enferma de
inexistência. “A declaração de inexistência de um ato administrativo,
o qual todavia, noutros trechos da lei, vem claramente equiparado à anulação e
à declaração de nulidade enquanto pedido inserido no âmbito de uma ação
impugnatória (em especial os art.º 2.º, n.º 2, al a) e 4.º, n.º 2, al a) do
CPTA; e, de resto o próprio n.º 4 do art.º 50.º se refere expressamente a este
pedido, esclarecendo que as disposições relativas à (…) impugnação (inicial ou
sucessiva) de atos nulos ou anuláveis se aplicam, (…) à impugnação de atos
inexistentes. (…). Estamos aqui diante de uma mera aparência de ato e
não diante de uma verdadeira decisão”. (Cfr. Marco Caldeira, “A impugnação
de atos no novo CPTA: âmbito, delimitação, pressupostos”, in Comentários à
Revisão do ETAF e do CPTA, Ed. AAFDL, 2016 ).
De acordo com Mário Aroso de Almeida
(Manual de Processo Administrativo, 2ª Ed, Almedina, 2015) “as ações de
declaração de inexistência de atos administrativos não são ações de impugnação,
porque, quando não existe ato administrativo, não há objeto a impugnar, mas
ações meramente declarativas ou de simples apreciação às quais, por razões de
ordem prática, determina, em todo o caso, que se apliquem aspetos (…) do regime
de impugnação de atos administrativos”.
Assim, compete pronunciar sobre a
ilegalidade substantiva do ato impugnado. Conforme alega a A. nos art.º 8.º,
15.º e 44.º da P.I., assim como o teor do documento, fls 24, que corresponde ao
Anexo VI da P.I., a reunião carecia de quórum legal.
Nos termos do n.º 1 do art.º 34.º do
Regimento da Assembleia Municipal de Lisboa, em conjugação com o n.º 1 do art.º
29.º do CPA, seria imperativa a presença da maioria do número legal dos seus
membros para que aquele órgão pudesse deliberar. Nada impede a realização de
reunião, mas sem votação, sem deliberação. Pelo que, teria de ser convocada
nova reunião, com a mesma ordem do dia, com um intervalo mínimo de 24 horas.
Assim sendo, nos termos do art.º
161.º, n.º 2, al h) do CPA qualquer Deliberação ocorrida na reunião da
Assembleia da Municipal de 14/09/2018 está ferida de nulidade. O decretamento da
nulidade da Deliberação de 12/09/2018 impõe, concomitantemente, a nulidade de
todos os outros atos consequentes que com aquela estejam conexos diretamente.
Nestes
termos, julga-se o pedido de nulidade da Deliberação de venda do terreno em
hasta pública procedente.
Da declaração de anulabilidade do Megaprojecto
O pedido de declaração de
anulabilidade apresentado pelo autor é fundamentado por: desconsideração da
recomendação nº2/77 da Assembleia municipal; violação do índice de
edificabilidade previsto para os terrenos do megaprojeto; desconsideração de
pareceres; violação do Plano Diretor Municipal de Lisboa (doravante, PDML).
Começando pela desconsideração da
recomendação n.º 2/77 da Assembleia Municipal, os argumentos apresentados pelo
Ministério Público parecem procedentes: a Recomendação invocada não se aplica
ao Megaprojeto, tem uma incidência diversa. Além de que a Recomendação é um
parecer e, à luz do artigo 91.º/2 do CPA, será um parecer não vinculativo.
Mesmo que incidisse sobre o Megaprojeto, não seria um instrumento vinculativo
que vinculasse este ato em termos de validade.
É, ainda, invocada, a desconsideração
de pareceres: quanto a este ponto, o tribunal adere às posições deduzidas pelo
Ministério Público, em parecer. Com efeito, os pareceres em direito do
Urbanismo: por regra, são obrigatórios; a omissão de parecer obrigatório
acarreta consigo a consequência jurídica da nulidade; e, normalmente, quando um
parecer é de sentido negative, considera-se tal parecer obrigatório.
Sobre o parecer da ANAC, nos termos
do artigo 5.º do Decreto n.º48542, por remissão do artigo 13.º/1 do RJUE, temos
a dizer que, de facto, este parecer era vinculativo e obrigatório; e tendo este
sido desconsiderado, a decisão de aprovação do megaprojeto era nula, nos termos
do artigo 68.º, alínea c) do RJUE.
Sobre o parecer do ML, citando o
parecer do Ministério Público, cuja douta opinião o tribunal, neste ponto,
adota: Constata-se que houve efetivamente emissão do parecer pela ML em tempo
útil. Por sua vez, da articulação do artigo 12.º, n.º 3 do EML (Estatuto do
Metro de Lisboa) e n.º 7 do artigo 13.º do RJUE, resulta o caráter vinculativo
deste parecer, pelo que padece de nulidade qualquer licença emitida na sua
desconsideração, artigo 68.º, alínea c) do RJUE e, consequentemente,
posteriores decisões que tenham aquela licença por subjacente.
Sobre o parecer da NAV: dos seus
estatutos e tendo em conta que se trata de uma entidade pública empresarial,
infere-se que o seu parecer não é obrigatório nem vinculativo.
Portanto: a decisão que aprova a
decisão do Megaprojeto é nula, nos termos do artigo 68.º do RJUE (e não
anulável, como invoca o autor – tenha-se em conta que o juiz conhece
oficiosamente do Direito, não estando vinculado à pura aplicação das regras
invocadas pelas partes). Note-se: nula porque, nos termos da lei, os pareceres
da ANAC e do ML são obrigatórios e vinculativos (se num sentido negativo): não
porque o tribunal deva interferir nas políticas camarárias, por receio de
totais desconsiderações de relevantes pareceres. O tribunal, na sua
independência, não se deve preocupar com adotar decisões que procedam a uma
“gestão” das decisões administrativas: deve administrar a justiça. Tal
destrinça clara de funções é nuclear para assegurar a separação de poderes,
princípio consagrado na nossa Lei Fundamental.
Sobre a alegada violação do PDML:
cumpre destrinçar dois tipos de argumentos invocados: pelo autor e pelos
contrainteressados há diversas referências a conceitos indeterminados, como à
vertente cultural e à estética; sobretudo no parecer apresentado pelo
Ministério Público invocam-se violações expressas que se reportam a diligências
e critérios jurídicos apresentados em fonte normativa – o RPDML.
Ora, sobre os primeiros, não deve o
tribunal pronunciar-se. Se for a situação em que, perante conceitos
indeterminados, haja que condenar o réu à prática de ato devido, nos termos do
artigo 71.º/2 do CPTA, há que apenas explicitar as vinculações a seguir pela
administração. Semelhante lógica deve estar presente aqui: os princípios gerais
da atividade administrativa, o respeito pelos planos e programas, princípios
urbanísticos e ambientais próprios, são vinculações que o tribunal, aqui, deve
invocar. Contudo, não se deve substituir à Administração na sua
discricionariedade interpretativa ou apreciativa de conceitos bastante
indeterminados. Ao poder judicial importa que a concretização pela
Administração de tais conceitos respeite o ordenamento jurídico: e nada mais,
para assegurar a separação e interdependência de poderes.
Sobre os argumentos invocados quanto
a violações de deveres jurídicos e que não se reportem à discricionariedade
administrativa que, por respeitar todas as vinculações implícitas, exclui a
sindicância pelo tribunal, nomeadamente invocados pelo Ministério Público, em
douto parecer, procede a violação invocada ao artigo 4.º, alínea a) e 24.º/4 do
RPDML: não houve qualquer estudo de resistência sísmica, exigida pelo PDML.
Deste modo, por força dos artigos 24.º/1, a), 67.º e 68.º do RJUE, a decisão de
começar o Megaprojeto é nula.
Por tudo o exposto, julga-se o ato de
execução do Megaprojeto nulo, sendo o pedido parcialmente procedente para o
autor (que invocou a anulabilidade).
Da condenação à prática da Operação
Integrada de Entrecampos em conformidade com a legalidade
A
AA. formula um pedido de condenação á prática do ato devido, nomeadamente, a
Operação Integrada de Entrecampos, em conforme com a legalidade, alegando ser
ilegítima a escolha de procedimento por ajuste direto, por ser incoerente com o
positivado no CCP, impondo a opção pelo concurso público.
A
noção de ajuste direto vem definida no artigo 112.º, n. º2 do CCP, como “o
procedimento em que a entidade adjudicante convida diretamente uma entidade à
sua escolha a apresentar proposta”. Para a adoção deste procedimento devem ser
aludidos dois critérios, nomeadamente, ao critério do valor, presente nos
artigos 17.º a 22.º do CCP, sendo este o critério regra, que implica que o
contrato fique sujeito a um limite de valor. No caso em apreço, o valor é de
10 500 000,00 euros, como se comprova pelo Anexo IV apresentado pela
AA, o que claramente ultrapassa o limite estabelecido pelo artigo 19.º alínea
d) do CCP.
Devemos
também aludir ao critério material, que vem disposto nos artigos 24.º a 27.º do
CCP. Estas disposições são situações taxativas que permitem adoção do ajuste
direto independentemente do valor do contrato a celebrar. Para utilizar este
critério o órgão competente para a decisão de contratar tem de fundamentar de
forma clara e objetiva que a situação em apreço reúne todos os pressupostos
previstos em alguma das alíneas mencionadas anteriormente. Ao caso temos de
aludir aos critérios materiais previstos no artigo 25.º, relativo aos contratos
de empreitadas de obras públicas. Ora, não é possível aplicar ao caso nenhuma
das alíneas previstas neste artigo.
Dito
isto, tendo sido reunidos e analisados os meios de prova, resta concluir,
quanto a esta questão, que o contrato é inválido, por vício de nulidade,
podendo esta ser invocada a todo o tempo, de acordo com o artigo 162.º do CPA,
assim como o artigo 283.º, n.º 1 do CCP. De facto, este devia ter sido
realizado sob a forma de concurso público. Este é um procedimento
concorrencial, dado a conhecer através de anúncio publicado no Diário da
República, assim como no Jornal Oficial da União Europeia quando o valor do
contrato a celebrar for superior aos limiares comunitários, tendo em conta o
disposto nos artigos 130.º e 131.º do CCP. Neste procedimento os operadores
económicos começam desde logo por apresentar propostas, o que significa que não
existe uma fase de avaliação da capacidade técnica e/ou financeira dos
concorrentes, ou seja, não existe nenhuma fase prévia de qualificação dos
concorrentes. Este procedimento pode ser adotado sempre que a entidade
adjudicante assim o entenda, com a ressalva de que, quando o valor do contrato
a celebrar for superior aos limiares europeus de contratação pública, o anúncio
deve ser obrigatoriamente publicado no Diário da República e no Jornal Oficial
da União Europeia.
Assim,
deverá ser declarada a invalidade do procedimento de ajuste direto. No entanto,
daqui não decorre que a Administração tem um dever legal de proceder á
realização de um concurso público.
Vejamos,
a aludida consagração legal, nos artigos 66.º e seguintes do CPTA surge como
corolário da previsão, no n.º 4 do artigo 268.º da CRP, que prevê como
característica do princípio da tutela jurisdicional efetiva, a possibilidade de
os tribunais condenarem a Administração à prática de atos, quando legalmente
devidos. (Acórdão Tribunal Central Administrativo Norte de 15 de setembro de
2016, processo n.º 00584/14.6BEPRT).
“O processo de condenação é um processo em
que o autor faz valer a posição subjetiva de conteúdo pretensivo de que é
titular, pedindo o seu cabal reconhecimento e dela fazendo, portanto, o objeto
do processo” (Cfr. Mário Aroso de Almeida, “Manual de Processo Administrativo”,
3ª Edição, Almedina, 2017, pp.92 e seguintes.).
Esta
ação, por norma, dirige-se à prática de um ato administrativo ilegalmente
omitido ou recusado, como está disposto no artigo 66º do CPTA, sendo necessário
que a dita recusa ou omissão do ato tenha sido efetivamente ilegal.
Assim,
podemos dizer que a condenação á prática de ato devido serve para obter a
condenação da entidade competente á prática de um ato administrativo que tenha
sido ilegalmente omitido ou recusado, dentro de um determinado prazo, tendo em
conta o artigo 66.º n. º1 do CPTA, sendo de mencionar ainda que este ato devido
é o ato administrativo que, na perspetiva do autor, deveria ser emitido e não
foi, tanto por existência de uma omissão ou por uma recusa, quando tenha sido
praticado um ato que não satisfaça uma pretensão.
Ora,
este ato, para ser devido, tem de ser um ato que a Administração esteja
obrigada a praticar, o que não está aqui em causa. De facto, não existe um
dever da Administração em realizar o concurso público, ou seja, o concurso
público não é um ato devido da Administração. Como defende Mário Aroso de
Almeida a condenação será proferida se a lei for clara nesse sentido, isto é,
no sentido de impor o dever de agir, ou quando o Tribunal considere, perante o
caso concreto, que a Administração não tem outra alternativa do que agir,
estando o autor constituído no poder de exigir essa atuação. (Cfr. Mário Aroso
de Almeida, “Manual de Processo Administrativo”, 3ª Edição, Almedina, 2017, p.
100.)
Deste
modo, e indo em conta com o parecer do Ministério Público, o pedido formulado
pela AA. de condenação da Administração á realização da Operação Integrada de
Entrecampos não é o meio processual adequado á prossecução dos interesses da
AA, faltando-lhe também o fundamento, pelo que não deve a Administração ser
condenada a proceder á realização do concurso público, sendo o pedido c) da
P.I., improcedente.
Nestes
termos, julga-se o pedido de condenação à prática da Operação Integrada de
Entrecampos em conformidade com a legalidade improcedente.
*
VII. Responsabilidade Tributária
Atendendo a que o Réu e os Contrainteressados
ficaram parcialmente vencidos nos presentes autos, condena-se os mesmos no
pagamento na proporção de 2/3 e 1/3 respetivamente das custas do processo (cf. Art.º
527º, n.ºs 1 e 2, do CPC), condena-se o A. Ao pagamento de 1/3 das custas do
processo, que se fixam 12 (doze) UC - cf. n.º 1, do artigo 6º, do Regulamento
das Custas Processuais e Tabela I-A, anexa ao referido diploma.
*
VIII. Decisão
Por tudo o exposto, julga-se a presente ação totalmente
procedente por provada e em
consequência decide-se:
a)
Conceder provimento ao pedido de declaração de
nulidade da deliberação de Venda em Hasta Pública do terreno “Feira Popular”;
b)
Conceder parcialmente provimento ao pedido de
declaração de anulabilidade do projeto de Entrecampos, convertendo-o em
nulidade;
c)
Negar provimento ao pedido de condenação à prática da
Operação de Entrecampos em conformidade com a legalidade.
*
Registe e notifique.
*
Lisboa, 16 de dezembro de 2018
Os Juízes de
Direito
Catarina
Palma
Paula Pereira
Filipe Oliveira
Sílvio
Rodrigues
_________________________
(Texto elaborado em computador e
integralmente revisto pelos signatários)
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