Dos actos confirmativos
O
acto confirmativo será aquele que em nada acrescenta a um acto administrativo
anterior, dito de ato confirmado. Esta definição tem vindo a ser encarada de um
ponto de vista processual, tanto que o interesse desta figura de cinge essencialmente
ao plano da sua relevância contenciosa.[1]
Esta categoria de actos limita-se a reconhecer
que sobre determinada questão já terá sido tomada uma decisão, pelo que não
envolverá o reexercício do poder de decidir. Neste sentido, a Administração limita-se
a reconhecer que já anteriormente foi tomada uma decisão sobre a matéria e
porventura se recusa a reexercer o poder de decidir.[2]
Esta recusa do poder de decidir advém do
facto de o objetivo do acto confirmativo ser o de garantir a estabilidade do
acto confirmado, uma vez que deveria ter sido este último a ser impugnado, o
que não terá ocorrido. Pelo que este objetivo justifica a não impugnabilidade do
ato confirmativo.
Desta
forma, consideram-se “actos confirmativos” os atcos administrativos que mantêm,
por concordância, um acto administrativo anterior, tendo em vista a mesma
situação nele regulada, recusando, por isso a sua alteração ou revogação. Com
isto se mantém a estabilidade do primeiro acto administrativo.
No
âmbito dos actos confirmativos, destacam-se os actos meramente confirmativos que
se limitam a confirmar actos anteriores pelo que se trata de actos que provêm do mesmo autor ou do seu
superior hierárquico, limitados a, perante insistência do interessado,
reafirmar o que já havia sido decidido antes.[3]
Aprovado
na sequência da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 100/2015, de 19
de Agosto, o Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, veio proceder a uma
revisão extensa (e, em alguns pontos, profunda) do regime do contencioso
administrativo em Portugal, constante do Código de Processo nos Tribunais
Administrativos (“CPTA”), aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro.
Na
versão anterior à revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, o CPTA
construía a regra geral a partir da excepcionalidade do indeferimento da
impugnação de um acto administrativo com base no seu carácter meramente confirmativo,
enunciando taxativamente os casos em que semelhante indeferimento, com tais
fundamentos, poderia ter lugar[4].
Consideram-se
como actos administrativos todas as decisões dos órgãos da Administração que ao
abrigo de normas de direito público visam produzir efeitos jurídicos numa
situação individual e concreta e, por outro lado, a noção de recorribilidade do
ato administrativo passa a plasmar-se sobre o conceito de lesividade.
Hoje
inverte-se a formulação da regra geral, passando a dispor que os atos confirmativos
não são, em princípio impugnáveis.[5]
O legislador vem agora fornecer uma definição daquilo que se deve entender por
ato “meramente confirmativo”.[6]
Neste sentido, esclarece-se que não se verificará a regra da impugnabilidade
quando “o interessado não tenha tido o ónus de impugnar o ato confirmado”[7].
Assim, o interessado não terá ónus de impugnar quando o acto confirmado não
chegou a adquirir eficácia ou por não ter ocorrido o facto que, desencadearia a
contagem do correspondente prazo de impugnação.
A noção de acto confirmativo dada
pelo projecto de revisão do CPTA apresenta agora características materiais. Se
os fundamentos do ato confirmativo são os mesmos do acto confirmado estamos
perante um acto confirmativo de acto anterior aplicando-se-lhe o correspondente
regime processual da respectiva inimpugnabilidade.
A questão está em saber se apesar da
identidade de conteúdo entre o primeiro e o segundo acto a ordem jurídica
permite a impugnação deste em determinadas circunstâncias.
“Constituem requisitos dos
chamados actos meramente confirmativos:
a)
Que o acto confirmado se configure como lesivo;
b)
Que o acto confirmado fosse do conhecimento do interessado, em ordem à sua
recorribilidade; e
c)
Que entre o acto confirmado e o ato confirmativo haja identidade de sujeitos, de
objeto e de decisão”.[8]
Verificar-se-á
a identidade entre as partes quando o autor e o destinatário do ato são os
mesmos nos actos em questão. Por outro lado, no que concerne à autoria do acto,
não será requisito essencial a idêntica personalidade dos autores dos atos em causa dado que o
que releva é a origem da titularidade dos poderes exercidos ao se praticar um
acto administrativo.
Neste sentido, o
acto confirmativo é proferido na sequência de um acto administrativo, ele sim,
impugnável. O acto confirmativo não será impugnável por não ter eficácia externa
própria, nem possuir, autonomamente, a natureza de um ato lesivo de direito ou
interesses protegidos.
No que diz respeito
à identidade da pretensão, esta deverá ser aferida em presença das mesmas
circunstâncias de facto e de direito, sendo que para a identidade de causa de
pedir terá de existir identidade nos fins a atingir com a prática dos atos
confirmados e confirmativos.
Pelo que este ato,
meramente confirmativo, não poderá ser aproveitado para reabrir um litígio uma
vez que ele não pode ser impugnado por quem tenha o ónus de impugnar o acto
confirmado e não o tenha feito. O ato confirmativo não abre qualquer prazo para
a via contenciosa, exatamente por não constituir um ao administrativo ao lhe faltar
a capacidade de produzir efeitos jurídicos inovatórios.
O acto confirmativo
porque não acrescenta ou tira ao conteúdo de acto anterior não é sequer um acto
jurídico.[9]
Esta é uma ideia, segundo a qual o acto de confirmação não é uma decisão mas
uma simples declaração através da qual a Administração reconhece uma decisão
que já foi tomada ou se recusa, na sequência de um recurso hierárquico
voluntário, a decidir.
De acordo com o Professor
Marcello Caetano o acto administrativo confirmativo não era executório nem
consequentemente recorrível. Limitando-se a mandar executar o acto anterior ou
a prosseguir a respectiva execução pelo que não lhe acrescentava nada de novo.
Executório era o acto anterior assim confirmado porque apenas dele era a força
jurídica característica da Administração.
Nesta medida, estar-se-ia
a permitir que o litígio fosse suscitado sem observância dos prazos legais, resultando
do artigo 53.º, número 2 do CPTA. Este acto confirmativo não pode ser impugnado
se o acto anterior tiver sido notificado ao interessado ou publicado, nos casos
em que o interessado não tivesse de ser notificado[10].
Resulta a contrario sensu que poderá impugnar o acto confirmativo aquele que,
quando o ato confirmado, devendo ser obrigatoriamente publicado, não o tenha
sido, ou do qual não tenha sido notificado, tendo direito a sê-lo[11].
Isto acontece por ser através dos actos confirmativos que, pela primeira vez, se
vê confrontado com o ónus de reagir a uma decisão que até aí, constava de um
acto do qual não tinha ónus de impugnar.
Contudo, a questão da irrecorribilidade dos
actos confirmativos é diferente nos casos de nulidade do ato confirmado. A
confirmatividade dos actos é geradora da irrecorribilidade face à consolidação
dos actos administrativos, de que se não recorreu tempestivamente. É o “caso
decidido” e a estabilização da ordem jurídica administrativa que justificam
estruturalmente que um acto posterior, de idêntico conteúdo e com a mesma
fundamentação seja irrecorrível.
Porém
se o acto confirmado é nulo, o mesmo não merece qualquer proteção, pelo que não
faz caso decidido. Daí que, não haja – para efeitos de irrecorribilidade –
confirmatividade de actos nulos. Tal decorre do regime da nulidade dos actos, que
não produzem quaisquer efeitos, independentemente da declaração da sua
nulidade, a qual pode ser invocada a todo o tempo e não é suscetível de
ratificação, reforma ou conversão – artigos 134º e 137º do CPA.[12]
A jurisprudência tem sido
consistente e reiterada, ao não admitir que se possam invocar contra um ato
administrativo vícios que se podiam e deviam ter invocado contra atos
anteriores, sendo isso mesmo o que resulta da teoria tradicional dos atos
meramente confirmativos.[13]
Disto resulta claramente que
a conjugação dos Artº 51º e 53º do CPTA determina correspondentemente que
apenas se mostrarão impugnáveis os actos administrativos dotados de eficácia
externa, ainda que inseridos num procedimento administrativo, designadamente
aqueles cujo conteúdo seja suscetível de lesar posições jurídicas subjetivas.
[1] Assim, M. Esteves de Oliveira, Pedro Costa
Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo, 2ª
ed., actualizada, revista e aumentada, Coimbra, 1997, p. 715.
[2] Cfr. M. Aroso de Almeida, “Manual de
Processo Administrativo”, pág. 266 e 267
[3]
Cfr. Mário Esteves de Oliveira e
Rodrigo Esteves de oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos
anotado, VI, Almedina, p. 357
[4] Casos em que o acto confirmativo tivesse
sido impugnado pelo autor, e lhe tivesse sido notificado ou tivesse sido publicado,
sem que a notificação fosse obrigatória.
[5] Cfr. Art. 53.º/1, primeira parte, do
CPTA
[6]
“Os
atos que se limitem a reiterar, com os mesmos fundamentos, decisões contidas em
atos administrativos anteriores”,
Crf. Art. 53.º/2 do CPTA
[7] Por não se ter verificado relativamente
a esse acto, qualquer dos factos previstos nos n.os 2 e 3 do art.
59.º do CPTA
[8] Cfr. Acórdão do TCA Norte de
04.11.2016, Proc. 00043/14.7BEVIS
[9] J. M. Sérvulo Correia, Noções de
Direito Administrativo, I, Lisboa, 1982, p. 347.
[10] Cfr. M. Aroso de Almeida, “Manual de
Processo Administrativo”, pág. 266 e 267
[11] Cfr. Art. 59.º/2 CPTA
[12] Cfr., neste sentido, os Acórdãos deste Supremo
Tribunal de 16-05-91 e 03-06-97, proferidos nos recursos 16.393 e 41.587.»] – Ac do TCA-N de 19/02/2016, no âmbito do processo n.º 01327/09.1BEBRG.
[13] Cfr. Mário Aroso, “Suspensão da eficácia de atos administrativos de
execução da sentença”, Cadernos de Justiça Administrativa nº11, pág.20)
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