domingo, 9 de dezembro de 2018


Dos actos confirmativos

O acto confirmativo será aquele que em nada acrescenta a um acto administrativo anterior, dito de ato confirmado. Esta definição tem vindo a ser encarada de um ponto de vista processual, tanto que o interesse desta figura de cinge essencialmente ao plano da sua relevância contenciosa.[1]
            Esta categoria de actos limita-se a reconhecer que sobre determinada questão já terá sido tomada uma decisão, pelo que não envolverá o reexercício do poder de decidir. Neste sentido, a Administração limita-se a reconhecer que já anteriormente foi tomada uma decisão sobre a matéria e porventura se recusa a reexercer o poder de decidir.[2]
            Esta recusa do poder de decidir advém do facto de o objetivo do acto confirmativo ser o de garantir a estabilidade do acto confirmado, uma vez que deveria ter sido este último a ser impugnado, o que não terá ocorrido. Pelo que este objetivo justifica a não impugnabilidade do ato confirmativo.
Desta forma, consideram-se “actos confirmativos” os atcos administrativos que mantêm, por concordância, um acto administrativo anterior, tendo em vista a mesma situação nele regulada, recusando, por isso a sua alteração ou revogação. Com isto se mantém a estabilidade do primeiro acto administrativo.
No âmbito dos actos confirmativos, destacam-se os actos meramente confirmativos que se limitam a confirmar actos anteriores pelo que se trata  de actos que provêm do mesmo autor ou do seu superior hierárquico, limitados a, perante insistência do interessado, reafirmar o que já havia sido decidido antes.[3]
Aprovado na sequência da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 100/2015, de 19 de Agosto, o Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, veio proceder a uma revisão extensa (e, em alguns pontos, profunda) do regime do contencioso administrativo em Portugal, constante do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro.
Na versão anterior à revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, o CPTA construía a regra geral a partir da excepcionalidade do indeferimento da impugnação de um acto administrativo com base no seu carácter meramente confirmativo, enunciando taxativamente os casos em que semelhante indeferimento, com tais fundamentos, poderia ter lugar[4].
Consideram-se como actos administrativos todas as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visam produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta e, por outro lado, a noção de recorribilidade do ato administrativo passa a plasmar-se sobre o conceito de lesividade.

Hoje inverte-se a formulação da regra geral, passando a dispor que os atos confirmativos não são, em princípio impugnáveis.[5] O legislador vem agora fornecer uma definição daquilo que se deve entender por ato “meramente confirmativo”.[6] Neste sentido, esclarece-se que não se verificará a regra da impugnabilidade quando “o interessado não tenha tido o ónus de impugnar o ato confirmado[7]. Assim, o interessado não terá ónus de impugnar quando o acto confirmado não chegou a adquirir eficácia ou por não ter ocorrido o facto que, desencadearia a contagem do correspondente prazo de impugnação.
            A noção de acto confirmativo dada pelo projecto de revisão do CPTA apresenta agora características materiais. Se os fundamentos do ato confirmativo são os mesmos do acto confirmado estamos perante um acto confirmativo de acto anterior aplicando-se-lhe o correspondente regime processual da respectiva inimpugnabilidade.
            A questão está em saber se apesar da identidade de conteúdo entre o primeiro e o segundo acto a ordem jurídica permite a impugnação deste em determinadas circunstâncias.
“Constituem requisitos dos chamados actos meramente confirmativos:
a) Que o acto confirmado se configure como lesivo;
b) Que o acto confirmado fosse do conhecimento do interessado, em ordem à sua recorribilidade; e
c) Que entre o acto confirmado e o ato confirmativo haja identidade de sujeitos, de objeto e de decisão”.[8]
            Verificar-se-á a identidade entre as partes quando o autor e o destinatário do ato são os mesmos nos actos em questão. Por outro lado, no que concerne à autoria do acto, não será requisito essencial a idêntica personalidade dos autores dos atos em causa dado que o que releva é a origem da titularidade dos poderes exercidos ao se praticar um acto administrativo.
            Neste sentido, o acto confirmativo é proferido na sequência de um acto administrativo, ele sim, impugnável. O acto confirmativo não será impugnável por não ter eficácia externa própria, nem possuir, autonomamente, a natureza de um ato lesivo de direito ou interesses protegidos.
            No que diz respeito à identidade da pretensão, esta deverá ser aferida em presença das mesmas circunstâncias de facto e de direito, sendo que para a identidade de causa de pedir terá de existir identidade nos fins a atingir com a prática dos atos confirmados e confirmativos.
            Pelo que este ato, meramente confirmativo, não poderá ser aproveitado para reabrir um litígio uma vez que ele não pode ser impugnado por quem tenha o ónus de impugnar o acto confirmado e não o tenha feito. O ato confirmativo não abre qualquer prazo para a via contenciosa, exatamente por não constituir um ao administrativo ao lhe faltar a capacidade de produzir efeitos jurídicos inovatórios.
            O acto confirmativo porque não acrescenta ou tira ao conteúdo de acto anterior não é sequer um acto jurídico.[9] Esta é uma ideia, segundo a qual o acto de confirmação não é uma decisão mas uma simples declaração através da qual a Administração reconhece uma decisão que já foi tomada ou se recusa, na sequência de um recurso hierárquico voluntário, a decidir.
            De acordo com o Professor Marcello Caetano o acto administrativo confirmativo não era executório nem consequentemente recorrível. Limitando-se a mandar executar o acto anterior ou a prosseguir a respectiva execução pelo que não lhe acrescentava nada de novo. Executório era o acto anterior assim confirmado porque apenas dele era a força jurídica característica da Administração.
Nesta medida, estar-se-ia a permitir que o litígio fosse suscitado sem observância dos prazos legais, resultando do artigo 53.º, número 2 do CPTA. Este acto confirmativo não pode ser impugnado se o acto anterior tiver sido notificado ao interessado ou publicado, nos casos em que o interessado não tivesse de ser notificado[10]. Resulta a contrario sensu que poderá impugnar o acto confirmativo aquele que, quando o ato confirmado, devendo ser obrigatoriamente publicado, não o tenha sido, ou do qual não tenha sido notificado, tendo direito a sê-lo[11]. Isto acontece por ser através dos actos confirmativos que, pela primeira vez, se vê confrontado com o ónus de reagir a uma decisão que até aí, constava de um acto do qual não tinha ónus de impugnar.
            Contudo, a questão da irrecorribilidade dos actos confirmativos é diferente nos casos de nulidade do ato confirmado. A confirmatividade dos actos é geradora da irrecorribilidade face à consolidação dos actos administrativos, de que se não recorreu tempestivamente. É o “caso decidido” e a estabilização da ordem jurídica administrativa que justificam estruturalmente que um acto posterior, de idêntico conteúdo e com a mesma fundamentação seja irrecorrível.
Porém se o acto confirmado é nulo, o mesmo não merece qualquer proteção, pelo que não faz caso decidido. Daí que, não haja – para efeitos de irrecorribilidade – confirmatividade de actos nulos. Tal decorre do regime da nulidade dos actos, que não produzem quaisquer efeitos, independentemente da declaração da sua nulidade, a qual pode ser invocada a todo o tempo e não é suscetível de ratificação, reforma ou conversão – artigos 134º e 137º do CPA.[12]
A jurisprudência tem sido consistente e reiterada, ao não admitir que se possam invocar contra um ato administrativo vícios que se podiam e deviam ter invocado contra atos anteriores, sendo isso mesmo o que resulta da teoria tradicional dos atos meramente confirmativos.[13]
Disto resulta claramente que a conjugação dos Artº 51º e 53º do CPTA determina correspondentemente que apenas se mostrarão impugnáveis os actos administrativos dotados de eficácia externa, ainda que inseridos num procedimento administrativo, designadamente aqueles cujo conteúdo seja suscetível de lesar posições jurídicas subjetivas.


[1]  Assim, M. Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo, 2ª ed., actualizada, revista e aumentada, Coimbra, 1997, p. 715. 
[2] Cfr. M. Aroso de Almeida, “Manual de Processo Administrativo”, pág. 266 e 267
[3] Cfr. Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos anotado, VI, Almedina, p. 357
[4] Casos em que o acto confirmativo tivesse sido impugnado pelo autor, e lhe tivesse sido notificado ou tivesse sido publicado, sem que a notificação fosse obrigatória.
[5] Cfr. Art. 53.º/1, primeira parte, do CPTA
[6]Os atos que se limitem a reiterar, com os mesmos fundamentos, decisões contidas em atos administrativos anteriores”, Crf. Art. 53.º/2 do CPTA
[7] Por não se ter verificado relativamente a esse acto, qualquer dos factos previstos nos n.os 2 e 3 do art. 59.º do CPTA
[8] Cfr. Acórdão do TCA Norte de 04.11.2016, Proc. 00043/14.7BEVIS
[9] J. M. Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo, I, Lisboa, 1982, p. 347.
[10] Cfr. M. Aroso de Almeida, “Manual de Processo Administrativo”, pág. 266 e 267
[11] Cfr. Art. 59.º/2 CPTA
[12] Cfr., neste sentido, os Acórdãos deste Supremo Tribunal de 16-05-91 e 03-06-97, proferidos nos recursos 16.393 e 41.587.»] – Ac do TCA-N de 19/02/2016, no âmbito do processo n.º 01327/09.1BEBRG.
[13] Cfr. Mário Aroso, “Suspensão da eficácia de atos administrativos de execução da sentença”, Cadernos de Justiça Administrativa nº11, pág.20)

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.