Bárbara Maria de Melo Alexandre, n.º 26265
I.
Introdução
As
"impugnações administrativas” (recurso hierárquico, reclamação ou recurso
tutelar, artigo 184.º e ss. CPA) enquanto meios de defesa concedidos aos
particulares contra a administração pública[1], que efetivam-se através
dos órgãos da Administração Pública, podem ser necessárias ou facultativas, atento
critério da definitividade vertical do ato administrativo, artigo 185.º, n.º1
CPA. A análise que agora se pretende fazer debruça-se sobre a tempestividade da
ação administrativa quando seja necessário prévio esgotamento das garantias
administrativas, atenta a decisão no acórdão do Tribunal Central Administrativo
Sul, de 5 de julho de 2017, Processo n.º 2823/16.0 BELSB.
Antes
demais, esclareça-se que será necessária a impugnação administrativa que seja
“indispensável para se atingir um ato verticalmente definitivo que possa ser impugnado
contenciosamente”[2]
e facultativa quando já cabe impugnação contenciosa do ato administrativo, sem
que seja necessária a impugnação administrativa[3].
Suscita-se
porquanto a questão de saber se para que o ato administrativo possa ser
judicialmente impugnável ele tem de consubstanciar “a última palavra da
Administração”[4],
atentas as inovações introduzidas pelo novo regime, em 2015, tanto no CPA como
no CPTA, tendo em consideração os artigos 51.º, n.º1 e 59.º, n.º4 do CPTA e o
artigo 3.º do Decreto-Lei n.º4/2015, de 7 de janeiro.
II.
Impugnações
administrativas necessárias no CPA de 2015
O
requisito da definitividade vertical do ato administrativo resultava
implicitamente da CRP, até à revisão constitucional de 1989, e do artigo 25.º,
n.º1 da LPTA. A partir da revisão constitucional de 1989, com a substituição do
requisito da definitividade do ato pela lógica da lesividade do mesmo, eclodiu uma
acesa discussão doutrinária em torno da inconstitucionalidade da figura[5].
A
revisão do CPA de 2015 teve um papel preponderante na clarificação do regime
prevendo no artigo 185.º do CPA que, na ordem jurídica portuguesa, “as
reclamações e os recursos são necessários ou facultativos”, e ao acrescentar
que o critério residual, conforme resulta do n.º 2 do artigo 185.º do CPA, é o de
que “as reclamações e recursos são facultativos, salvo se a lei os denominar
como necessários”. Portanto, o CPA institui, para o futuro, que apenas será
necessário o meio impugnatório indicado, expressa e formalmente, com o termo
«necessário».
Ao
mesmo tempo, o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, que aprovou
a revisão do CPA, consagra um critério interpretativo transitório (n.º1) segundo
o qual serão necessárias as impugnações administrativas quando, previstas em disposições
sobre a matéria anteriores à entrada em vigor do CPA de 2015, utilizem uma das
seguintes expressões: (a) «necessária»; (b) do ato em causa «existe sempre»
reclamação/recurso; ou, (c) a sua utilização de impugnação administrativa
«suspende» ou «tem efeito suspensivo» dos efeitos do ato impugnado. Ademais,
estabelece um prazo mínimo para a utilização destas garantias de 10 dias (n.º2)
e que as impugnações administrativas existentes à data têm sempre efeitos
suspensivos da eficácia do ato (n.º3). Por fim, revoga todas as disposições
incompatíveis com os n.ºs 2 e 3.
III. Acórdão
em análise
O
acórdão do TCA Sul proferido a 5 de julho de 2017, no âmbito do Processo n.º
2823/16.0 BELSB vem dar procedência ao recurso interposto por Técnica de Emprego
ao serviço do IEFP, I.P. da decisão proferida pelo TAC de Lisboa que decreta a
exceção de caducidade do direito de ação, no processo de contencioso de
procedimento de massa (artigo 99.º CPTA), intentado no dia 7 de dezembro de
2016 contra o IEFP, IP. Em causa está um pedido de condenação do IEFP, I.P. a
reclassificar a autora na prova escrita de conhecimentos e, consequentemente, a
elaborar e homologar nova lista de classificação final no concurso de promoção
na categoria de Técnico de Emprego Especialista do IEFP, I.P., referente ao ano
de 2006.
No âmbito daquele
procedimento, a autora apenas teve conhecimento da lista das classificações
finais que a excluía das 18 vagas postas a concurso, por meio do Aviso n.º
11724/2016, publicado em Diário República, 2.ª Série, n.º 185, de 26 de
setembro. Não tendo sido acolhidas as suas alegações, em sede de audiência
prévia no procedimento que antecedeu a publicação e homologação da lista, questionando
as notações que lhe foram atribuídas na prova escrita, a 7 de outubro impugnou
administrativamente a deliberação do Conselho Diretivo do IEFP, IP que
homologou a lista de classificação final, ao abrigo do artigo 15.º do RCC[6], homologado por despacho
do Secretário de Estado do Trabalho, de 2 de outubro de 2003. Sendo que a
decisão de tal reclamação não lhe foi notificada.
Ora,
do n.º1 e ponto 1.1. do artigo 15.º do RCC inferem-se duas questões suscetíveis
de considerações: (a) classificação daquela impugnação como necessária ou
facultativa para efeitos da caducidade do direito de ação; e, (b) análise da
inconstitucionalidade da previsão na parte em que estipula o indeferimento
tácito[7]. Não obstante, apenas a
primeira das questões é objeto deste estudo e só quanto a ela foi o tribunal
chamado a pronunciar-se.
Em
primeiro lugar, o TCA Sul explicita que “o processo de contencioso de
procedimentos de massa compreende as ações respeitantes à prática ou omissão de
atos administrativos, podendo assim nele ser formuladas quer pretensões
impugnatórias (…) quer condenatórias”, artigo 99.º, n.º1 CPTA, e por isso à
contagem do prazo de um mês para a propositura da ação, n.º2, aplicam-se as
“normas contidas no CPTA referentes às ações respeitantes à prática ou omissão
de atos de atos administrativos”; o que foi feito pelo TAC Lisboa. No entanto,
este tribunal considera que aquela deliberação permite o acesso direto à via
contenciosa, podendo a autora impugnar judicialmente a lista final de
classificação no prazo de um mês contado desde o dia seguinte ao da publicação
do Aviso, i.e., 27 de setembro (artigo 279.º, al. b CC ex vi 69.º, n.º2, 58.º,
n.º2 e 97.º, n.º1 CPTA).
Neste
sentido, uma das críticas apontadas pelo TCA Sul à decisão proferida, em primeira
instância, foi precisamente quanto à aplicação do artigo 59, n.º4 CPTA sem
mais, i.e., sem previamente qualificar a reclamação prevista no artigo 15.º RCC
como facultativa ou necessária. É que como o TCA Sul vem esclarecer, dando
razão à autora, “a suspensão do prazo para a instauração de ação destinada à
impugnação de atos administrativos prevista no artigo 59º nº 4 do CPTA apenas
ocorre quando o interessado tenha lançado mão de impugnação administrativa de
natureza facultativa”.
A
distinção das duas figuras é por isso preponderante tanto mais quanto aos
efeitos que propugnam. Sendo a impugnação administrativa facultativa então,
regra geral, não há efeito suspensivo sobre a execução do ato administrativo,
conforme resulta do n.º2 do artigo 189.º do CPA, mas há um efeito suspensivo do
prazo para a propositura da ação nos tribunais administrativos, artigo 190.º,
n.º3 do CPA e 59.º, n.º4 CPTA, que só retoma o seu curso com a notificação da
decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do prazo
legal previsto para a tomada daquela decisão[8]. In casu, como a autora reclamou a deliberação que homologou a
classificação final a 10 de outubro, “o prazo de 30 dias deve ser contado do
termo do prazo (de 20 dias úteis) que o órgão competente tinha para decidir a
reclamação”, descontado o tempo que decorreu entre a publicação do aviso e a
data em que foi recebida a reclamação. Com efeito, a autora dispunha de 21 dias
contados de 9 de novembro para intentar a ação. Por isso, a ação devia ter sido
intentada até 29 de novembro; só o tendo sido a 7 de dezembro de 2016.
“Mas, já não é assim quando, de acordo com o
quadro normativo aplicável se impõe que previamente ao recurso à via judicial o
interessado esgote a via administrativa”, uma vez que para além da impugnação
administrativa necessária de um certo ato administrativo suspender os
respetivos efeitos (artigo 189.º, n.º1 CPA), apenas a notificação da decisão da
impugnação administrativa necessária (artigo 59.º, n.º2 CPTA, 114.º e 160.º CPA
e 268.º, n.º3 CRP) ou o decurso do prazo legal previsto para a tomada daquela
decisão (artigos 192.º, n.º3 e 198.º, n.º4 do CPA) dão início à contagem do
prazo para a propositura de uma ação junto dos tribunais administrativos,
consubstanciando, por isso, condição necessária para que o interessado possa
lançar mão dos meios contenciosos de tutela jurisdicional.
Em
face do que este tribunal, à semelhança do que entendeu o TCA Norte no acórdão
proferido a 3 de junho de 2016, processo n.º 216/11.4BECBR[9], classifica a natureza
desta reclamação como necessária[10]; entendendo ser essa a
interpretação possível “da conjugação da expressão «cabe reclamação», usada no
n.º1, com a menção, no n.º2, de que a respetiva decisão «é suscetível de
impugnação jurisdicional». De tal modo, que sustenta que o prazo legal de um
mês, para a instauração da ação, só se iniciou a 9 de novembro (dia seguinte ao
termo do prazo previsto para o órgão administrativo decidir), concluindo pela
tempestividade da ação proposta a 7 de dezembro.
Entendo,
por isso, e em igual sentido, ser manifesta a diferença entre a suspensão do
prazo de interposição de ação, iniciado com a prática do ato administrativo
decisivo de um procedimento administrativo de primeiro grau, prevista no artigo
59.º, n.º4 CPTA e a suspensão automática do início da contagem do prazo para a
propositura da ação enquanto não houver decisão ou decurso do prazo no
procedimento administrativo de segundo grau, que permanece de foro exclusivo
dos procedimentos necessários.
IV.
Utilização
prévia necessária de procedimentos administrativos
Para
além das alterações introduzidas no plano do Procedimento Administrativo,
também “a aprovação do CPTA [Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro] veio abrir um
novo capítulo na matéria (…) Desde
logo, do n.º1 do artigo 51.º resultou o abandono da definitividade vertical
como «requisito de impugnabilidade»”[11]. Assim, desde 2004, data em que entrou em vigor,
a impugnação administrativa necessária deixou de ser, regra geral, um
pressuposto processual.
No
entanto, na ciência doutrinária a discussão impõem-se quanto à validade das
disposições “avulsas” que preveem a existência de impugnações administrativas
necessárias. À semelhança da jurisprudência sufragada no acórdão, e diga-se
pela jurisprudência em geral, o professor Mário Aroso de Almeida entende que “o
CPTA não tem o alcance de afastar as múltiplas determinações legais avulsas que
instituem impugnações administrativas necessárias”[12]. E, portanto, nos casos
em que a lei expressamente preveja que as decisões administrativas estão
sujeitas a impugnação administrativa necessária, o acesso à impugnação judicial
ou à condenação à prática de ato administrativo depende da sua prévia
utilização. Esta é também a posição que sufragamos, por ser a que melhor
harmoniza as soluções do CPTA e do CPA.
Em
sentido contrário, o professor Vasco Pereira da Silva não acompanha esta
«interpretação restritiva», por contrariar disposições constitucionais e do
CPTA e por ter subjacentes mais considerações de politica legislativa do que
argumentos estritamente jurídicos, cujo resultado só pode ser a
inconstitucionalidade de qualquer previsão especial. Em primeiro lugar, entende
que é contraditório, existindo meio de impugnação judicial que permita reagir
contra omissão ilegal, a persistência de uma figura cuja razão de ser era a de
permitir a impugnação do ato. Depois, critica a argumentação formal “segundo a
qual se estaria perante uma revogação da regra geral, (…) mas que ela não
implicaria a revogação de eventuais regras especiais”[13], admitindo que a existir
esse argumento apenas teria projeções para disposições futuras e que, para além
disso, ao estabelecer-se que a garantia prévia não é mais pressuposto
processual, a exigência do recurso hierárquico deixa de ter consequências
contenciosas pelo que “tais normas caducam, pelo desaparecimento das
circunstancia de direito que as justificavam”.
Não
podemos concordar com esta posição na medida em que nos termos em que o regime
é exposto nas atuais disposições procedimentais, a impugnação administrativa
necessária apenas será requisito adicional para o acesso aos tribunais
administrativos quando tal resulte, expressamente (pense-se nas expressões do
artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 4/2015) de lei especial. Precisamente por serem
disposições especiais não podem, nos termos do artigo 7.º, n.º3 do CC, ser
revogadas por lei geral que resulta do n.º2 do artigo 185.º CPA e do artigo
51.º, n.º1 CPTA. Aquele preceito “impõe uma presunção no sentido da
subsistência da lei especial”[14],
que apenas será afastada por intenção inequívoca ou expressa do legislador
nesse sentido. E, nesta matéria limitou-se a prever, no n.º4 do artigo 3.º do
Decreto-Lei n.º 4/2015, a revogação das disposições contrárias ao previsto no
n.º2 e 3. Ora, ao prever a existência de impugnações de natureza facultativa e
necessária no artigo 185.º parece claro que a intenção do legislador foi no
sentido contrário ao da revogação das disposições especiais.
Não
quer isto dizer que nos obviamos às críticas apontadas ao artigo 3.º do
Decreto-Lei n.º 4/2015, desde logo por concordarmos que não cabe ao legislador
a definição de conceitos legais, depois porque soluções como a prevista na
alínea c) consubstanciam uma inversão metodológica partindo da consequência
jurídica para encontrar a definição, mas que o consideramos um critério
interpretativo que auxilia na interpretação do significado jurídico da linguagem
utilizada em cada previsão normativa que preveja, especialmente, o recurso,
necessário e obrigatório, à garantia administrativa.
Esta
é de facto a interpretação que parece melhor favorecer a harmonização entre
regime previsto no CPTA, nomeadamente nos artigos 51.º, n.º1 e 59.º, n.º4 e 5,
e as alterações introduzidas pela revisão ao CPA. Caso contrário, afastando por
completo e em definitivo em todas as situações, o requisito da prévia
impugnação administrativa, a intenção do legislador, quando prevê as duas
figuras e cria um critério como o do artigo 3.º, seria uma intenção de conteúdo
vazio, que não produziria efeitos jurídicos na prática. Daqui resulta que a
previsão daquelas figuras seria meramente enunciativa de conceitos.
Por
ventura, ao tecer estas considerações e recorrendo aos critérios enunciados no
artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 4/2015 parece ser de discordar da sentença do TCA
Sul na parte em que qualifica a impugnação prevista no artigo 15.º do RCC como
necessária. Desde logo, o preceito não utiliza a expressão «necessária».
Depois, cabe referir que «cabe reclamação» é substancialmente diferente de cabe
sempre reclamação. Na ausência da locução «sempre» aquela previsão parece ser
meramente exemplificativa e enunciativa. Depois, na parte em que estabelece a
suscetibilidade de impugnação jurisdicional da decisão, entenda-se que o faz à
semelhança do que o fez o legislador quando esclarece as garantias do
particular e prevê, por exemplo, no artigo 268.º, n.º4 a possibilidade de
impugnação de quaisquer atos administrativos lesivos. Em ultimo caso,
reconheça-se que a conjugação das duas expressões é altamente suscetível de
suscitar interpretação semelhante à acolhida pelo acórdão, induzindo o
particular em erro; caso em que utiliza a impugnação administrativa na
convicção, compreensível, de que era de utilização necessária. Nestes casos, “o
direito à tutela jurisdicional efetiva, (…) artigo
7.º, não pode deixar de exigir que a impugnação contenciosa seja admitida fora
de prazo”[15].
Do
ponto de vista constitucional, Vasco Pereira da Silva considera que a
impugnação administrativa necessária consubstancia uma violação do princípio da
tutela jurisdicional efetiva porque interdita o recurso aos meios contenciosos
na falta de utilização dos meios administrativos (artigo 20.º, n.º1 e 268.º,
n.º4 CRP); uma violação do princípio da desconcentração administrativa (artigo 267.º, n.º2 CRP),
atenta a concentração da decisão no órgão superior hierárquico e ainda do
princípio da separação dos poderes. Daí que, com a consagração da regra da
desnecessidade da impugnação administrativa prévia, entender pela
inconstitucionalidade da figura trata-se de uma «missão impossível». Em último
lugar, como o CPTA “estabelece um princípio de promoção de acesso à justiça
(artigo 7.º), segundo o qual o mérito deve prevalecer sobre as formalidades”,
devem ser afastadas todas as diligência inúteis (artigo 8.º, n.º2).
Tal
como o fizemos antes, sentimo-nos impelidos a contestar este raciocínio. O
artigo 20.º, n.º1 da CRP ao conferir ao particular o direito de acesso aos
tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos
consubstancia uma norma constitucional primária, ordenatória e permissiva, que
confere situação de vantagem para o particular e, que é constitutiva de
direitos fundamentais. Trata-se de uma norma-princípio que prevê o principio da
tutela jurisdicional efetiva e tem como corolário o artigo 268.º, n.º4 CRP e
artigo 2.º do CPTA. Por outro lado, a CRP prevê no n.º4 do artigo 20.º um
direito dos particulares a uma decisão em tempo útil e para tanto, assegura, no
n.º 5 “procedimentos judiciais caraterizados pela celeridade e prioridade, de
modo a obter tutela efetiva”. Também, o CPTA prevê no artigo 7.º-A o dever de
gestão processual e no 8.º, n.º2 que as partes devem abster-se de requerer a
realização de diligência inúteis.
É
evidente que o recurso a impugnações administrativas necessárias pode
restringir o direito de acesso à justiça nos casos em que o particular não
impugne administrativamente, mas é, em simultâneo perentório que a utilização
desse meio de tutela é favorável ao particular na parte em que lhe confere
outra hipótese de ver satisfeita a sua pretensão sem a hipertrofia de que
padecem as garantias jurisdicionais. Com efeito, permite a jusante para o
interessado e a montante para a Administração Pública, a racionalização no
acesso aos meios jurisdicionais, conferindo a esta a possibilidade de retificar
eventuais ilegalidades, sem recurso dispendioso aos tribunais.
Em
suma, diga-se que estamos perante um conflito entre a norma que confere ao
particular direito de acesso à justiça e a norma que lhe confere direito à
decisão em tempo útil, esta última favorável à prévia utilização das
impugnações administrativas como fator de agilização processual. Admitindo que
a operação de subsunção dos factos à previsão normativa culmina na sobreposição
das previsões normativas aplicáveis, cujos efeitos são incompatíveis então
estamos perante uma situação de interseção de normas constitucionais, cuja
resolução depende de um juízo de ponderação. Assim, quer as considerações
tecidas supra inerentes às exigências de eficiência e celeridade e no desígnio
do interesse público quer o facto de que o particular continuar a poder lançar
mão dos meios contenciosos desde que observe o dever de diligência no tráfego
jurídico, levam a que o resultado dessa ponderação seja contrário à
inconstitucionalidade da figura.
Adicionalmente,
e por constituir, em parte, uma restrição ao direito de acesso à justiça, de
natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, é que se prevê que tal
solução só pode resultar, de modo expresso, da lei entendida nos termos
exigidos no artigo 18.º, n.º2 CRP e sob forma de ato legislativo (artigo 165.º,
n.º1, al. b) e n.º2 CRP).
Posto
isto, entenda-se que a previsão legal de impugnações administrativas
necessárias não pode ser preterida no domínio do contencioso administrativo[16].
NOMENCLATURAS
CC
– Código Civil
CPA
– Código do Procedimento Administrativo
CPTA
– Código de Processo nos Tribunais Administrativos
CRP
– Constituição da República Portuguesa
IEFP,
IP – Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P.
RCC
– Regulamento de Carreiras e Concursos
TCA
– Tribunal Central Administrativo
TAC
– Tribunal Administrativo de Círculo
BIBLIOGRAFIA
-
ANDRÉ SALGADO DE MATOS,
«Recursos hierárquicos necessários previstos em leis especiais, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º
87, maio/junho 2011
-
DIOGO FREITAS DO AMARAL, in Curso de Direito Administrativo, vol.
II, Almedina, 2.ªEdição, 2011
-
JOSÉ DUARTE COIMBRA/JORGE
SILVA SAMPAIO, «Os Procedimentos Administrativos de Segundo Grau no novo CPA», in Comentários ao Novo Código do
Procedimento Administrativo, AAFDL, 2.ªReimpr., 2015
-
JOSÉ VIEIRA DE ANDRADE,
«Em defesa do recurso hierárquico», in
Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 0
-
MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, in Teoria Geral do Direito Administrativo, Almedina,
2.ª Edição, 2015
-
MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, in Manual de Processo Administrativo, Almedina,
3.ªEdição, 2017
-
VASCO PEREIRA DA SILVA, in O Contencioso Administrativo no Divã da
Psicanálise, Almedina, 2.ª Edição, 2013
[1] Nos
termos do artigo 184.º, n.º1 do CPA, os particulares podem lançar mão dos meios
de defesa previstos nos artigos seguintes, quer contra atos da Administração,
alínea a), quer contra omissões ilegais, alínea b). A
distinção entre garantias administrativas impugnatórias e garantias
administrativas petitórias, respetivamente é enunciada em DIOGO FREITAS DO
AMARAL, in Curso de Direito
Administrativo, vol. II, Almedina, 2.ªEdição, 2011, pp. 756 e ss. Por isso,
reconhecemos a priori que a expressão impugnações administrativas não é a mais
correta atento certo preciosismo linguístico, mas a mais percetível, em termos
gerais.
[2] DIOGO FREITAS DO
AMARAL, in Curso de Direito
Administrativo, II, Almedina,2.ªEdição,2011, pp. 770
[3] Por exemplo, no
caso de atos administrativos praticados por subalternos, para que o particular
se possa dirigir à via contenciosa tem de, antes, interpor recurso hierárquico
para superior hierárquico. Só com a decisão deste último se poderá dirigir aos
tribunais administrativos.
[4]Cfr. JOSÉ DUARTE
COIMBRA/JORGE SILVA SAMPAIO, «Os Procedimentos Administrativos de Segundo Grau
no novo CPA», in Comentários ao Novo
Código do Procedimento Administrativo, AAFDL, 2.ªReimpr., 2015, pp. 689-690.
Ainda, os autores partem de uma interpretação literal do artigo 190.º, n.º3 CPA
para concluir que em caso de omissão ilegal no incumprimento do dever de
decidir o prazo para intentar ação de condenação não se suspende.
[5] A favor da
inconstitucionalidade, VASCO PEREIRA DA SILVA, in Em busca do ato administrativo perdido, Coimbra, 1996, pp. 667 e
674 e PAULO OTERO, «As garantias impugnatórias dos particulares no CPA», in Scientia Ivridica, XLI (n.º 235/237,
pp 58 e ss). Em sentido contrário, jurisprudência dos tribunais
administrativos, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, in
Teoria Geral do Direito Administrativo, Almedina, 2.ª Edição, 2015, pp. 372
e ss., VIEIRA DE ANDRADE, «Em defesa do recurso hierárquico», in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º
0, pp. 13 e ss., ANDRÉ SALGADO DE MATOS, «Recursos hierárquicos necessários
previstos em leis especiais: o recurso em matéria disciplinar no âmbito da GNR,
in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º
87, maio/junho 2011, pp. 50-58.
[6]
Artigo 15.º RCC: “1. Da publicitação das listas de classificação final previstas (…) cabe
reclamação para a Comissão Executiva a interpor no prazo de 10 dias úteis. 1.1
O prazo da decisão da reclamação é de 20 dias úteis, considerando-se
tacitamente indeferida, quando não seja proferida decisão naquele prazo.(…)
2. A decisão proferida pela Comissão
Executiva em sede de reclamação é suscetível de impugnação jurisdicional, nos
termos legais.”
[7] O CPA, aprovado pelo Decreto-Lei nº 442/91, de 15 de novembro, na versão anterior, consagrava,
no artigo 109.º, n.º1, o indeferimento tácito como regime regra das omissões
que resultavam do incumprimento do dever de decisão, no exercício de poderes
discricionários pela Administração, previsto no artigo 9.º. Na redação do Novo
CPA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro essa disposição
desapareceu. Não se obvia a que ainda se preveja a solução de indeferimento
tácito em disposições especiais, mas tal solução é altamente questionável por
inutilizar, na prática, o princípio da decisão. Vejamos, da interposição de um
requerimento pelo interessado, resulta, em abstrato, um dever de decisão para a
Administração, cujos interesses são muitas vezes contraditórios à pretensão
requerida. Se a consequência do incumprimento daquele dever for um ato de
conteúdo negativo, então está-se a violar o princípio fundamental, segundo o
qual, a Administração quando atua, tem de o fazer no respeito pelos direitos e
interesses legalmente protegidos dos particulares (artigo 266.º, n.º1 da CRP).
Na prática, isto significa que à Administração «bastava nada fazer», ou seja,
uma situação de inércia.
[8] Daqui não resulta
um impedimento para o interessado de propor ação no contencioso na pendência da
impugnação administrativa, artigo 190.º, n.º4 CPA e 59.º, n.º 5 CPTA.
[9]
No douto acórdão sumariou-se que “Verificando-se que o artigo 15.º do
Regulamento de Carreiras e Concursos do IEFP, I.P. consagra expressamente a
necessidade de reclamação hierárquica da deliberação de homologação da lista
final de classificação, esse facto impõe a utilização de um meio de reação
graciosa, cuja utilização é
obrigatória e necessária, sem o que se não mostra possível o recorrer à
impugnação contenciosa”. Destaque nosso.
[10]
Cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, in Curso de Direito Administrativo, vol.
II, Almedina, 2.ª Edição, 2011, pp. 763-765 sobre a evolução da figura da
reclamação, que historicamente nunca teve no Direito Administrativo português
natureza necessária a título geral, sem que, contudo, tal não possa, a título
especial, ser previsto.
[11] Cfr.
JOSÉ DUARTE COIMBRA/JORGE SILVA SAMPAIO, «Os Procedimentos Administrativos de
Segundo Grau no novo CPA», in Comentários
ao Novo Código do Procedimento Administrativo, AAFDL, 2.ªReimpr., 2015, pp.
690
[12] Cfr.
MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, in Manual de Processo
Administrativo, Almedina, 3.ªEdição, 2017, p. 297 e ss. Para o autor o
requisito da eventual prévia utilização das garantias administrativas é
requisito autónomo que não integra o pressuposto da impugnabilidade do
ato. De tal forma que, nesses casos, “a
lei entende fazer depender o reconhecimento de interesse processual do autor
(…) da utilização das vias legalmente estabelecidas para tentar obter a
resolução do litígio por via extrajudicial”.
[13] Cfr. VASCO PEREIRA DA SILVA, in O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Almedina,
2.ª Edição, 2013, pp. 354-361
[14]
Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20 de setembro de 2007,
Processo n.º 6753/2007-2
[15]
Cfr. MÁRIO
AROSO DE ALMEIDA, in Manual de Processo
Administrativo, Almedina, 3.ªEdição, 2017, p. 299. Para o TCA Sul no
acórdão de 4/10/2018, “o
princípio pro actione consagrado no artigo 7° CPTA constitui um princípio de
interpretação normativa, não consentindo a derrogação de normas legais cuja
interpretação emirja como unívoca”.
[16]
Reconhece-se,
contudo, que o legislador poderia matizar as opções em sentido contrário
adotando «cláusulas de salvaguarda». A expressão é de JOSÉ DUARTE COIMBRA/JORGE
SILVA SAMPAIO, «Os Procedimentos …, pp. 700-701 na parte em que preveem uma
exceção que permitisse levantar o efeito suspensivo e a prevenção de um uso
defraudador.
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