sábado, 8 de dezembro de 2018

O Subconsciente e o Inconsciente do contencioso na acção de condenação à prática de ato devido - Os Traumas de uma evolução turbulenta

1)Evolução:
A evolução do Contencioso Administrativo ao longo da história caracterizou se por ser bastante gradual até ao século XX e os acontecimentos traumáticos que neste se passaram. Ao longo da sua história as sociedades Europeias previam a possibilidade de impugnação de atos administrativos, mas não a de condenar a administração à prática de atos devidos. Mesmo após a ideia de monarquia absoluta que considerava que a administração real “tinha sempre razão” por força do direito divino do monarca ter sido substituída pelo princípio da separação de poderes, o subconsciente do Estado e da sociedade obrigava-os a reconhecer que a actuação do Estado não podia ser posta em causa de forma direta, limitando-se a anular actos administrativos.
Após a revolução de 1974 e a introdução da Constituição da República Portuguesa em 1976, o Contencioso Administrativo tinha como figura principal o recurso directo de anulação, que determinava que a condenação da Administração só era permitida, de forma limitada, no domínio das ações em matéria de contratos e responsabilidade e, ainda, no âmbito do contencioso de anulação, através da ficção do ‘’ato tácito de indeferimento’’, surgindo do inconsciente as necessidades prementes do Contencioso Administrativo.
Somente com a sessão terapêutica que resultou no Código de Processo dos Tribunais Administrativos (Lei 15/2002), é que finalmente foram abordados todos os traumas e surgiu integralmente para o “plano consciente” a ação de condenação à prática do ato administrativo, prevista no artigo 66.º e seguintes do Código de Processo dos Tribunais Administrativos.


2) Objeto do Processo:
A  ação de condenação à prática do ato devido resulta das normas dos artigos 66.º e  seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, destinando-se a obter a condenação da entidade competente à prática, dentro dos prazos previstos no artigo 69.º/1, 2 e 3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativo, da produção de um ato administrativo que tenha sido ilegalmente omitido ou substituição de um acto administrativo ilegal desfavorável ao particular por um de conteúdo favorável (artigo 66.º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) mas não as “pretensões relacionadas com operações materiais e meros actos jurídicos da Administração que não sejam qualificáveis como actos administrativos”(1*) .
Este pedido está dotado de duas naturezas, a imediata (o efeito procurado pelo particular, isto é, a condenação à prática) e a mediata (o direito subjetivo que se pretende tutelar através desse efeito) ambas parte do objecto do processo . Na perspectiva do Professor  Doutor José Vieira de Andrade é a natureza imediata que constitui, maioritariamente, o objecto de um processo prosseguido através deste tipo de acção administrativa especial, visto que o ato devido é que é aquele que na perspectiva do autor deveria ter sido emitido e não  foi emitido (2*) . No entanto a esta posição contrapõe-se a do Professor Doutor Vasco Pereira da Silva, que crítica a sobrevalorização da natureza imediata em detrimento da mediata pois não consegue abarcar todo o objecto da acção de condenação à prática do acto devido (3*). Prevalece a posição do Professor Doutor Vasco Pereira da Silva devido ao facto do artigo 66.º/2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, claramente privilegiar o pedido mediato. Portanto o objeto do projeto é o direito do autor a uma conduta, específica, da Administração a qual está legalmente vinculada a actuar na forma recusada ou omitida, decorrendo da pretensão dos interessados de proteção dos seus próprios interesses, isto é, dos seus direitos subjectivos no englobamento da relação jurídica administrativa em causa. Esta ideia é consolidada no artigo 71.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, do qual resulta que na sua pronúncia o Tribunal faz uma apreciação material sobre o conflito, pronunciando-se sobre se na situação concreta era abrangida pelo direito que direito do autor e, se era abrangida, qual o conteúdo do comportamento juridicamente devido ao autor pela administração (4*).
Complementa o acima referido o artigo 3.º/3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos que prevê uma maior proteção do autor, na medida de antecipação e da tutela cautelar do particular. A intenção de tutelar esses interesses e foco de apreciação da relação administrativa no actual contencioso administrativo resultou na extensão dos juízos previstos no artigo 70.º/1 e 3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, através do qual alarga se o objecto do processo a todos os atos administrativos que sejam totalmente ou parcialmente desfavoráveis praticados na pendência da acção.
Como consequência da grande variedade da manifestação das relações Administrativas resulta o artigo 70.º/2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sendo que as sentenças de condenação à prática do ato devido devem variar nas suas avaliações quanto a diferentes relações Administrativas.
Daqui resulta, para o Professor Doutor Mário Aroso de Almeida, uma variedade de modalidades de sentenças, mas destas 3 destacam-se como primárias, nomeadamente (5*) :
  • “Situações em que a lei confere ao autor o direito a um ato administrativo com um determinado conteúdo ou, constitui a Administração no dever estrito de praticar um ato de conteúdo determinado”;
  • “Situações em que, embora a lei confira, em abstracto à administração certos poderes de conformação do conteúdo do ato,  no caso concreto se deve, objectivamente, reconhecer que só lhe resta praticar um ato com um determinado conteúdo”;
  • “Situações de acto devido que resultam na condenação da Administração a praticar um qualquer ato administrativo, sem conter quaisquer especificações quanto ao conteúdo do ato a praticar”.


3) Pressupostos:
Para que possa ser deduzido um pedido de condenação à prática de um ato administrativo devido, o interessado tem de apresentar um requerimento, com toda a fundamentação da pretensão do autor, que  que tenha constituído o órgão competente no dever de decidir previsto no artigo 67.º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Há uma omissão por parte da Administração, se, havendo um pedido do autor, apresentado ao órgão administrativo competente e com o dever jurídico de decidir, não haja qualquer decisão dentro do prazo legalmente estabelecido, a situação prevista no artigo 67.º/1/a) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e, logo, viola o seu dever de decisão previsto no artigo 129.º do Código do Procedimento Administrativo, devendo o particular interpor a ação no prazo do artigo 69.º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Além desta situação, a ação de condenação à prática de ato devido também pode ser pedida nos casos de decisão de conteúdo negativo, conforme o artigo 67.º/1/b) do Código de Processo nos Tribunais Administrativo,s devendo o autor interpor a ação no prazo do artigo 69.º/2 e 3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Caso não tenha sido feito o requerimento falta o pressuposto do interesse processual e a ação de condenação deverá ser rejeitada. O pedido de condenação à prática do ato administrativo devido também poderá caber em situações nas quais tenha sido praticado um ato administrativo de conteúdo ambivalente (ou seja, parcialmente desfavorável), nos termos do artigo 67.º/1/c) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, devendo o interessado interpor a ação no prazo do artigo 69.º/2 e 3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.  Esta ação também pode ser deduzida perante a prática de um ato de conteúdo positivo conforme o artigo 67.º/4/b) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos devendo o particular interpor a ação no prazo do artigo 69.º/2 e 3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sendo que o artigo 67.º/4/a) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos prevê a outra situação de omissão, neste caso derivada de omissão no caso de o dever de emitir um ato administrativo resultar da Lei, devendo o autor propor a ação no prazo do artigo 69.º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.


4) Legitimidade:
Têm legitimidade ativa as entidades previstas nas alíneas a), b), c), d), e) e f) do artigo 68.º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e legitimidade passiva a entidade responsável pela situação e quem possa ser prejudicado pela emissão do ato devido e devido à relação material em causa nos termos o artigo 68.º/2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
5) Conclusão:
Em suma o Legislador com a instituição desta forma de ação consolidou um paradigma no Contencioso Administrativo de juizo da relação administrativa e uma maior proteção dos interesses dos particulares nas relações administrativas, visto que, segundo o Professor Vasco Pereira da Silva, esta é melhor forma de tutela dos respectivos (6*) .


Notas de Rodapé:
1*- Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 15/09/2016, processo - 00584/14.6BEPRT

2* - José Carlos Vieira de Andrade, ‘’A justiça administrativa – Lições’’, 16ª edição, editora Almedina, páginas 224 e 225

3* - Vasco Pereira da Silva, ‘’O contencioso administrativo no divã da psicanálise’’, 2ª edição, editora Almedina. páginas 383, 384 e 385
4* - Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 16/01/2013, processo 0232/12
5* - Mário Aroso de Almeida, “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª Edição, editora Almedina, páginas 226, 236, 237 e 238.
6* - Vasco Pereira da Silva, ‘’O contencioso administrativo no divã da psicanálise’’, 2ª edição, editora Almedina, páginas 380, 381, 382 e 397.


Bibliografia:
Vasco Pereira da Silva, ‘’O contencioso administrativo no divã da psicanálise’’, 2ª edição, editora Almedina.
José Carlos Vieira de Andrade, ‘’A justiça administrativa – Lições’’, 16ª edição, editora Almedina.
Mário Aroso de Almeida, “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª Edição, editora Almedina.
Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 15/09/2016, processo - 00584/14.6BEPRT
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 16/01/2013, processo 0232/12







Francisco Figueiredo nº24491 Subturma 10 Turma A do 4º ano

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